Como já
várias vezes o disse, não sou nem teólogo nem escritor, escrevo apenas aquilo
que sinto em meu coração, que creio e sinto ser justo, de acordo com o
documento referido e sobretudo em acordo com as regras da Santa Igreja Católica
da qual me sinto plenamente filho devotado e obediente.
***
Em 1936, por
volta do fim do ano, a Alexandrina que tem então 32 anos, teve uma visão que a
impressionou ao ponto de nunca mais a esquecer, porque, como ela mesma o diz, “ficou-me bem gravada na minha memória e na
minha alma”.
Vejamos o
que ela escreveu:
«Pelos fins do ano de 1936, numa noite,
apresentou-se diante de mim, a pequena distância, um prado muito viçoso e
florido. As flores eram açucenas. E tantas que eram!... E tão perfeitas!... Por
entre elas pastava um grande rebanho de ovelhinhas, sendo impossível contá-las.
O pastor era Jesus, em tamanho natural, muito belo e com um cajado na mão.
Aproximei-me desse prado e, quando ia entrar nele, tudo se transformou num
caminho árido e seco. Caminhei por uma encosta difícil de subir. Ao cimo do
monte, havia um caminho bastante assustador, porque tudo eram silvas e
espinhos. Ao meu lado esquerdo, ouvia gemidos de ovelhinhas. Queria
aproximar-me delas para ver a causa dos seus gemidos, mas uma enorme
ribanceira, escura, profunda, impedia-me de ver as ovelhinhas e a causa dos
seus sofrimentos. Sentia que sofriam muito.
Continuei a caminhar por aquele caminho e, mais
acima, ao lado direito, ouvia a mesma coisa. Nessa altura, vi a causa de tão
grande sofrimento: estava uma ovelhinha, de lã branca, mas muito suja e presa
pela lã a enormes espinhos, caída sobre eles. À primeira impressão, entendi que
aqueles gemidos não podiam ser de saudades pela sua mãe, porque a ovelhinha já
era grandinha. Ao ver o estado dela, tive tanta pena que me aproximei e, com
todo o amor e carinho, fui vagarosamente desprendendo-a dos espinhos. Depois de
a soltar, desapareceu da visão.
Isto nunca mais me esqueceu e conto-o com a maior
facilidade, porque ficou-me bem gravado na minha memória e na minha alma.»
O texto
começa pois assim:
“Pelos fins do ano de 1936, numa noite,
apresentou-se diante de mim, a pequena distância, um prado muito viçoso e
florido. As flores eram açucenas. E tantas que eram!... E tão perfeitas!...”
A palavra
“noite” pode surpreender e levar-nos a crer que se trata de um sonho… Mas, não,
porque se fosse um sonho ela o teria dito. Portanto ela estava bem acordada e
viu, “a pequena distância”, como se
ela estivesse à entrada da porta de sua casa e o dito prado fosse o seu quintal
— para aqueles que conhecem a casa onde ela viveu. Uns cinquenta metros, para
os que não conhecem a casa.
No meio
daquele prado “muito viçoso”, a mais
da erva viçosa, tinham nascido flores, mas não umas flores quaisquer, sem
interesse: tinham nascido açucenas que, como todas as açucenas eram “tão perfeitas”.
Não
poderíamos ver aqui o “prado” onde a Alexandrina iria trabalhar sob o olhar de
Jesus, para a salvação das almas?
Aquelas
açucenas numerosas e belas não representariam a virtude que Jesus tanto ama: a
pureza? E a Alexandrina era uma alma pura e virgem, escolhida por Jesus para
uma alta missão.
A visão
continua com a aparição dum “grande
rebanho de ovelhinhas” em tão grande número que era impossível contá-las.
Várias vezes Jesus disse à Alexandrina que ela tinha salvado milhões e milhões
de almas com os sofrimentos que ela livremente aceitava…
O pastor
desse numerosíssimo rebanho era Jesus, que ela via “em tamanho natural”, que Ele era “muito belo” trazendo “na mão
um cajado”, como todos os pastores.
Lembremos
que Jesus disse numerosas vezes à Alexandrina que era Ele o seu Mestre, o seu
guia, mesmo se deixando inteira liberdade ao director espiritual que na terra a
guiava.
Esta visão
tão bela despertou a curiosidade da Alexandrina e o desejo de ir mais longe, de
entrar naquele prado maravilhoso do qual ela se aproximou. Mas, ó surpresa, “quando ia entrar nele, tudo se transformou
num caminho árido e seco”.
Quantos e
quantos anos a Alexandrina viveu na noite escura, na maior aridez, num deserto
espiritual que provoca dúvidas, tristezas e por vezes incompreensão: ela viveu
este estado de alma quase até à morte.
Mas, nem por
isso recuou, como ela mesma o diz: “Caminhei
por uma encosta difícil de subir”.
E na
verdade, a Alexandrina nunca recuou, quaisquer que fossem as dificuldades que
se lhe apresentavam pela frente. Quanto sofreu com as ingratidões, as calúnias,
as incompreensões, a falta de alimentos e de roupas, ela que estava sempre
pronta a dar esmola!
Mas a
encosta que ela sobe corajosamente ainda lhe vai reservar mais surpresas, como
podemos ler na sua Autobiografia:
“Ao cimo do monte, havia um caminho bastante
assustador, porque tudo eram silvas e espinhos”.
Bela imagem
dos sofrimentos da Alexandrina, sofrimentos que iriam aumentando com o correr
dos anos. Quantas “silvas e espinhos”
iria ela afrontar até à morte! Como ela mesma o confessa: “só Deus sabe quanto sofro”!
O percurso é
difícil porque de cada lado daquele caminho se desenha um grande precipício.
“Ao meu lado esquerdo — explica ela — “ouvia gemidos de ovelhinhas”.
Situação
dolorosa para ela, ela que muito amava os animais. Por isso mesmo a sua
primeira reacção foi de prestar assistência, de cuidar daquelas ovelhinhas que
sofriam…
“Queria aproximar-me delas para ver a causa dos
seus gemidos, mas uma enorme ribanceira, escura, profunda, impedia-me de ver as
ovelhinhas e a causa dos seus sofrimentos. Sentia que sofriam muito”.
Ao
impossível ninguém é obrigado, por isso, diz ela:
“Continuei a caminhar por aquele caminho e, mais
acima, ao lado direito, ouvia a mesma coisa”.
A
generosidade da Alexandrina nunca se dava por vencida e, porque aquelas ovelhinhas
— agora do lado direito — sofriam também ela quis absolutamente saber a causa
e, certamente debruçando-se um pouco mais, riscando de cair, ela compreendeu:
“Estava uma ovelhinha, de lã branca, mas muito
suja e presa pela lã a enormes espinhos, caída sobre eles”.
Estas ovelhinhas
que gemiam não representam elas todas aquelas almas que, presas nas “silvas” do
pecado, vinham até junto dela pedir auxílio e receber os seus conselhos?
Ela a todos
recebia com amor e a todos “distribuía” uma palavra de consolação, um conselho
que muitas vezes as fazia “arrepiar caminho”.
Que vai ela
fazer a esta ovelhinha presa no meio das silvas e dos espinhos?
Com um pouco
de humor, como muitas vezes, ela diz:
“À primeira impressão, entendi que aqueles gemidos
não podiam ser de saudades pela sua mãe, porque a ovelhinha já era grandinha”.
Se “já era grandinha”, devia ter idade para
fazer atenção, mas os silvados — entenda-se a vida de pecado — são traiçoeiros
e atiçam os nossos maus desejos, os nossos ardores que nem sempre são
virtuosos: por isso muitas vezes caímos neles, porque somos pecadores.
Para sairmos
destes silvados traiçoeiros é-nos necessária a humildade e o desejo sincero de
pensar onde vamos pôr os pés, antes de darmos um passo em frente.
Que vai
fazer a Alexandrina? Como sempre, ela vai limpar aquela ovelhinha de maneira a
que ela possa voltar para o meio do rebanho, sã e ilesa.
“Ao ver o estado dela, tive tanta pena que me
aproximei e, com todo o amor e carinho, fui vagarosamente depreendendo-a dos
espinhos”.
Durante a
sua vida e mais particularmente durante a sua “vida pública”, a Alexandrina
recebia visitas, algumas delas cobertas de misérias físicas e morais e a todas
estas pessoas que vinham visitá-la, ela limpava “com todo o amor e carinho” suas almas e até os corpos de todos os
espinhos causados pelo pecado. Ela não confessava, mas aconselhava, como o
faria um bom sacerdote durante uma confissão.
Bem
numerosos — os testemunhos abundantes o provam — foram aqueles que ao sair
daquele pequeno quarto de Balasar, saíram “mais leves” do pecado e mais prontos
a enfrentar as dificuldades da vida, tanto corporal como espiritual!
“Depois de a soltar, desapareceu da
visão”.
Esta frase
não necessita de comentário: ela é bem explícita.
Mas ao
terminar a descrição da visão, ela confessa:
“Isto nunca mais me esqueceu e conto-o com a maior
facilidade, porque ficou-me bem gravado na minha memória e na minha alma”.
Que lição
podemos tirar desta bela visão?
Que a
intercessão da Alexandrina, a leitura dos seus textos — Autobiografia e
Sentimentos da alma, entre outros — são uma realidade que não podemos negar,
porque é bem sabido que ela é “o canal
pelo qual Jesus quer fazer passar as Suas graças”.
Afonso Rocha