Ó doçura, ó meiguice, ó amor de Jesus!
Cada momento que passa é para mim uma
eternidade, parece-me estar sempre no mesmo sítio. O céu não chega. Só as
sextas-feiras passam e voltam no mesmo momento; quase posso dizer que estão
sempre presentes. Durante a noite, estive na agonia do horto. Que solidão tão
triste! O céu parecia revoltar-se contra a terra ingrata. Eu ouvia o barulho da
gente, o tilintar das armas. A quem quer que se chegou a mim, dentro em mim
ouvi dizer-lhe:
― Amigo, a que vieste?
― Ó palavra, ó doce palavra! Ó doçura, ó
meiguice, ó amor de Jesus!
Já lá vão umas poucas de horas, e tudo ficou
gravado dentro em mim. O meu corpo está cansadíssimo; cansado do horto e da
prisão, dos açoutes e dos espinhos e dos maus-tratos a caminho do calvário. O
meu coração foi chagado antes ainda de sofrer a lança. Em todo o percorrer do
caminho do calvário, jorrou sangue com abundância. Chegada lá, transformei-me
em tudo: em montanha, cruz e Jesus. E em mim estava a Mãezinha, os dois
corações unidos – o meu e o dela. Quantos sentimentos, quanta dor, quanto amor;
amor que se estendia por toda a humanidade, amor que obrigava a tanta dor e
agonia, a todo o sangue derramado. Ai, se eu pudesse mostrar tão claro como
claro senti o que sofreu Jesus e a Mãezinha!
― Ó meu Deus, ó meu Deus, que agonia
indizível!
Quando assim sofria, principiei a sentir na
minha alma um bater de asas: desceu do alto, baixou a mim. Com os olhos da alma
vi: era uma pomba cheia de alvura; fez do meu coração o seu ninho.
Levantava-se, batia as asas, subia ao alto, descia a esvoaçar à minha volta e
com o seu biquito dava-me vida e com o seu brilho dava-me luz. Voltava de novo
a descansar no seu ninho. Nestes momentos, embebi-me toda naquele brilho,
naquela luz, e a minha alma deixou de sofrer.
Sentimentos da alma, 9 de Março de 1945.