segunda-feira, dezembro 23, 2019

ENTREVISTA VIRTUAL


O segundo aniversário da consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria em 1942 tinha sido comemorado; pouco tempo se passara depois da festa da Imaculada Conceição...
Alexandrina — o “instrumento” de que se servira o Senhor para essa consagração — estava ali, deitada no seu leito de dor, quando a visitei...
Foi no dia 25 de Dezembro de 1944, no fim da tarde... quase à noite...
Parecia dormitar, visto que as suas pálpebras cobriam quase por completo os seus olhos negros. Aproximei-me, pé ante pé, para a não acordar — pensava eu que dormia — mas logo abriu os olhos, olhou e sorrio, um sorriso que põe o coração em festa, sorriso maviosa e cheio de ternura e carinho...
Quis desculpar-me por incomodá-la, mas fez-me sinal que me sentasse ali, à beira da cama, ao mesmo tempo que o seu dedo indicador direito se posava sobre os seus lábios. Compreendi que rezava e, sem precipitação sentei-me na cadeira que a Deolinda amavelmente me proponha.
Olhei-a demoradamente e, quanto mais a olhava, mais o meu coração parecia galopar, como se quisesse ultrapassar aquela alma simples e pura que falava com Deus; ultrapassá-la, não para chegar primeiro, mas para lhe ir na frente e poder assim melhor admirar aquele rosto que as cores do Paraíso adornavam, aqueles olhos que reflectiam a luz divina, aqueles lábios estáticos que não precisavam de mover-se para falar com o Senhor... Como era bela naquela postura de oração, naquele colóquio com Jesus ou Maria, não sei!...
Depois, como se acordasse dum sonho que a arrebatara, olhou com ternura, sorrio e, com um aceno da cabeça, fez-me sinal que poderia começar a interrogá-la, visto que sabia para o que eu vinha...
— Alexandrina, obrigado por ter aceitado de me receber neste dia de Natal, dia de festa...
— « Os dias de festa são sempre para mim de profunda tristeza! »
Como notasse que fiquei surpreendido, acrescentou:
— « Esforço-me sempre para consolação dos que me rodeiam mostrando-me alegre : a minha alegria é fingida.
Ia fazer um comentário, mas os seus olhos rasos de lágrimas, impediram que lhe dissesse qualquer palavra. Ela, com carinho e doçura, explicou:
— « Fito Jesus, a Mãezinha, elevo o meu pensamento ao Céu e por amor aceito a dor. É por amor que a tristeza para mim é alegria. Não olhando a terra, firmo no Céu, só no Céu, os espinhos são rosas, a dor é doçura. »
Surpreendido ao ouvir tais paradoxos, não resisti e perguntei:
— Mas, na noite de Natal, a noite passada, foi certamente para si uma noite de alegria, uma noite em que Jesus Menino desceu ao seu coração...
— « À meia noite do dia de natal, não falando da noite que me ia na alma, dores agudíssimas pareciam retalhar-me todo o corpo. Não chorava, mas gemia ; só Jesus sabe quanto eu sofria. Principiei a ouvir fogo e repique de sinos. Pedi que me trouxessem umas imagensinhas do Menino Jesus. Colocadas sobre o meu peito queria aquecê-las. O calor que lhe dei não era o que eu queria dar-lhes ; queria queimá-las com fogo de amor. Queria dizer-lhes muitas coisas e não sabia. Estreitei-as ao meu peito docemente e continuei os meus gemidos. — Estou certa que Jesus os aceitou e não ficou triste. Ninguém como Ele via quanto eu sofria ; ninguém como Ele sabe que mesmo gemendo é por amor que gemo e quando mais não posso. »
— E esse seu estado durou toda a noite? Perguntei eu admirado e surpreendido.
— « Não sei os minutos que se passaram, o que sei é que passei a outra vida e ouvi Jesus no meu coração. »
— Viva! Ao menos uma boa notícia: Jesus veio visitá-la... E que lhe disse Ele? Perguntei, cheio de curiosidade.
— “Nasci no presépio do teu coração, minha filha. É o Esposo que vem à sua esposa, é o Rei que vem à sua rainha. Sou Rei do Céu e da terra. Como estou bem aqui, ó rainha do amor. O presépio que Me dás não é áspero como o de Belém, é fofo com as tuas virtudes. No te presépio não sinto os rigores do frio ; sou aquecido com o amor mais puro e abrasado. Tu és a minha estrela, estrela que guias o mundo como outrora guiou os Reims Magos no caminho de Belém. Diz, minha filha a todos os que cuidam de ti, aos que te são queridos, amam e rodeiam que lhes dou abundância das minhas graças, um enchente do meu divino Amor, um lugar reservado em meu divino Coração com a promessa do Céu”.
— E viu mesmo o Menino Jesus, viu o presépio, Nossa Senhora e São José?
A minha curiosidade tinha ares infantis... Eu sentia-me extasiado diante de tanta simplicidade, da tanta humildade e tanta fé...
Alexandrina respondeu:
— « Não vi o Menino Jesus, mas enquanto que Ele me falou estava junto a mim uma grande palmeira de Anjos, centos ou milhares de Anjos, muitos deles com seus instrumentos desciam do alto e rodeavam-me. Tinha graça a pressa com que desciam. No meio deles estava uma grande escada ; de todos os degraus desciam para mim numerosos raios dourados. Eram como setas a penetrarem no meu peito... »
E os olhos negros da Alexandrina pareciam iluminados ainda por aqueles raios de que falava: eles brilhavam como se milhares de estrelas neles se espelhassem.
— E, durante esse tempo, Jesus falava-lhe, perguntei eu, cada vez mais atiçado pela curiosidade.
Ela olhou-me, compreendeu que eu “bebia” as suas palavras, e disse:
— « Jesus dizia-me :
— “São as tuas virtudes, são raios de amor divino. Recebe, é a tua vida”. »
Ao explicar-me o que vira e sentira, Alexandrina parecia sentir-se feliz, pois o seu sorriso era mavioso. Quanto aos seus olhos, fixos em mim, pareciam ler o meu pensamento, descobrir na minha alma os mais profundos recônditos — o que me atemorizava um pouco! —, descortinar a minha curiosidade crescente e, sem que precisasse que algo mais lhe perguntasse, ela continuou:
— « Aqueles raios fortaleceram-me, davam mais luz do que o sol mais brilhante. Vi tudo claramente. Não sei o tempo, mas foi demorada esta visão. Desprendi-me a custo, ia como os que caminham e olham para traz, dando a conhecer que querem alguma coisa. Eu desejava voltar ao mesmo. Não voltei à visão, mas voltei à dor. »
Ao terminar o que acabava de me dizer, pareceu-me aperceber-lhe uma lágrima, como se a recordação desta visão da noite de Natal a tivesse deixado numa grande nostalgia, numa tremenda saudade.
— Mas, depois da noite vem o dia, disse eu, como se quisesse consolá-la do inconsolável. Como foi então a sua aurora, como foi para si o despertar deste dia de hoje, dia de Natal?
— « Veio o dia ; dia sem luz e vida sem vida. Sempre a querer guardar com toda a segurança o mundo dentro em mim continuei a minha alegria fingida. Todos os mimos que recebi e carinhos de pessoas de tanta estima passavam como se não fossem para mim. »
— Alexandrina, não vou abusar da sua extrema bondade, visto serem já passadas as oito horas da noite... No entanto, se me permite uma última pergunta, qual o balanço, se assim posso dizer, deste dia de Natal, como foi ele para si?
— « Ao terminar o dia digo para mim : “Onde passei este dia ? Parece-me que estive morta para Jesus e para todos quantos me rodeiam. Vivi mas não senti a vida. Sofri, mas não foi minha a dor. Não vivi para Jesus, não senti que O amava.”
Não sei dizer melhor e nada digo do que me vai na alma. Ó minha triste vida tão mal compreendida ! »
Assim foi, para a Alexandrina o dia de Natal de 1944.
*****
Escusado é dizer, claro está, e cada um compreenderá, esta entrevista é virtual, visto nunca ter visitado a Alexandrina. Quando ela faleceu, tinha eu apenas 9 anos.
Todavia, as respostas da Beata Alexandrina não o são: foram tiradas dos “Sentimentos da Alma” do dia e ano referidos, ou seja 25 de Dezembro de 1944.
Afonso Rocha

sexta-feira, dezembro 20, 2019

ALEXANDRINA E O NATAL


Como todos nós, a beata Alexandrina conheceu as festas de Natal e de fim de ano.
Da sua meninice e juventude, nada ou pouco sabemos como se passaram estas festas.
Na sua Autobiografia encontramos notícia de uma oferta que lhe fez sua mãe e que causou grande alegria à pequena Alexandrina, mas não sabemos se isso aconteceu no período do Natal. Ela explica:
«Uma vez minha mãe deu-me uns soquinhos. Eu fiquei tão contente com eles, porque eram lindos!... Para ver a figura que fazia com eles, preparei-me como se fosse à Missa, calcei-os e depois ajoelhei-me, pondo-os à minha frente, fingindo que estava na igreja. Como era vaidosa!»
Bem mais tarde, no seu Diário espiritual, com a data de 25 de Dezembro de 1942, tinha ela já 38 anos, ela fala da noite do Natal desse mesmo ano, nestes termos:
«Depois de fazer os meus pedidos a Jesus ― e tinha tanto que lhe pedir ! ― disse-lhe : Não vos peço para vos ver no presépio, pois sei e confio que estais no presépio do meu coração, mas peço-vos para me alcançardes o que vos peço.»
Não sabemos o que ela pediu a Jesus, mas Ele dignou-se responder-lhe e mesmo anunciar-lhe como seriam as festas que ela viveria no Céu:
«Minha filha, minha filha, sempre firme na tua fé, sempre firme na tua confiança, Jesus não te engana e tu não te enganas que é Jesus. As tuas festas estão concluídas na terra; vais vê-las no Céu com todo o brilho, com todo o amor.»
E, como se não fosse suficiente esta promessa, Jesus afirma ainda:
«O Céu está aberto para ti, minha amada, já quase podes entrar. Recebe todo o amor e toda a graça do Menino Jesus com todo o direito de o destribuires àqueles que te rodeiam, que te amam, que te são queridos.»
E como sempre, com humildade, ela agradece todos estes carinhos de Jesus para com ela:
«Ó meu Jesus, queria palavras para vos agradecer como Vós sois digno, mas não as sei; queria dar-vos toda honra, glória e amor, queria dizer-vos tudo. Como nada sei, apenas vos digo: Obrigada, para sempre obrigada, meu Jesus.»
Dois anos depois, no mesmo Diário ela explica como são para ela os dias de festa, mesmo os religiosos:
«Os dias de festa são sempre para mim de profunda tristeza. Esforço-me sempre para consolação dos que me rodeiam mostrando-me alegre: a minha alegria é fingida.»
Mas este “fingimento” trás com ele virtudes incalculáveis, como ela explica logo a seguir:
«Fito Jesus, a Mãezinha, elevo o meu pensamento ao Céu e por amor aceito a dor. É por amor que a tristeza para mim é alegria. Não olhando a terra, firmo no Céu, só no Céu, os espinhos são rosas, a dor é doçura.»
E ela continua a explicar:
«À meia-noite do dia de natal, pedi que me trouxessem umas imagensinhas do Menino Jesus. Colocadas sobre o meu peito queria aquecê-las. O calor que lhe dei não era o que eu queria dar-lhes; queria queimá-las com fogo de amor. Queria dizer-lhes muitas coisas e não sabia. Estreitei-as ao meu peito docemente e continuei os meus gemidos.»
Esta simplicidade e humildade comovem o Coração do Deus Menino que lhe afirma:
«Nasci no presépio do teu coração, minha filha. É o Esposo que vem à sua esposa, é o Rei que vem à sua rainha. Sou Rei do Céu e da terra. Como estou bem aqui, ó rainha do amor. O presépio que Me dás não é áspero como o de Belém, é fofo com as tuas virtudes. No te presépio não sinto os rigores do frio ; sou aquecido com o amor mais puro e abrasado. Tu és a minha estrela, estrela que guias o mundo como outrora guiou os Reis Magos no caminho de Belém.»
Um ano mais tarde, em 28 de Dezembro de 1945 Alexandrina dita para o seu Diário espiritual:
«Noite de Natal! Ao nascer Jesus, disse-Lhe muitas coisas, sem saber dizer-Lhe nada. Pedi-Lhe muitas graças, muita luz, sem nada sentir, receber nem ver. Acompanhei-O no presépio sem ter vida, sem ter nada para poder fazer-Lhe companhia. Entreguei-me assim ceguinha ao Seu Coraçãozinho e bracinhos pequeninos. De manhã, ao recebê-Lo, tive com Ele os meus desabafos.»
E assim foram passando os anos e os dias de Natal…
Antes do último Natal que passaria na terra, ela conta o que viu no dia 17 de Dezembro de 1954:
«De repente, vi o Menino Jesus, sentado no presépio, em palhas de prata. Ele era mais lindo e brilhava mais que o sol.»
Em 31 de Dezembro do mesmo ano, ano em que ela vivia o grande sofrimento das dúvidas e de falta de fé – segundo ela – podemos ler no seu Diário espiritual:
«O Menino Jesus para mim não nasceu. Não dei conta do Seu nascimento. Só após uns momentos da meia-noite é que me recordei que o fogo que se dava era a comemoração do Seu nascimento. Sofri muito com isso. Foi em grande dor que Lhe fiz os pedidos que desejava fazer.»
O Natal de 1955, já ela o festejou no Céu junto do seu divino Esposo, da Mãezinha que ela tanto amava e de S. José para o qual ela tinha um carinho muito particular.
Resta-me agora desejar a todos vós um Feliz Natal e um ano novo cheio das maiores bênçãos divinas.
Afonso Rocha

sábado, dezembro 14, 2019

CONSAGRAÇÃO DO MUNDO A MARIA


Vou-vos falar da consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria, da qual a Alexandrina foi a iniciadora, como o prova um documento editado pela Santa Sé a quando da instrução do processo de beatificação, no qual se pode ler o seguinte:
Pio XII, o Papa da consagração
“Foi ela que em 1936, por intermédio do seu director espiritual escreveu ao Santo Padre para pedir esta consagração”.
De facto, no dia 30 de Julho de 1935, Jesus fala, pela primeira vez à Alexandrina na Consagração do mundo a Maria, nestes termos:
“Manda dizer ao teu pai espiritual que, em prova do amor que dedicas a Minha Mãe Santíssima, quero que seja feito todos os anos um acto de Consagração do mundo inteiro, num dos dias das suas festas, escolhido por ti: Assunção, Purificação ou Anunciação, pedindo à Virgem sem mancha de pecado que envergonhe e confunda os impuros, para que eles arredem caminho e não me ofendam. Assim, como pedi a Santa Margarida Maria para ser o mundo consagrado ao Meu Divino Coração, assim peço-te a ti para que seja consagrado a Ela uma festa solene.”
O Padre Mariano Pinho, não se apressou, preferiu a prudência e esperou mais de um ano, antes de escrever ao Papa Pio XI, a 11 de Setembro de 1936. A carta foi enviada ao Secretário de Estado do Papa, o Cardeal Eugénio Pacelli, futuro Pio XII.
Esta iniciativa motivou um inquérito da Santa Sé e foi encarregado deste um sacerdote Jesuíta, o Padre António Durão que visitou a Alexandrina e lhe fez muitas perguntas, a fim de julgar o bem fundado do pedido enviado ao Papa. Ficou muito bem impressionado com a Alexandrina.
Um pouco mais tarde, em Maio de 1938, o Padre Mariano Pinho foi escolhido para pregar o retiro dos Bispos portugueses reunidos em Fátima. O zeloso sacerdote aproveitou desta excelente ocasião para motivar os Bispos portugueses a solicitarem a Consagração mundo a Maria, conforme o pedido de Jesus, o que foi feito no fim do retiro, em Junho de 1938. O Padre Mariano Pinho escreveu ele mesmo o pedido em Latim e todos os Bispos presentes assinaram o dito pedido.
Este novo pedido resultou em nova investigação por parte da Santa Sé que enviou junto da vidente um eminente professor co colégio português de Roma, o Cónego Manuel Pereira Vilar.
O encontro entre a Alexandrina e o Cónego Vilar foi um sucesso. Neste período encontramos um Bispo açoriano (depois Cardial) que teve papel de relevo: D. José da Costa Nunes.
Mas porque as coisas tardavam e alguns eminentes eclesiásticos pareciam pouco susceptíveis aos dizeres de uma simples camponesa, Jesus permitiu um sinal: a vivência da Paixão pela “doentinha de Balasar”.
No dia 3 de Outubro de 1938 Alexandrina começou a viver a Paixão de Jesus de maneira visível todas as sextas-feiras. Esta vivência da Paixão durou até 20 de Março de 1942, ano da consagração, continuando depois de maneira invisível.
Nesses momentos — durante os “êxtases” da Paixão —, a Alexandrina readquiria milagrosamente os movimentos de todo o seu corpo, e normalmente rezava ajoelhada na sua cama, em direcção à Igreja paroquial de Balasar.
Entretanto o Papa Pio XI faleceu e ocupou o seu lugar o Cardeal Eugénio Pacelli, com o nome de Pio XII.
Em 20 de Março de 1939, Jesus prediz à Alexandrina: «É este Papa que consagrará o Mundo ao Coração Imaculado de Minha Mãe».
Em 16 de Junho de 1939 — festa do Sagrado Coração de Jesus — a Alexandrina escreve pela última vez ao Papa, a pedir novamente a Consagração do Mundo ao Coração Imaculado de Maria.
Em 3 de Outubro de 1942, Jesus voltará a insistir:
— Depressa, depressa a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria.
Finalmente Pio XII decidiu consagrar o mundo a Maria, concretizando assim o pedido feito por Jesus por intermédio da Alexandrina.
No dia 31 de Outubro de 1942 ela recebeu de Fátima um telegrama do Padre Mariano Pinho, anunciando-lhe que, em Roma, o Santo Padre Pio XII fez, finalmente, a Consagração do Mundo ao Coração Imaculado de Maria, em língua portuguesa, com especial menção à Rússia.
E foi precisamente após essa mesma Consagração do Mundo que a vivência da Paixão de Cristo deixou de ser visível e tão dolorosa, passando a ser vivida apenas no seu íntimo.
Afonso Rocha

quinta-feira, dezembro 12, 2019

“GRAVA-ME COMO UM SELO NO TEU CORAÇÃO”


Esta frase que se pode ler no Cântico dos Cânticos aplica-se maravilhosamente bem à Beata Alexandrina que, bem nova ainda se consagrou a Deus e a Ele se ofereceu para ser vítima pelos pecadores, porque o seu amor era “forte como a morte”. Por isso mesmo, também ela poderia dizer desse amor, que “os seus ardores são setas de fogo, chamas do Senhor”.
Na sua autobiografia, podemos ler o que ela escreveu sobre esta acto heróico:
“Sem saber como, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo. Com este amor à dor, toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me preocupava”.
Mais adiante, na mesma Autobiografia, a Beata escreveu ainda:
“Meu Jesus, quero amar-Vos, quero abrasar-me toda nas chamas do Vosso amor e pedir-Vos pelos pecadores e pelas almas do Purgatório”.
Antes mesmo de ouvir aquelas três palavras que foram o lema de toda a sua vida – amar, sofrer, reparar –, já ela toda se entregava, já ela toda era oferta, já toda ela era amor e, “amor forte como a morte”! Eis porque razão ela “não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo”, porque este sofrer era amor, “amor que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente”, amor que nem “as águas torrenciais podem apagar”, amor que “nem os rios o podem submergir”.
Este amor brotava do coração da Beata Alexandrina e transformava-se em cântico mavioso, o cântico da esposa ao Amado, que num crescendo subtil e poético transbordava de alegria:
“Ó Jesus, eu Vos ofereço o dia e a noite, o calor e o frio, o vento, a neve, a lua, o luar, o sol, a escuridão, as estrelas do firmamento, o meu dormir, o meu sonhar, como actos de amor para os vossos Sacrários”.
“Sentada aos pés de Jesus, [ela] ouvia as suas palavras”, diz-nos o Evangelho, referindo-se a Maria Madalena.
O mesmo se poderia dizer da Alexandrina, cujo único prazer era ouvir a voz do Senhor, a voz do Esposo celeste que tantas e tantas vezes a visitou, por isso mesmo se pode pensar e deduzir que a Beata Alexandrina “escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada”, porque ela sabia que “uma só coisa é necessária”: amar e que este amor se declinava para ela em amar, sofre, reparar.
Afonso Rocha

quarta-feira, novembro 27, 2019

ALEXANDRINA EXPLICA...


Meu Paizinho,
Então, quer Vossa Reverência que eu lhe diga quando foi que senti mais vivamente Nosso Senhor? Estou pronta a fazê-lo o melhor que souber. Esta união íntima com Nosso Senhor comecei-a a sentir poucos dias depois da estadia de Vossa Reverência aqui, por ocasião do tríduo em Rates. Foi pouco mais ou menos a 5 de Setembro do corrente ano. Desse tempo até agora tenho tido dias de O sentir mais vivamente do que na ocasião em que o senti pela primeira vez. As carícias que Nosso Senhor me faz são assim: para falar a verdade, eu mal sei explicar o que sinto, quando Nosso Senhor me fala. Parece-me que sinto qualquer coisa que me passa pela cara, mas não são mãos. Além disto, parece que me abraçam, falando-me docemente. Como Vossa Reverência já sabe, pelo que lhe tenho dito, já, durante o inverno do ano passado, eu senti Nosso Senhor, embora não desse nenhuma importância porque ignorava tudo isto. Foi por isso que, na ocasião do nosso tríduo, não falei nisso a Vossa Reverência. Se o apanhava cá hoje, muito teria que lhe dizer! Assim, vou dizendo o que puder, por escrito.
Já fez quinze dias, na quinta-feira passada, que não tornei a ouvir a voz de Nosso Senhor. Penso que não seria por coisa muito grave que eu fizesse a Nosso Senhor. Mas, bem sabe que eu não sou mais que miséria; tenho-me resignado o mais que tenho podido; não digo que não tenho momentos de desânimo, mas confio em Nosso Senhor, que há-de tornar a falar a esta miserável pecadora, porque Ele não pode faltar àquilo que promete. Senti-Lo, parece-me que já algumas vezes o tenho sentido, mas falar não; espero até quando for da Sua S.S. Vontade. Nessa mesma quinta-feira, dia 8, das quatro às cinco horas da tarde, mesmo sem estar a rezar, senti um calor enorme, parecia-me que me abraçavam e depois ouvi dizer assim:
— Minha filha, és um trono adornado com o teu Jesus, com o teu esposo, com a S.S. Trindade, sim como o Padre, o Filho e o Espírito Santo. Que beleza a da tua alma! Escolhi-te para tão alto cargo.
Assim como Ele me adornava a minha alma, queria que eu adornasse os sacrários com o meu amor, com as minhas orações e com a minha presença de espírito.
— Pede-me pelos pecadores: Eu preso e tão desprezado. Eu preso e tão ofendido e tão horrorosamente escarnecido. Sabes o que tem valido a esses infelizes, são as almas que eu escolhi para reparar. Se não fosse isso, onde estavam esses desgraçados. Desgraçados, sim, pois se não se convertem são condenados eternamente.
Prometeu-me Nosso Senhor que me voltaria a falar naquela noite, e assim foi: das 10 às 11 horas da noite. Parecia-me sentir os efeitos de Nosso Senhor em minha alma mas não ouvia a Sua Divina Voz. Pensava que ficaria só assim e que eu nem tanto merecia, mas sempre me lembrava que se fizesse a Vontade de Nosso Senhor. Mas principiei por ouvir que me falavam, mas parecia-me que era uma coisa diferente, mais forte do que o costume, e dizia-me:
— Nem te fala, nem te tem falado, nem te falará; andas a enganar o teu director.
Tomei água benta e disse como costumo fazer em casos semelhantes: Ó meu Jesus eu não vos quero ofender e formo minha intenção de ser por não duvidar nem por dizer coisas que assim não sejam. E então falou-me Nosso Senhor:
— E queres consolar-me? E queres consolar o Santificador da tua alma? Sabes quem é? É o teu Jesus, anda para os meus sacrários. Anda passar algumas horas da noite à sombra dos meus sacrários. Passarão como a voar, anda praticar uma obra de misericórdia. Anda consolar os tristes. Estou tão triste! Sou tão ofendido. Anda para o teu cargo, sofrer, amar e reparar!
Depois um forte calor me abrasava e dizia-me Nosso Senhor:
— Estou contigo, sou o teu Jesus, o tudo da tua alma.
E disse-me que o demónio estava raivoso mas que o não deixaria vencer-me.
Tenho dias em que o demónio me consome muito, trazendo-me à cabeça coisas tão fracas e tantas e tantas dúvidas, que, se não fosse a muita bondade de Nosso Senhor, e quem sabe, as orações de Vossa Reverência já ele me teria vencido.
Cá tenho pedido muito pelos pecadores que Vossa Reverência me tinha recomendado e, agora mais particularmente, por esse que me disse que vive em muito perigo de pecar. Por ele, tenho oferecido muitos dos meus sofrimentos, apesar de ser muito indigna de receber favores de Nosso Senhor.
Adeus, por hoje. Por caridade, não me esqueça junto de Nosso Senhor, que eu, também, todos os dias me ofereço a Nosso Senhor para que Vossa Reverência participe em todos os meus sofrimentos e orações. Muitos cumprimentos da minha mãe, da Deolinda e da Dª Conceiçãozinha.
Alexandrina Maria da Costa.

terça-feira, novembro 26, 2019

ESTADOS DA ALMA


A beata Alexandrina, como em geral todos os santos — e muitos de nós! — viveu vários estados da alma e todos eles dolorosos e que parecem à primeira vista impossíveis, quando se singra o caminho de Deus.
Estes estados têm nomes diversos: Aridez, trevas, secura, frieza, noite escura da alma e deserto espiritual.
Para melhor compreendermos estes estados, nada melhor do que deixar a própria Alexandrina falar-nos deles.
No dia 12 de Maio de 1942, ela escreveu no seu Diário, falando de dois destes estados: a aridez e as trevas:
«Meu Jesus, Mãezinha, vede a aridez da minha alma, vede o abandono que ela sente do Céu e da terra. Lançai sobre mim vossos divinos olhares de compaixão. Acudi-me, acudi-me, não me deixeis morrer de susto no meio das trevas
A aridez parece privar a alma do amor de Deus que parece ter-se escondido quando mais precisamos d’Ele, o que obrigatoriamente causa à alma uma sensação de densas trevas e de abandono total.
Mas, apesar desta aridez e destas trevas, a alma deseja o seu Senhor e Esposo celeste e este desejo se transforma em secura e numa sede ardente de O amar mais e mais.
É isso mesmo que ela explica em 28 de Maio de 1942:
«Pobre de mim! Digo que amo e não tenho coração para amar, não tenho corpo senão para a dor, sou como uma bola de espuma que depressa se desfaz. Que trevas, meu Jesus, que securas, que amarguras, que agonias as da minha alma.»
Estas trevas e esta secura levam a alma a julgar-se como que abandonada e a pensar que sua alma está morta, que mais nada se pode passar nela.
Eis como que uma queixa da Alexandrina a esse respeito, ditada para o seu Diário em 28 de Dezembro de 1944:
«O cadáver não ama nem sente o amor com que é amado. Ó morte, ó morte, que tremenda és. Que tristeza ! Morte do corpo e morte da alma.»
Nem mesmo quando o Senhor, pela Comunhão, vem visitá-la:
«Ao receber o meu Jesus, fiquei na mesma secura, nas mesmas trevas.» (S. 08-09-1944)
Daí a pergunta angustiosa a Jesus:
«Meu Jesus, que delícias podeis Vós encontrar neste pobre coração? Que conforto podeis tirar em tanta miséria? Que sede podeis saciar em tanta secura e frieza?» (S. 15-06-1945)
E depois esta constatação motivada pelo seu estado da alma:
«E eu não sei consolá-Lo, não tenho para Ele uma palavra amiga, a não ser: “sou Vossa, amo-Vos, sou a Vossa vítima”. Mas isto com frieza, com secura, com cegueira mortal.» (S. 30-07-1945)
Mas Jesus não a deixa sem explicação e diz-lhe para a resserenar:
«Minha filha, bebo na tua secura, sacio-Me na fonte do teu coração. A tua sede de amor é amor. Quero beber, deixa-Me beber, mata-Me a sede, que tenho de ser amado.» (S. 18-07-1947)
Outro estado da alma e não dos menores é o “deserto espiritual” que perturba a alma e a deixa como desamparada, como podemos ler no seu Diário de 18 de Janeiro de 1952, tempo em que ela viveu intensamente este sofrimento:
«Quando, no meio do deserto imenso, o meu coração e a minha alma bradam ao céu a pedir socorro, sem o receber de Deus nem dos homens, fico como que desorientada e perdida.»
Menos de um mês mais tarde, ela volta a falar deste estado tão doloroso:
«São tremendos os meus dias. É pavorosa a minha existência neste exílio. O corpo, a pobre natureza, não tem força para mais. A alma está na maior das agonias. Brada num deserto imenso, não há quem se compadeça dela. O que será de mim, meu Deus? Como vencer, se me abandonais? Vejo perdida toda a minha vida. Sinto como se nada adiantassem tantos anos de sofrimentos.» (S. 01-02-1952)
Mas, para melhor compreendermos, tentemos explicá-lo, o melhor que possa ser:
O deserto espiritual é algo que se assemelha ao deserto, no verdadeiro sentido da palavra: uma imensidão de nada onde vivem apenas o vazio, a secura e a aridez.
Quando vivemos este estado de espírito, perdemos o gosto a tudo, para não dizer que tudo nos causa repugnância.
Queremos amar, mas não encontramos amor em nós; queremos acreditar, mas parece-nos não acreditar em nada; queremos rezar, mas temos a impressão de dizer palavras que perderam todo o sentido; queremos oferecer, mas não encontramos nada para oferecer; queremos reagir, mas não encontramos a força de reacção; queremos pedir ajuda, mas não temos ninguém ao nosso redor para ouvir os nossos gritos, então temos a impressão de que tudo se está desmoronando ao nosso redor, que ninguém nos ama, que somos vítimas de todo o tipo de maquinações, inclusive daqueles que nos amam...
Estado terrível onde até mesmo Deus parece surdo, onde até Deus parece não estar interessado em nós e nos deixa lutar sozinhos, se é que tentamos lutar...
Que fazer quanto a este estado da alma? Desanimar? Desistir de tudo?
Não, não e não! Deus não deixou de estar presente; Deus não deixou de nos amar, Deus não deixou de cuidar de nós, porque este é certamente o momento em que Ele mais trabalha em nós e para nós, por isso confiemos n’Ele e ajudemo-lo a ajudar-nos, através da nossa oração – mesmo que nos pareça inútil – através do nosso amor – mesmo que não sintamos nenhum sentimento no nosso coração – através da nossa fé – mesmo que pensemos que a perdemos: Deus está em nós e nos ama; Deus está em nós e cultiva o jardim das nossas almas; Deus está em nós e, com ele, venceremos.
Imaginai apenas quando o deserto das nossas almas se tornar o mais belo jardim, o nosso “Jardim do Paraíso!”
Esperemos, esperemos sempre, porque Deus é fiel no amor.
Assim fez a beata Alexandrina. Imitemo-la.
Afonso Rocha

terça-feira, novembro 19, 2019

PRIMEIRA MISSA NO QUARTO


Hoje vamos falar da primeira Missa celebrada no quarto da Alexandrina.
Como já foi dito, ela vivia acamada desde já há alguns anos, não podendo por isso mesmo deslocar-se à igreja paroquial, ao menos ao domingo, para assistir à Santa Missa.
Foi neste altar que ainda hoje se encontra no quarto dela que foi celebrada a primeira Missa.
No dia 2 de Setembro de 1933 o Padre Mariano Pinho escreveu-lhe e enviou-lhe uma imagem da então Beata Gema Galgani, prometendo explicar-lhe quem ela tinha sido.
Nesse mesmo mês e, porque a Alexandrina lhe dissera a pena que sentia por não assistir à Santa Missa, o bom jesuíta teve uma ideia luminosa: perguntou-lhe se ela estava inscrita na Obra das Marias dos Sacrários-Calvários.
Esta Obra fundada por S. Manuel Gonzalez Garcia, bispo de Valença, na vizinha Espanha, era já bastante conhecida em Portugal e, a Alexandrina que nela estava inscrita, confirmou ao Padre Mariano Pinho este facto.
É bom saber que esta Obra beneficiava de um privilégio concedido pelo Papa S. Pio X ao Santo fundador: a possibilidade de celebração da Santa Missa nos domicílios dos membros doentes, o que era o caso da Alexandrina.
Em carta enviada à sua dirigida a 12 de Novembro de 1933, o Padre Mariano Pinho escreve:
«Então é Maria do Sacrário? Ainda bem; por conseguinte para ter Missa aí [em casa], basta só mandar dizer ao Senhor Arcebispo de Braga. Ele está para Lisboa. Como há-de ser? Não se aflija, que antes de sair de Braga fui falar com ele e já lhe pedi a licença precisa. Por isso no dia 20, se Deus quiser, aí me tem depois do tríduo em Outis — paróquia vizinha de Balasar — a dizer-lhe Missa no seu quarto. Tratem de arranjar tudo o que é preciso: pedra de altar, com as três toalhas, crucifixo, 2 velas, missal, paramentos (brancos), alva, cordão, (amito e sanguíneo não é preciso que eu levo o meu), cálix, galhetas, vinho puro de missa, hóstia grande para mim e pequena para si e para as outras pessoas que aí quiserem comungar. Suponho que terão maneira de arranjar isso tudo facilmente.»
Claro que arranjaram, tão grande era a alegria causada por esta boa notícia.
Na carta em que responde ao bom sacerdote e que tem como data 6 de Novembro de 1933, a Alexandrina diz:
«Senhor Padre Pinho, perguntava-me na última carta se eu era Maria dos Sacrários-Calvários. Sim, sou. Se queria a Missa... Já há muito que tenho grandes saudades disso.»
Mais adiante, na mesma carta ela conclui:
«Se isso se puder conseguir, para mim era uma grande alegria, que me não é possível explicar-lhe.»
Todavia, esta alegria que ela sente não a impede de pensar no sacrifício que o bom jesuíta terá de fazer: vir em jejum de Braga a Balasar para ali celebrar a Santa Missa:
«Mas apesar dessa alegria — escreve ela —, custa-me imenso o grande sacrifício que vai fazer em ter de vir em jejum, estando umas manhãs tão frias.»
***
– E foi assim que, no dia 20 de Novembro de 1933, foi celebrada, pelo Padre Mariano Pinho, a primeira Missa no quarto da Alexandrina.
Depois desta, muitas outras foram celebradas, não só pelo Padre Mariano Pinho — até princípios de 1942 — como por outros, entre os quais, o seu segundo director espiritual, o salesiano italiano, padre Humberto Maria Pasquale.
Digno de notar também: um dos filhos do médico da Alexandrina, o Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, que se tornou sacerdote, celebrou uma das suas primeiras Missas no quarto da Alexandrina que era também sua madrinha.
Afonso Rocha

PADRE MARIANO PINHO


Na última emissão falei-vos do primeiro encontro da Alexandrina com o seu primeiro director espiritual, o Padre Mariano Pinho, jesuíta.
Por ter sido na vida dela uma personagem importante e marcante, penso ser útil falar-vos um pouco dele.
A curta biografia que vou ler é da autoria do Padre Fernando Leite, meu amigo, agora falecido e que a meu pedido a escreveu par o Site da Beata Alexandrina Maria da Costa, do qual sou Webmaster há mais de 20 anos.
***
Padre Mariano Pinho nasceu no Porto a 16 de Janeiro de 1894. Entrou na Companhia de Jesus a 7 de Dezembro de 1910. Não sendo ainda sacerdote, os superiores destinaram-no ao Brasil onde, no Colégio António Vieira, Baía, leccionou e fundou a revista Legionário das Missões.
Regressado a Portugal, em 1923, partiu para Innsbruck, na Áustria, onde estudou Teologia e graduando-se depois na Universidade de Comillas, Espanha.
Na sua Pátria foi notável conferencista, pregador e Promotor incansável das Congregações Marianas e Cruzada Eucarística, exercendo ao mesmo tempo o cargo de Director dos seus órgãos de comunicação.
Em 1933 teve o seu primeiro encontro com a Alexandrina Maria da Costa, a carismática de Balasar. No ano seguinte começou a direcção espiritual, tendo-lhe o Senhor dito: «Obedece em tudo ao teu pai espiritual. Não foste tu que o escolheste; fui eu que to mandei». Exerceu este cargo até 1942.
Tendo recebido a Alexandrina o encargo de pedir ao Papa a Consagração do mundo ao Coração de Maria, o Padre Pinho prestou-lhe a melhor colaboração.
Em 1938 pregou o Retiro ao Episcopado Português. Por sua sugestão os nossos Bispos dirigiram uma súplica colectiva ao Papa Pio XI, em ordem à consagração.
Endereçou mais duas missivas do mesmo teor ao Secretário de Estado do Papa, o Cardeal Eugénio Paccelli. A 2 de Março de 1939, foi eleito Papa, assumindo o nome de Pio XII. Dezoito dias depois a 20 de Março de 1939, o Senhor comunica à sua confidente: «Será este o Papa que fará a Consagração. O Papa de coração de oiro, está resolvido a consagrar o mundo ao Coração de Maria… Todo o mundo pertence ao Coração Divino de Jesus; todo o mundo vai pertencer ao Coração Imaculado de Maria».
Efectivamente, a 31 de Outubro de 1942, Pio XII, dirigindo-se a Portugal e falando em português, fez esta consagração, que renovou a 8 de Dezembro seguinte, na Basílica de São Pedro.
Devido a uma série de calúnias e informações maldosas, a 1 de Outubro de 1942, o Padre Mariano Pinho recebe uma ordem terminante do seu Superior de cortar toda a relação com a Alexandrina «directa ou indirecta, pessoal ou escrita». Com um intuito punitivo, foi mandado para um Seminário menor da Companhia de Jesus. O seu Superior assim escreveu à Santa Sé: «Sofreu, como os santos, as piores calúnias e tribulações, sem um lamento e sem quebra da sua alegria espiritual». E o Cardeal Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, assim o qualificou: «Era um santo!».
Para poder exercer doravante o apostolado, em Fevereiro de 1946, voltou para o Brasil, onde continuou a sua actividade espiritual.
Faleceu no Recife a 11 de Julho de 1963.
Afonso Rocha

AMAR, SOFRER, REPARAR


Na última emissão falei-vos da entrega total da Alexandrina a Deus, da sua oferta como vítima pela salvação dos pecadores e da bela oração que ela compôs aos Sacrários.

Hoje vou falar-vos das “consequências desta mesma oração, na vida da beata Alexandrina, que estão na origem do seu lema de vida.


Ela explica na sua Autobiografia que todas as vezes que recitava esta oração, sentia no seu corpo um grande calor e uma tal ligeireza que este se levantava no ar, ou melhor dito, levitava.

De facto o seu corpo elevava-se acima do leito e ela ficava suspensa no ar. Chama-se a isto levitar.

Por lhe parecer estranho, perguntou à irmã e à professora Çãozinha, sua amiga e confidente se elas também sentiam aquele calor quando rezavam, visto ela pensar que fosse comum a todas as pessoas que rezam.

Como lhe dissessem que não, ela não insistiu, mas explicou que cada vez que rezava o Hino aos sacrários, sentia aquele calor que ela não sabia explicar. Mas, mais ainda, quando terminava esta oração, na sua humildade e inocência perguntava a Jesus o que mais poderia fazer e, a resposta divina era invariável:

AMAR, SOFRER, REPARAR.

Isto aconteceu em 1931.

Assim ficou delineado o seu lema de vida, o que significa que Jesus tinha aceitado a sua oferta como vítima e que agora lhe indicava como iria ser a sua vida doravante: uma oferta contínua e uma vigilância constante sobre todos os sacrários da terra onde Jesus está tantas e tantas vezes sozinho.

Tendo provavelmente compreendido que o caso da irmã se tornava muito sério, a Deolinda falou a um sacerdote Jesuíta, seu director espiritual e pediu que este a visitasse quando lhe fosse possível, visto o dito sacerdote morar longe de Balasar.

Este encontro vai acontecer no dia 16 de Agosto de 1933.

O Padre Mariano Pinho — é este o seu nome — gozava de grande fama de pregador e pregava tríduos do norte a sul de Portugal. O Pároco de Balasar — Padre Leopoldino Mateus — convidou-o a fazer um tríduo na sua paróquia durante o mês de Agosto, mais precisamente de 16 a 20 desse mês.

Logo que o bom Jesuíta chegou à aldeia e, depois de saudar o Pároco, foi visitar a Alexandrina, como prometera à Deolinda.
A Alexandrina não sabia o que era um director espiritual, mas recebeu de bom grado aquela visita que iria pacientemente transformar o seu modo de entender a sua vida interior.

Ela contou-lhe tudo, ou quase tudo, pois ela, cientemente ou não, omitiu de lhe falar do calor que sentia quando rezava o Hino aos sacários e das palavras que ouvia quando perguntava a Jesus o que devia fazer…

Parece provável que o Padre Mariano Pinho a tenha visitado de novo no dia 20 de Agosto, antes de voltar para Braga, visto que na primeira carta que a Alexandrina lhe escreve a 28 de Agosto desse mesmo ano, ela pergunta:

«Então como tem passado desde o dia 20 até hoje?»

O Padre Mariano ter-lhe-á enviado um livro — não se sabe qual — visto que na mesma carta ela agradece:

«Agora tenho a agradecer a Vossa Reverência o livrinho que me mandou. Não é fácil imaginar como fiquei contente!»

Entre estas duas almas de excepção vai estabelecer-se uma harmonia de sentimentos espirituais que vão elevá-las progressivamente, segundo os desígnios divinos, ao mais alto nível da espiritualidade cristã e, coisa extraordinária, vão aprender um do outro, estabelecendo-se entre eles uma complementaridade exemplar, uma complementaridade cheia de recato, toda emprenhada no amor divino de Jesus e Maria, porque ambos são loucos pela Eucaristia e por Paria, nossa Mãe do Céu.

Na mesma carta já citada e em previsão de nova visita do bondoso sacerdote, a Alexandrina escreve:

«Marcará a [hora] que melhor lhe convier: se for de manhã, fazemos gosto que Vossa Reverência jante aqui.»
Quanto a nós, também ficará novo encontro marcado para breve.

Afonso Rocha