sexta-feira, novembro 26, 2010

QUE MELHOR CAMINHO PARA RECOMEÇAR

Reflexão:
Que melhor caminho para recomeçar, que caminhar com Jesus desde o berço, pela mão da Virgem Mãe?

Evangelho 1ºD Advento

Evangelho segundo S. Mateus 24,37-44.

«Como foi nos dias de Noé, assim acontecerá na vinda do Filho do Homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comia-se, bebia-se, os homens casavam e as mulheres eram dadas em casamento, até ao dia em que Noé entrou na Arca; e não deram por nada até chegar o dilúvio, que a todos arrastou. Assim será também a vinda do Filho do Homem. Então, estarão dois homens no campo: um será levado e outro deixado; duas mulheres estarão a moer no mesmo moinho: uma será levada e outra deixada. Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Ficai sabendo isto: Se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a casa. Por isso, estai também preparados, porque o Filho do Homem virá na hora em que não pensais.»

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REFLEXÃO

No primeiro Domingo do Advento, a Igreja une nesta passagem do Evangelho, a Aliança de Deus com Noé, a Nova Aliança que foi a vinda de Cristo e a promessa de um tempo final em Glória para os que se mantiverem na presença de Deus. O Espírito de Deus que no princípio vagueava sobre as águas (Gn 1, 2) é o primeiro elemento da anunciação dessa função purificadora que o Espírito Santo teria sobre o Homem. Na Aliança com Noé (Gn 9, 9), o escriba sagrado diz-nos que Deus reconheceu que a natureza e o coração do homem são inclinados para o mal (Gn 8, 21) e por isso não voltaria a haver castigo sobre a Terra como o do dilúvio. O sentido escatológico da eterna luta do homem na terra para vencer no seu íntimo as guerras com o maligno estava traçado. O homem tem apetência por Deus, e a sua Alma procura a sua origem, Aquele que nela deixa a marca do Amor Trinitário. Mas o homem, na terra, é sujeito a toda a tentação do Príncipe do Mundo, e Deus sabe-o. O início das Sagradas Escrituras traça assim de modo muito claro toda a História da Humanidade: uma eterna luta de cada Homem pela Santidade, pela resistência à tentação com que aquele que não tem parte no Amor o procura desafiar. Ao longo dessa mesma História, o homem tem ao seu dispor o Amor de Deus, no seu Espírito, que nos corações que o queiram receber constrói a fortaleza inexpugnável pelas intempéries mundanas, e por isso efémeras.

 
A água é por isso o primeiro sinal da pureza do Espírito Santo, e da sua acção purificadora em que se deixa guiar por Ele. Sobre a Água vagueou o Espírito, e pelo dilúvio, na imagem inspirada ao escriba, se salvam apenas os que acreditam em Deus. A Igreja vê na Arca de Noé, uma prefiguração da Salvação pelo Baptismo. Com efeito, isso mesmo nos diz o Catecismo da Igreja Católica, baseado desde logo nas palavras de S. Pedro “um pequeno grupo, ao todo oito pessoas, foram salvas pela água” (1, Pe, 3, 20).

A água desempenha assim um papel fundamental na representação do Paráclito, Senhor que dá vida. Na sua morte na Cruz, Jesus é trespassada pela lança de um soldado, e do seu lado jorram água e sangue (Jo, 19, 34). A redenção baptismal, que liberta todo o homem do pecado, está assim intimamente associada ao sacrifício salvífico da Santa Cruz. Os baptismos que ocorrem na Vigília Pascal atestam isso mesmo: Não foi assim com o Bispo de Hipona, Santo Agostinho? O Deus Filho, Unigénito de Deus, que por acção do Espírito de Pureza de Deus seria gerado no imaculado ventre da Virgem Santíssima, Ela própria livre de todo o pecado desde sempre, encarna como homem e é morto, e nesse acto de Cordeiro de Deus, tirou de facto o Pecado de todos os homens, acto renovado quotidianamente sempre que alguém recebe o Baptismo, e nele, o Espírito Santo. Por isso, o Baptismo é a travessia do Mar Vermelho pelos judeus, libertados da Escravidão do Egipto, símbolo da Escravidão do Pecado, em direcção à Terra Prometida a Abraão, que é a imagem terrena do Reino de Deus. Também nós, pelo nosso baptismo (como professamos no Credo), caminhamos livres do pecado, e enxertados no Corpo Místico de Cristo, a Santa Igreja, à qual passamos a pertencer.

 
A beleza da simbologia purificadora da água como agente do Espírito de Deus é infelizmente ofuscada por muitos que tomam esta passagem referente à Arca de Noé, como descrédito de toda a narrativa Bíblica. E, porventura, mais triste, ainda, é tomada literalmente por aqueles que dizendo serem católicos se arrogam o direito interpretativo sobre as Sagradas Escrituras, como se o que foi escrito pelas palavras ditadas pelo Espírito Santo pudesse ser compreendido pela finita e miserável inteligência humana. Assim, advogam, muitas vezes com base nesta passagem do Evangelho de S. Mateus, um cruel fim do mundo, em que Deus se abateria sobre nós com alegada cólera pelas nossas falhas.

Seria apenas justo que assim fosse, tantas são as ofensas e os agravos que acumulamos individual e colectivamente ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria. Mas não é aceitável que se designe católico alguém que professando que Deus é Amor, diga em simultâneo que o mesmo Deus seria possuído de uma tal cólera e ira pelos nossos pecados que destruiria a face da Terra. A esses apocalípticos, saibamos responder que o Amor de Deus é infindo, e que não seria seguramente Deus a incorrer na quebra do Decálogo que nos deu, mediante Moisés, que se insurge claramente contra a ira, e o assassinato como pecados mortais. Deus é amor! Acreditamos na Segunda Vinda de Cristo, e no Julgamento Final das Almas, mas antes de tudo saibamos que podendo perecer daqui a pouco, importa a cada instante estar preparado para o julgamento particular de cada um após a sua morte. Não cabe ao homem especular sobre o fim do mundo, e é verdadeiramente herege tomar a Arca de Noé, prelúdio da Salvação dos Justos, como exemplo da Ira de Deus.

Contra-argumentam os evangélicos que Deus fala de um modo simples, de maneira a que os simples o entendam. Por isso Cristo falaria literalmente nesta passagem bíblica que em versículos anteriores anunciava terramotos e trevas aquando da sua segunda vinda. Tenhamos a noção que a simplicidade amada por Deus é dos humildes, dos que não têm a soberba de comer da Árvore da Sabedoria enganadora, porque essa provém da Serpente, do Maligno. A simplicidade amada por Deus é aquele recolhimento interior de Maria Santíssima, que tudo observa e medita em seu CORAÇÃO. Não é da nossa vã filosofia que vem o conhecimento da Verdade, mas também não apenas do conhecimento do alfabeto para ler as Sagradas Escrituras. A Verdade vem a nós se o Espírito da Verdade, o Espírito Santo, nos iluminar interiormente, para que possamos compreender as figurações e imagens que Cristo nosso Redentor utiliza. Ele vem a nós pela devoção aquela Filha de Maria Santíssima que foi constituída depósito da Fé: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Ao Papa, e ao colégio episcopal se em sintonia com o Papa cabe o aprofundar do entendimento das Escrituras, e cabe guardar a Verdade. Mas a Revelação, como dizia em 1984 o então ainda Cardeal Joseph Ratzinger, está encerrada com o Novo Testamento. Deus, dizia o actual Papa, pode bem manifestar-se quando e como quiser no material ao longo da História. Mas a Revelação está completa com Cristo e o último Apóstolo, pois a Eles foi enviado o Espírito Santo para que não esquecessem as palavras de Cristo, e para os continuar a ensinar. Nada pode por isso ser acrescentado ao que constitui o depósito da Fé que os sucessores de Pedro, e os episcopados sucessores apostólicos são guardiães.

Não é errado ansiar a Segunda Vinda de Cristo: isso o suplicamos no Pai-Nosso. Errado é presumir que sabemos quando isso sucederá quando o mais certo é perecermos antes, e termos que dar conta das nossas acções. Por isso, em lugar de leituras apocalípticas, esta passagem de S. Mateus deve encher-nos de esperança. A Aliança primeira, aquela que Deus estabeleceu com Noé, simbolizada na água, é a aliança da travessia do Mar Vermelho, e que foi renovada finalmente na sua forma perfeita e final na revelação do Deus que veio até nós, por Amor, e nos amou ao ponto de se dar à morte para nossa redenção na sua dor. Enterrados os nossos pecados, ressuscitou e abriu-nos as portas do Reino. Da água e do Sangue que de si jorraram, resulta a purificação que o baptismo representa nessa união íntima que tem com a morte de Jesus. Pois só pela seu sangue, como diz S. João no Livro do Apocalipse, atingem as almas dos Justos uma alvura inimaginável na Terra. A alvura do que foi lavado pelo salvífico Sangue do Agnus Dei.

Celebremos então o Advento, preparando essa festa única da vinda de Deus até nós, como o Bom Samaritano que foi ao primeiro Adão, caído pelo peso do pecado, e o curou. Lembremo-nos, que tendo provavelmente perdido a graça baptismal pela reincidência no pecado, a bondade infinita da misericórdia de Deus, que compreendeu desde cedo a inclinação errada do coração humano, ao deixar-nos o Sacramento da Confissão. Diz-nos Jesus que poucos serão os salvos. Não por uma peste colérica, mas porque todos nos apresentaremos diante de Deus. Apenas os que estiverem purificados, por aquele perdão que só o sacerdote pode transmitir, e que vem de Deus, poderão ser salvos.

A coabitação com o pecado não é aceitável a Deus. Cristo disse-nos que não tinha parte com o Príncipe deste Mundo. Saibamos por isso aproveitar esta vida pelo que ela é: passagem, caminho para outra. E para isso vivamo-la na constante graça sacramental, que nos une à Paixão de Cristo, e ao seu Amor, no Amor ao Papa e à Santa Igreja, na frequência tão assídua da Eucaristia, na oração individual, e numa vida de permanente dádiva de amor e contemplação de Deus. Tudo o resto passa. Nada de terreno segue connosco de encontro a Cristo.

O Natal dizem as televisões não será fácil para muitos. Como vivemos presos ao material. Ajudemos os que realmente precisam, mas se tivermos que ter um pouco menos, saibamos que Jesus nasceu na manjedoura. Que o Natal não seja material, mas antes tempo de renúncia e alegria, de sacrifício e amor, de vontade de União eterna a Cristo. Que melhor caminho que o do seu berçário, caminhando de mão dada com Maria?

Por Carlos Santos, Sexta-feira, 26 de Novembro de 2010