OS ESPINHOS NÃO CESSAM DE FERIR-ME
Não chegou a minha aleluia. Não houve para mim
a ressurreição de Jesus. Estou em agonia. Estou em grandes sofrimentos da alma.
Todo o meu ser é um trapo que a dor desfez, produzido pela lepra do pecado. Os
espinhos não cessam de ferir-me. São bem agudos e penetrantes.
Duas coisas tive de motivo de alegria, se
Jesus mas deixasse sentir. Aprouve ao Senhor que nada me alegrasse; só com os
olhos n’Ele me alegro no cumprimento da Sua divina vontade. Custa-me tanto,
tanto, dizerem-me à minha frente que lhes foi dito que quem me visitasse
ficaria excomungado.
— Jesus, Jesus, ai quanto custa! Seja
tudo por Vosso amor e pela salvação das almas.
Causam-me pavor as visitas. Parece-me ter nojo
delas. A todos ao mesmo tempo quero abraçar e possuir no meu coração; mas, meu
Deus, essa excomunhão de que me acusam prejudicará essas almas?! Não estou aqui
para ruína delas, mas sim por Vosso amor e por elas me imolar. Não posso dizer
mais nada. Vou dizer as palavras do colóquio de Jesus. Mas, ah! Se eu pudesse
ao menos colocar neste caderno o livro infindo do meu coração para ele dizer
tudo, para falar do amor de Jesus, para dizer o que é dor e a minha loucura
pelas almas! Se eu pudesse fazer desaparecer o pecado, para o meu Amado não ser
ofendido, para nenhuma alma se perder. Que sabedoria tem este livro! Como ele
conhece e compreende todas as coisas, e como eu sou ignorante para as saber
dizer. Não há ignorância igual à minha.
Depois de eu ter desprezado e esquecido o
horto, esqueci e desprezei o calvário. Caminhava na maior angústia, caminhava
de tal forma que o chão se abria para me engolir e em corpo e alma ia
precipitando-me no inferno.
Meu Deus, que pavor! Já nas garras de Satanás,
atormentada por ele, ouvi alguém que fez abrir a terra que me tinha engolido,
tirou-me da garra do demónio e das chamas infernais. A alma agonizava e o corpo
estava cansado de tanto sofrer. Chamei por Jesus e pela Mãezinha. Uma coisa me
dizia: perdi tudo. Não existem para mim, não tenho Jesus, não tenho a Mãezinha.
Tive um desfalecimento mortal. No meio dele, principiei a repetir o meu “creio”
sem acreditar. Ouvi a voz de Jesus que me chamou:
— Minha filha, minha querida filha,
levanta-te! Coragem! Vem a Mim! Tu tens de viver sem vida, tens de viver sem
luz, tens de acreditar sem sentimento de que acreditas. Amas-Me sem saberes que
Me amas, sem teres esse sentimento. Os pecadores, as almas, o mundo, obrigam-Me
a exigir de ti esta reparação. Coragem! Coragem! É para que as almas não caiam
no inferno.
— O inferno, o inferno, ó Jesus, que tremendo
é o inferno! Não posso pensar que as almas se perdem. Não posso consentir que
as almas caiam no inferno, não posso saber que o Vosso Divino Sangue foi
derramado inútil. Onde estais, Jesus, onde estais? Que escuridão, que montanha,
que distância me separa! Eu amo-Vos, Jesus, eu amo-Vos na minha cruz, na minha
dor! Aceito, aceito. Tudo por Vós!
Desta escuridão passei à luz; da agonia à
suavidade. Jesus continuou, mas sem que eu O visse:
— Esta distância é a minha distância do
pecador. A montanha são os crimes. A luz que vês é a minha luz; a suavidade o
meu conforto. Tu és a minha vítima. Coragem e confiança! Tu fechaste com os
teus sofrimentos as portas do inferno a milhares, a milhões, a milhões de
almas. Nunca mais se abrirão para elas. O inferno abre-se para aquelas almas
que desprezaram o meu Sangue, que calcaram o meu Sangue divino e desprezam
ainda os meios que lhes dei, os sofrimentos, a imolação contínua da vítima
deste calvário, da maior vítima que escolhi par a humanidade.
— Ó Jesus, que tormento o meu, que
humilhação. Eu desapareço ao ouvir-Vos falar assim.
Voltei ao meu nada, ao nada de que me
tirastes. Falo assim, digo a verdade.
— Posso falar, posso dizer tudo da minha
esposa amada. Tem coragem!...”
Fui tão ao nada, fiquei no silêncio da morte.
Algum tempo depois, a voz de Jesus deu-me a vida, mas então vi-O em tamanho
natural com o Seu peito aberto e a pegar para as Suas mãos o Seu Divino
Coração. Juntou-O ao meu e disse:
— Vem receber a gota do meu Divino
Sangue, a vida para viveres, a vida para dares. Tem coragem! Um pouco mais! Um
pouco mais, porque o teu Céu está perto. A tua missão lá vai continuar. Por ti
as almas são enriquecidas. Por ti o mundo será favorecido. Eu não falto às
minhas promessas. Eu queria que se compreendesse a minha vida prodigiosa em ti. Eu quero que todos
saibam a tua loucura de amor por Mim, por Mim e pelas almas, pelas almas de
quem sentes pejo e pavor. É para que o não sinta Eu! Esse pejo e pavor
causam-me elas a Mim. És vítima, és vítima! Coragem! Coragem!”
Desapareceu Jesus. Eu voltei à tristeza, à
cegueira, à morte. Fiquei na cruz, angustiada, mas não esqueci nem um só
pedido. Lembrei tudo a Jesus, mesmo na Sua ausência a repetir o meu “creio”
muitas, muitas vezes, recordando que Ele prometeu sempre estar comigo.
(Sentimentos da alma: 23 de Abril de 1954 - Sexta-feira)