terça-feira, abril 24, 2012

AI O MUNDO! AI O MUNDO!


Sou mãe que chora tanto…

Sinto em mim um fogo ardente, queima-me em todos os sentidos; todo o meu corpo está numa fornalha viva. Tenho sede, tenho sede de Jesus. Tenho fome, muita fome das almas. Queria engolir o mundo. Sinto-me cada vez mais mãe dele. Que loucura a minha por aquilo que é engano, lodo e imundície. Sou mãe, mas oh! que louca mãe! Sou mãe que chora a perda de seus filhos, sou mãe que os não pode ver em tanta desordem, em tanta malícia e crimes.
— Ai, meu Jesus, o que hei-de eu fazer, o que posso eu fazer?
Sou mãe que chora tanto, mas lágrimas de sangue que banham toda a humanidade. Não posso resistir a tanta dor, não posso sossegar, quero salvar o mundo, quero sofrer tudo, quero dar por ele a vida. Numa hora em que as ânsias eram insuportáveis, levantei com custo os meus olhos para Jesus e disse-lhe:
— Jesus, Jesus, ai o mundo, ai o mundo, quero salvá-lo. Deixai-me entrar no Vosso Divino Coração com todos os que me são queridos; deixai-me entrar com todos os que me pertencem e às minhas orações se recomendam; deixai-me entrar com todos os sacerdotes e pecadores endurecidos; deixai-me entrar com todos aqueles que me têm ofendido; deixai-me entrar com a humanidade inteira; que ninguém fique fora do Vosso Coração Divino para dele passarmos à nossa Pátria, ao céu que para todos criastes. Quero amar-Vos e louvar-Vos com todos eternamente.
Continuam os meus medos para com as pessoas a quem mais estimo e para com Jesus e a Mãezinha querida. Que horror! Não só tenho medo de Jesus, medo que muitas vezes não me deixa levantar para Ele os meus olhos, mas mais ainda: fujo d’Ele, não quero ouvi-l’O, e até me parece que não queria que Ele existisse. Os crimes, o lodo de que estou coberta não podem ser vistos pelos Seus olhos divinos.

Sentimentos da alma, 8 de Março de 1945

NÃO SABEM O QUE É A DOR !


— Perdoai-lhes, meu Jesus!

Estou sempre a ser açoutada com as mesmas varas de espinhos; descarregam-nos sobre mim com toda a crueldade. Nada existe em mim que não seja ferido por eles. E a morte avizinha-se, e os homens não se apressam a dar-me o meu paizinho. Que tristeza! Não sabem o que é a dor. Não sabem quanto valem as luzes e conforto para uma alma.
— Perdoai-lhes, meu Jesus, eu espero em Vós, confio nas Vossas promessas divinas.
Durante esta noite, não sei se ainda era ontem ou se já pertencia a hoje, veio o demónio, veio desesperado, veio com todas as suas maldades, atormentou-me fortemente. Pegou o fogo e deixou em mim as suas manhas e, para disfarçar que não era ele, pôs-se ao largo. Só depois de eu muito lutar e de me parecer que tinha ofendido o meu Jesus tão gravemente é que ele se aproximou novamente a cobrir-me de insultos e a dar-me a afirmação de eu ter pecado. Estava num lago de suores na posição mais violenta que podia estar. Debaixo de mim um medonho abismo e muitos demónios em forma de esqueletos e de animais ferozes a atormentarem uma massa que lá estava. Ó meu Deus, que horror!
Não podia falar nem gemer nem dar o mais pequeno movimento ao meu corpo. Pensei:
— Se me não valeis, meu Jesus, morro aqui. Valei-me, valei-me, vinde em meu auxílio.
Serenou tudo.
Passados uns momentos, ouvi Jesus a dizer:
— Anjo celeste, anjo bendito, anjo que eu escolhi para guardares, guiares e amparares a minha vítima amada. Levanta-a, leva-a ao seu lugar.
No mesmo instante, sem me causar o mais pequeno incómodo, fiquei na minha posição. Mas logo em dúvidas e grande agonia.

Sentimentos da alma, 8 de Março de 1945

EU ERA A CIDADE DE JERUSALEM


Ao cair da tarde, senti-me então reunida com os amigos.

Jesus esteve em silêncio uns momentos e depois continuou:
— Não pecaste, minha filha: reparaste, consolaste, honraste o meu divino coração. Para as almas não sofrerem no inferno o que naquele abismo viste é que exijo de ti esta reparação. É fogo de vícios, são paixões, é a carne. Para reparar nesta matéria, só uma virgem inocente, só um enchente de fogo de amor pode apagar o enchente de vícios lodaçais. Tu és o brilho e encanto dos meus olhos. Sossega, sossega, não pecaste. Dá ao meu querido Padre Humberto a abundância do meu amor. Diz-lhe que estou com ele quando ora, quando trabalha, quando guia e encaminha para mim a tua alma. Dá-lhe por mim os meus agradecimentos.
Neste colóquio com Jesus, não tive medo d’Ele, mas logo depois voltei a sentir todo o meu martírio. De manhã cedo, principiei a sentir que Jesus chorava dentro em mim. Eu era a cidade de Jerusalém e era Jesus. Eu era o amor e a ingratidão. Do meu coração saíam para a cidade os mais doces e ternos olhares; eram olhares de chamamento, olhares de compaixão. Mas oh! o que eu via sair dali, que revolta contra mim. Ao cair da tarde, senti-me então reunida com os amigos. Ó meu Deus, o que se passou, que quadros tão diferentes. Eu era Jesus e contra o meu coração sentia inclinar-se alguém e eu era esse alguém. Eu era a mesa, eu era o pão e o vinho; eu era o cálice onde ele era deitado; eu era as taças onde se serviam os alimentos; eu era Judas, era tudo. Eu era a doçura e mansidão de Jesus; era o desespero e traição de Judas. Que noite, que santa noite, a maior de todas as noites, a noite do maior milagre, do maior amor de Jesus. O Seu Divino Coração estava preso àqueles que Lhe eram tão queridos. Para poder partir, tinha de ficar entre eles, para subir ao céu, tinha de ficar na terra; assim o obrigava o Seu amor divino. Sinto necessidade de esclarecer todas estas cenas, mas não posso, não sei. O olhar esgazeado do mau discípulo ficou gravado em meu coração e todo aquele silêncio profundo de saudosas despedidas. A amargura da minha alma não podia subir mais alto. E, para afirmar mais esta amargura, vieram os sofrimentos da terra causados. Juntei a dor ao sacrifício e quantas vezes em espírito, com os olhos fitos no céu, ofereci ao trono divino o cálice da minha amargura.

Sentimentos da alma, 8 de Março de 1945

segunda-feira, abril 16, 2012

QUERIA UMA PAZ FEITA DE PERDÃO

Queria ir à frente de todos os governadores das nações

Desde o domingo passado, sinto-me mãe da humanidade, mãe extremosa; ao mesmo tempo, a dor vem de encontro a este amor, dor causada pelas desordens destes irmãos que sinto serem filhos meus.
Queria ir à frente de todos os governadores das nações a pedir-lhes a paz, para se reconciliarem uns com os outros. Mas queria uma paz feita de perdão duradouro, para não voltarem mais às mesmas desordens. Quantas vezes sinto uma ânsia tão grande de fazer isto, que me parece voar para junto deles. Para conseguir esta reconciliação, não pouparia o meu corpo aos maiores suplícios e sacrifícios, que me levassem de rasto de nação em nação, de fazer o que há de mais custoso. Queria tomar nas minhas mãos o Coração Santíssimo de Jesus, poder-lhes dizer: “vedes como está ferido! São os nossos pecados que assim o ferem!” Além dos espinhos, em que estou envolvida, sinto também agora e vejo com a minha alma os feixes de varas espinhosas com que estou a ser açoitada. Faz-me estremecer muitas vezes cada golpe que me fere o corpo e a alma. Desde sábado, tenho em mim um grande medo de Jesus, e, desde domingo, juntou-se em mim o medo da Mãezinha, com quem não me atrevo ter um desabafo, assim como aumenta o medo das pessoas que me são queridas. Desejo que o médico, que Padre Humberto venham ao pé de mim, mas ao mesmo tempo atormenta-me o medo da sua presença. Medo que desaparece para deixar lugar a uma indiferença, chegando a pensar que não falo com eles, e chego até a pensar se sim ou não existem no mundo.
Acabei a oferta dos assaltos do demónio pelas três almas por Jesus recomendadas. Deu-me um grande conforto a notícia de que uma dessas almas deu um grande passo para o bom caminho. Não sei, porém, ainda se deixou a má vida de todo.


(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 6 de Março de 1945)

UMA ARAGEM SERENA PASSAVA…

Senti um pouco de alívio e conforto...

Sinto-me cada vez mais próxima da morte, o que me causa grande horror por causa deste medo para com Jesus e a Mãezinha, e ver-me de mãos vazias de virtude e de amor.
Quando Jesus vem ao meu coração, sinto ser um corpo sem coração, sem língua para falar, não tenho nada com que possa louvar o meu Jesus nem agradecer-Lhe tantos miminhos e benefícios recebidos. Ainda sem acabar este dia, senti em mim não posso dizer se alegria se consolação, mas um pouco de alívio e conforto. Uma aragem serena passava em meu coração, e com o meu espírito mais desanuviado pude dizer: Deus seja louvado. Ainda bem que tenho quem compreenda a minha alma, tenho quem me vá encaminhando pelos caminhos de Jesus. Durou pouco este alívio. O medo dos que me eram mais queridos com a sua presença desapareceu para voltar fortemente pouco depois de eles se ausentarem. E que dor tão grande por ver que não lhes tinha dado a consolação de me verem mais alegre, como recompensa de tanto que fazem por mim. Não tive força para mais.
— Perdoai-me, perdoai-me, meu Jesus.
Como remate de tudo isto, veio um espinho disperso dos outros ferir agudamente o meu coração.
— Já sei, meu Jesus, seja tudo por Vosso amor. Sempre que eu tenho alguma coisa que possa servir-me de alívio, hei-de receber a mais algum espinho para profundamente me ferir. Bem-vindo seja o que vem das Vossas divinas mãos.

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 6 de Março de 1945)

domingo, abril 15, 2012

O PEITO PARECIA LEVANTAR-SE…

Quero o que Jesus quiser

Nesta noite, não sei as horas, apareceu-me o demónio vestido de sacerdote, com batina até aos pés. Era grande, muito grande, gordo – parecia um monstro. Atravessava diante de mim, mas não me fez outra coisa a não ser fazer-me sentir como se estivesse o fogo pegado na minha cama; parecia-me as labaredas estarem alastradas debaixo de mim. Fazia-me estremecer de medo. Quero o que Jesus quiser, mas, se houvesse a minha vontade, preferia mil vezes isto do que quando ele usa de outras manhas. Sinto todo o meu corpo dilacerado e em sangue. os espinhos penetram-me a alma, o coração, o corpo e todo o ser. Não posso abrir nem fechar meus olhos sem espinhos; não posso pensar sem espinhos, não posso mover-me sem espinhos. O meu leito e o quarto, onde habito, são de espinhos, e tudo está banhado em sangue. Pobre do meu coração, sangra de dor. E os meus lábios parecem estarem fechados, não posso ter um queixume, morro, morro abafada. Assim, nesta dor e amargura, fiz a minha preparação para a visita de Jesus ao meu coração, nesta manhã. Recordar-me que era o primeiro sábado causava-me tanta tristeza que me fazia pensar assim:
— Meu Jesus, não posso viver sem dúvidas. Que receio o meu! Vede as minhas preocupações, compadecei-Vos delas! Enganar não quero; o Vosso divino amor, as almas, isso, só isso me basta, meu Jesus.
Chegou a hora de O receber. À entrada de Jesus no meu quarto, pareceu-me que me cravaram uma punhalada no peito e foi ferir o coração. Tinha ânsias, tantas ânsias de O receber, mas o medo que tinha d’Ele, o horror ao êxtase não se explica. Momentos depois de Jesus baixar a mim, principiei a sentir a Sua divina presença e a dilatar-se o coração. O peito parecia levantar-se, ao mesmo tempo que o coração se dilatava. O meu amantíssimo Jesus principiou a dizer-me:
— Quero, minha filha, dilatar-te o coração, quero fazê-lo grande, grande como o meu divino amor. Recebe-o com toda a abundância, envolve-o no mundo que nele te  depositei. Transforma-o no meu divino amor. Dei-te e dou-te o meu divino amor, entreguei-te o mundo, quero tudo numa só coisa: quero amor, só amor. Resgatei-te com o meu sangue, és a nova resgatadora da humanidade. Escolhi-te para comigo continuares a obra mais bela, mais sublime, a obra do resgate, a salvação das almas.
*****
(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 3 de Março de 1945 – Primeiro Sábado)

TU ÉS O SOL, SOL BRILHANTE !

Sol doirado que rompe as nuvens, para alumiar a terra

— És Cristo crucificado, estás retratada em mim. Ao criar-te, vi em ti tudo isto; ao criar-te, logo te escolhi para a missão mais sagrada, mais sublime, para o que há de mais caro e agradável aos meus olhos divinos.
Estava a ouvir Jesus e faltava-me aquela luz, aquela alegria e consolação que quase sempre sentia. Disse-Lhe:
— Meu Jesus, de cada vez tenho mais dúvidas e fico persuadida que estou enganada. Que tristeza, que noite e receio de Vós.
— Não, minha pomba branca angelical. Não, minha pura, minha bela e encanto dos céus. Não te enganas, nunca o permiti nem permito. Foi isto mesmo que ontem te pedi. Alegro-me e consolo-me com a alegria que tu devias de mim receber. Não me negues tudo isto, não?
— Antes a morte e o inferno do que entristecer-Vos, meu Jesus. Sou a Vossa vítima, sou a Vossa escrava.
— Tu és o sol, sol brilhante, sol doirado que rompe as nuvens, para alumiar a terra. Eis os espinhos que te ferem, continuamente cairão sobre ti; entre eles viverás, entre eles morrerás. Tu és o sol, tu és a nuvem, nuvem negra, nuvem que assusta. O sol é para o mundo, a nuvem és tu, é tua, é para ti. Tu és o aguaceiro que sai das nuvens e dás à terra chuva de amor, pérolas de virtudes. Estás, minha filha, a percorrer os últimos caminhos; aproxima-se o teu fim neste desterro; aproxima-se a vida eterna, a tua verdadeira vida. Espera-te o céu com toda a alegria. Diz, minha filha, ao teu Paizinho que cai sempre sobre ele a abundância do meu amor. Que lhe prometo todas as minhas graças em todas as suas obras. Diz-lhe que são estes os caminhos dos que me são queridos, os caminhos dos meus eleitos. Ele vem junto de ti terminar a tua missão. Prometi milagre, se preciso fosse. Prometi castigo à companhia por o fazerem sofrer e se oporem à minha divina causa. Prometi e cumpri. Que pensem, que examinem se sim ou não. Diz ao teu médico que desempenhe a sua missão, a missão que lhe dei: cuidar do teu corpo, cuidar a sério. Cuidar de ti é cuidar de mim, trabalhar por ti é trabalhar por mim, é operar comigo milagres. Diz-lhe que não deixe dormir e que dê a conhecer que nem ele nem todos os que cuidam da minha divina causa dormem. Ela é minha, ela triunfa. Mas é necessário que ele diga umas palavrinhas humildes, mas que façam estremecer. Grande é a sua recompensa, grandes, muito grandes são as minhas divinas graças e o meu amor sobre ele e todos os que lhe são caros. Vem, minha Mãe, vem dar a nossa vida, o nosso amor a esta filhinha. Vem a estas trevas, vem suavizar esta dor.

(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 3 de Março de 1945 – Primeiro Sábado)

A TUA DOR É AMOR !

— Estás, minha filha, numa prensa de amor.

Veio a Mãezinha, tomou-me em seus braços e Ela mesma lançou os meus sobre os Seus santíssimos ombros, abraçou-me, acariciou-me, cobriu-me de beijos, ao mesmo tempo que d’Ela sentia receber vida e conforto.
— Minha filha, filha e esposa do meu Jesus, a tua dor é vida, a tua dor é amor. Enche-te de mim, enche-te de Jesus. Dá o que de nós recebes aos que amas e te amam. Receberão de nós à medida que te amam e à medida que anseiam o nosso amor. Dá-lhes as nossas riquezas no teu sorriso, nos teus olhares, nos teus carinhos angélicos. Coragem, coragem, triunfas comigo e com o teu Jesus.
Estreitou-me Jesus entre o Seu divino Coração e o da Mãezinha.
— Estás, minha filha, numa prensa de amor.
Fiquei confortada, com mais vida, mas mergulhada em dor e amargura. Horas depois, voltei a sentir a Mãezinha tomar-me em seus braços e suavizou a minha amargura. Animei-me, mas não saí da minha dor. Fiquei entre espinhos, fiquei na cruz.
(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 3 de Março de 1945 – Primeiro Sábado)

ÉS MINHA FILHA, FALO DO QUE É MEU

És esposa que só ao Esposo se assemelha

— Meu Jesus, custa-me tanto, tanto ouvir-Vos falar assim. Sou tão miserável, sou só miséria. Como podeis dizer isso? Como podeis consolar-Vos, depois de tanta maldade e ingratidão que encontrais em mim, para me falardes desta forma?
— Escuta, filhinha amada, não quero, não posso consentir que voltes a dizer-me o que encontro em ti para assim te falar. Não posso eu honrar-te com honrosos títulos, levar-te à maior altura, à mais alta dignidade? És minha filha, falo do que é meu. És minha esposa, esposa que possui as qualidades do seu Esposo, esposa que só ao Esposo se assemelha. Enriqueci-te das minhas riquezas, elogio e honro as minhas coisas, o que é meu. Tu és a minha pomba bela, um coração de fogo, fogo que queima, fogo que purifica, fogo que atrai a mim os corações, fogo que é capaz de incendiar o mundo, o mundo que te confiei, o mundo que é teu. Pede, pede, minha filha, pede oração e penitência e emenda de vida, pede, e que peçam aqueles que desejam ver o reinado do meu divino coração. Oh! O que espera o mundo, se não se levanta e se reconcilia comigo.
Jesus levantou-se do meu coração, ergueu as Suas santíssimas mãos, e dos Seus santíssimos olhos corriam lágrimas em grande abundância: pareciam duas fontes. A soluçar muito, continuou:
— Vês o meu divino coração aberto? É o pecado, é o prazer da carne; é o pecado, é o mundo. Salva-o, salva-o, minha filha, não deixes perder o meu sangue. Pede-lhe que se converta, faz que as almas venham a mim, reúne em meu divino coração as minhas ovelhas, todo o meu rebanho. Pede, pede em nome de Jesus. Penitência, oração e sincera reconciliação.
— Jesus, Jesus, basta, não façais isso. Ofereço-Vos a minha vida e a minha morte; ofereço-Vos todo o meu corpo e todo o meu sangue; dou-Vos o meu amor, aceito quanto Vos aprouver dar-me, toda esta vida de sofrimento, mas levantai-Vos já, meu Jesus, descei as Vossas santíssimas mãos, estancai as Vossas lágrimas. Que horror, meu Jesus, não posso ver-Vos assim. Como pode a grandeza infinita ajoelhar-se diante da maior miséria, do mais pequenino nada?!
Jesus levantou-se, sentou-se de novo em meu coração, estendeu sobre os meus ombros o Seu santíssimo braço e uniu o Seu santíssimo rosto ao meu, apertou-me fortemente, cobriu-me de beijos e incendiou no meu coração o fogo que no d’Ele ardia.
— Quanto consolou o meu divino Coração a tua oferta, o teu amor. Vejo em ti a graça, a pureza, a heroicidade das almas.
— Não é isso que eu quero, Jesus. Dizei-me a razão por que procedestes assim? Sendo Deus, ajoelhaste-te diante da criatura mais pobre e miserável. Só Vós sabeis quanto isso me atormenta.

(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 23 de Fevereiro de 1945 – Sexta-Feira)

SENTI-ME NA PRISÃO…

Fui condenada, tomei a Cruz…

De noite ainda, sem me lembrar o dia que era, lembrou-mo a minha alma. Senti-me na prisão, muito triste, sozinha, cansada e em grande abatimento. Sofria por me terem vendado os olhos, sofria por tanta ingratidão. Principiei a minha preparação para receber a visita do meu Jesus. Durante a preparação, já de dia, foram buscar-me à prisão. O meu rosto, sentia nele grandes escarros. Cá fora esperavam-me grandes multidões de gente. Meu Deus, o que ouvia de gargalhadas. De rua em rua, de casa em casa, no meio de grande algazarra, coberta de maus-tratos e interrogada por senhores absolutos, cheios de soberba, convencidos de que tudo podiam fazer. Em frente de tanta grandeza, oh! como eu era pequenina! Fui condenada, tomei a cruz; inclinada debaixo do seu peso, já quase só de rastos podia mover-me. E quantas vezes fui eu arrastada. Ai quantas lágrimas senti passarem-me no meu coração. Ao ser tratada tão cruelmente, repetia muitas vezes o coração: “amo-Vos, sofro por Vosso amor”. Levava a cruz e no cimo do calvário via a de Jesus; era um farol que entrava dentro em meu peito a iluminar tudo. Sentia-me atraída para ela; para a abraçar, para a possuir, ia caminhando. Cheguei ao calvário, estenderam-me nela. Quando me esticavam os braços e pernas para serem cravados, quando sentia que das feridas dos cravos corriam fontes de sangue, veio o demónio para mim, a correr desastradamente; veio redobrar o meu sofrimento. Disse-me que íamos gozar por palavras feiíssimas e depois calou-se, deixando-me a lutar com as suas falsas artes. Eu, cravada na cruz de pés e mãos, sem poder mover-me. Ai quanto sofri. Não podia lutar; fitava o meu Jesus crucificado.
— Meu amor, sofro por Vosso amor. Meu amor, sofro para Vos dar almas. Valei-me, Jesus, tende dó de mim. Mãezinha, eu não quero ofender-Vos.

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 2 de Março de 1945)

DE NOVO O MALDITO…

És tu que queres pecar...

Depois de muito lutar, principiou novamente o maldito a encher-me de nomes e a dizer-me:
— Eu não te tocava e nada te disse; és tu que queres pecar, és tu que queres o prazer.
Depois de satisfeitos os seus desejos, ou porque Nosso Senhor o obrigasse, ele deixou-me. Mas não me deixou a tristeza e a amargura; não me deixou o abandono; não me deixaram as lágrimas e a agonia da Mãezinha e os seus olhares dolorosos, cheios de compaixão por mim. Com que aflição, com que agonia eu bradei ao céu, sempre, sempre, até expirar: “Pai, meu Pai, porque me abandonaste?” Não era eu que bradava, era o meu coração; não era eu que o queria fazer, mas a força da dor e da agonia me obrigava. E, neste transe, veio Jesus, descia do céu para a terra, embebido numa nuvem; deu entrada no meu coração e disse-me:
— Minha filha, sol da terra, fogo dos corações, honra e alegria do céu. Sol que, com os seus raios brilhantes, aqueces e iluminas toda a humanidade. Fogo que abrasas e purificas os corações. Honra e alegria do céu, porque, ao ver a tua dor, ao ver o teu martírio, que já lá está escrito agora e por toda a eternidade, alegra-me, honra-me, glorifica-me. Todo o céu bendiz o meu santo nome, pela vítima imolada, pela vida das vidas, pela vítima das almas. Vim do céu, minha filha, desci do meu trono divino, vim ao meu palácio, ao meu céu da terra, subi ao trono da minha rainha. Venho da minha glória desabafar contigo as minhas mágoas. Diz-me, amada minha, queres consolar-me? Queres alegrar o meu divino coração tão triste? Queres dar-me tudo até a consolação que de mim devias receber? Fala-me, fala-me com a tua língua de ouro, o teu coração de fogo.
— Jesus, que me pedireis que eu não Vos dê? Conto sempre com a Vossa graça para com ela poder sofrer tudo e dar-Vos tudo o que de mim desejais. Viva eu sempre na tristeza e na amargura, para Vós, meu Jesus, viverdes só na consolação e na alegria.

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 2 de Março de 1945)

sábado, abril 14, 2012

OLHA COMO SOFRE O MEU DIVINO CORAÇÃO

Só receberás espinhos...

— Ó meu anjo da terra, tu falas aqui e o que tu dizes escrevem os anjos no céu a letras de oiro e pedras preciosas. Vê o mundo, vê o lodo, vê a lama. A maldade que vai por aí! Olha como sofre o meu divino coração. Olha como está ferido. Já que de tão boa vontade, tão alegremente dás tudo, privo-te da minha alegria, da minha consolação, assim como te privei da consolação e alegria daqueles que te são queridos. Só receberás o meu conforto para poderes sofrer, para poderes vencer. Só receberás espinhos, de todos os lados espinhos: foi a visão que te mostrei. Viverás entre eles e entre eles expirarás. A tua alma pura romperá por entre eles, voará ao céu a arder de amor. É um anjo seráfico que voa à sua pátria. Os teus espinhos não são espinhos que secam, a tua dor cultiva o terreno desse bosque imenso que eu te mostrei; o teu sangue rega-os; são espinhos que brotam, são espinhos que dão rosas. Que jardim brilhantíssimo deles vai nascer. O orvalho que sobre esse jardim cai é orvalho de sangue, é maná celeste que vem abrilhantá-las, conservá-las, dar-lhes a vida. Tu partes para o céu, mas a tua graça, as tuas virtudes ficam na terra, é perfume que se estende a toda a humanidade. Tu partes para a Pátria e ficas comigo na Eucaristia; serás a pombinha eucarística que não abandona o seu ninho. É como a pombinha e pastorinha das almas que te quero pintar nas portinhas e cortinas dos meus sacrários. Assim o quero, minha filha, rainha do mundo, rainha dos corações. Quero, minha filha, tenho pressa, muita pressa que a tua vida seja conhecida; o mundo necessita disso. É por ti, através de ti que eu mostro o meu amor, a minha misericórdia, as ânsias que tenho de ver salvas as almas. Custa tanto o Pai castigar o filho que erra e se revolta contra ele. Como não há-de custar ao meu divino coração imolar, sacrificar a minha filha amada, a minha vítima inocente? Vê, ó mundo, a minha loucura e amor por ti. Aqueles que se opõem à minha divina causa, ao que se passa em ti, opõem-se contra mim, opõem-se à salvação das almas. Todo o teu martírio é por meu amor, é por amor às almas. Depressa, depressa a salvar, pelo que opero em ti, o mundo inteiro.
Quando Jesus dizia isto, dos Seus divinos olhos corriam lágrimas com toda a abundância. Eu disse:
— Meu Jesus, quero sofrer só eu e só eu quero chorar. Deixai-me na amargura, na tristeza infinda e ficai Vós numa alegria e consolação completa.
Jesus deixou de chorar, estreitou-me a Ele fortemente e retirou-se. Eu fiquei abraçada à minha cruz, mergulhada na minha dor.

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 2 de Março de 1945)

O MUNDO VEM ALIMENTAR-SE À MINHA DOR

Ó mundo, ó mundo ingrato!

Não tenho vida, não tenho sangue, tudo dei, tudo perdi. Dei tudo e parece-me que foi inútil. Sinto uma perda tão grande! Meu Deus, parece-me que não existo; existe a dor e é minha. Existe o mundo e necessita dela. A minha alma sente uma fome tão grande, mas esta fome é do mundo, é o mundo que vem alimentar-se à minha dor, é um mundo de feras a apanharem quanto mais podem o meu sofrimento. Nada é, nada sofro, em comparação do que a pobre humanidade necessita.
— Jesus, que sofrimento este!
Parece-me que estou a arrancar do meu peito o coração e a transformá-lo em pequeninas migalhinhas para dar ao mundo, para dar às almas. Queria levar a vida a mendigar corações para serem o alimento, a salvação dos pecadores. Queria bradar alto, muito alto, que a minha voz ecoasse em toda a humanidade:
— Ó mundo, ó mundo ingrato, sou tua, dou-me a ti por Jesus e pela querida Mãezinha. É por Eles que passo para ti o meu sangue, a minha vida; é por Eles que te quero, é por Eles que sou tua, é por Eles que te amo. Amo-te para te salvar, amo-te para a Jesus e à querida Mãezinha te entregar
Ai de mim, não tenho que dar, não tenho mais que fazer. Que horrores se passam em mim, causados pela loucura, pelas ânsias insuportáveis de amar a Jesus e salvar a humanidade.

(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 1 de Março de 1945)

VISÃO: ERA UM BOSQUE FECHADO

A minha cama é de espinhos

Na noite de 27, tive uma visão de espinhos que me causou enorme sofrimento e medo. Era um bosque de espinhos, só espinhos à minha frente; era um bosque fechado. Subiam a tanta altura, enleados uns nos outros que eu não lhes via o fim. Todos eles pendiam a cair sobre mim, muito grossos e extensos. Não soube o significado disto, nada compreendi. O que fiquei a sentir desde então é que estou toda envolta neles. A minha cama é de espinhos, a roupa que me cobre é de espinhos, a que visto são espinhos, eu mesma sou de espinhos. Tudo é dor, tudo é sangue, dor que me não pertence, sangue que não é meu. Estou no meio desse bosque, que ele mesmo é sangue, sangue que floresce e dá a vida a todos os espinhos. E sobre eles continua a cair sempre a mesma chuva orvalhosa de sangue. Que espinhos tão reverdecidos! A minha alma sente que deles vão brotar uma nova chuva de botões brancos. Além destes espinhos, tenho recebido tantos cravados pelas criaturas e de quem menos esperava. Tem-me custado tanto encobrir as minhas lágrimas! Gostava que só Jesus as visse. Meu Deus, oh! quantas amarguras dentro em mim. Não posso ter nenhum apoio na terra, nada posso esperar daqui. Ai, até mesmo os que me são tão queridos, até desses tomou Jesus para Si a alegria e o conforto que me podiam dar. Sinto-me diante deles envergonhada, assustada como se os tivesse ofendido e contra eles praticado os maiores crimes.
*****
(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 1 de Março de 1945)

DEMÓNIO: OUÇO DELE O QUE NUNCA OUVI DAS CRIATURAS

Tu não me satisfazes...

O demónio continua a correr para mim como um cavalo sem freio. Vem louco para me insultar e convidar ao mal. Ouço dele o que nunca ouvi das criaturas, conheço dele o que nunca conheci do mundo. Não se disse, parece-me que sim:
— Tu não me satisfazes, convida mais demónios para pecarem comigo; quero o prazer, quero gozar.
Que horror, que horror parecer-me que dizia isto e que desviava para longe de mim o terço e a Mãezinha, que lhes escarrava e os calcava aos pés. Parece-me sempre que o maldito consegue de mim tudo quanto deseja e que ofendo o meu Jesus. No auge da dor, mais libertada dele, repeti muitas vezes:
— Não, não, não, meu Jesus, não quero pecar.
E, neste momento, veio Jesus tirar-me de sobre o abismo em que estava.
— Sim, sim, minha filha, não queres o pecado, queres o meu divino amor, e esse te dou na maior das abundâncias. Sim, sim, sim, minha filha, não queres o pecado, mas a salvação das almas, e só assim com esta reparação elas podem ser salvas, as que tão gravemente me ofendem nesta matéria. Ordeno-te, meu encanto, que vás para as tuas almofadas.
Uma força, vinda não sei de onde, nelas me colocou. Cansada de tanto lutar, banhada em suor, fui repetindo sempre: “amor, amor, sempre amor, meu Jesus; almas, todas as almas”. Não sei como o maldito se pode apresentar com caras tão feias, olhares aterradores e em forma de bichos de tanta variedade. Vêm até junto de mim como para me engolirem, alguns tão espraganudos! Ai, o que ele faz para nos tentar, para nos perder. Que pena não conhecerem todos as suas artes e manhas.
Hoje, logo de manhãzinha cedo, senti na minha alma, ouvi aos meus ouvidos fortes ruídos, grandes pancadas a abrirem-me a sepultura. Era tão funda! Que horror, é quinta-feira. Corre para mim a morte, a sepultura está pronta. Vem sobre mim o peso de todas as humilhações, nada há de mau que contra mim não digam. A minha alma já vê tudo o que vai tirar a vida do corpo. A minha sepultura é um poço, um abismo. Nada há em mim de alegria, tudo o que é belo e poderoso para mim é dor. Deitada na minha cama, pude admirar a grandeza do Criador. Vi pela janela as árvores, cobertas de flores. Que maravilha! A brancura delas transformava-se em noite na minha alma. Todas as pétalas das mesmas flores serviram de setas para em meu coração serem cravadas.
— O que fazer, meu Deus? Aceitar o que vem de Vós, a Vossa vontade, Senhor! Vou para a morte com os olhos fixos na Vossa cruz.
(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 1 de Março de 1945)

NADA VIA EM TI DE MISÉRIA

Tu és o espelho que tudo reflecte.

— Minha pura, minha bela, maior é o sacrifício, mais tens que oferecer-me. Escuta então. Não é de joelhos, de mãos postas e com lágrimas que se movem os corações à compaixão? É tão grande o amor que tenho às almas como grande é o meu poder. O meu procedimento é a sede das almas. Não se pode comparar a sede humana à sede divina. Quantas vezes as criaturas, para saciarem a sua sede ardente, ajoelham-se, mergulhando seus lábios em água nojenta, lodosa e em lama. Eu, a grandeza sem igual, para saciar minha sede, para pedir a salvação das minhas almas, ajoelhei-me na minha esposa querida, revestida de mim, transformada em mim, a pedir-lhe as almas, a pedir-lhe o mundo, esse mundo que é lodo e lama nojenta. Assim transformada em mim, nada via em ti de miséria; vi as minhas maravilhas, a minha grandeza. Não é verdade que eu disse: “o que é grande faça-se pequeno”? Tu és o espelho que tudo reflecte. Em ti, como quando passei no mundo, vou dando o exemplo. Maravilhosa lição, ensina-a às almas. És tu, filha minha, que lhe dás o passaporte para a eternidade. Ai do mundo, ai de Portugal, se não corresponderem às graças que lhes dou. Ai do mundo, mas ai mais ainda de Portugal, se não agradecer os benefícios que por ti recebe. Espalha pureza, espalha a graça, incendeia amor, amor, amor. E descansa, vítima inocente, em meu divino coração, toma conforto para a tua dor sem igual e inigualável martírio.
Inclinei-me eu então para Jesus, descansei no Seu Divino Coração, e nova efusão de amor, vinda d’Ele, abrasou o meu coração. Já vai alta a noite, sinto-o a arder, mas já mal posso dizer palavra.
— Tomai, meu Jesus, tomai em conta o meu sacrifício. Se em mim houvesse querer, preferia andar sempre, sempre de rosto em terra e nada dizer do que se passa em minha alma.

(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 23 de Fevereiro de 1945 – Sexta-Feira)

ENCHEU-ME DE INSULTOS…

Tentou levar-me a praticar acções criminosas

Na madrugada de hoje, quando me despertei do meu leve sono, logo me senti numa escura prisão. Senti o corpo tão magoado e cansado! A minha tristeza era tão profunda! Sentia tanta dor de ser tratada como louca! Essa loucura era amor, era a loucura das almas.
Pouco depois, veio o demónio para acabar de consumir o meu pobre corpo. Manhoso como sempre, tentou levar-me a praticar acções criminosas e feias.
— Hei-de satisfazer-me em ti, hei-de deliciar-me em ti apesar de me causares nojo.
Encheu-me de insultos e mostrava-se enojadíssimo de mim mesma. Foi dolorosa a luta, foi triste e triste me deixou. Chamei por Jesus e pela Mãezinha, afirmei-Lhes não querer pecar. Parecia-me chamar por Eles só depois do mal feito. Invoco os seus santos nomes sempre que posso, mas é quando o demónio deixa. Uma aragem suave veio apagar os meus suores e suavizar a minha dor. Fui suavizada por pouco tempo. Não sabia como preparar-me para receber o meu Jesus. Apoderou-se de mim a vergonha de O receber em meu coração, de viver na presença de Deus depois de passar por coisas tão feias.
— Jesus, que sofrimentos tão grandes, os ataques do demónio, as sextas-feiras. Aceitai tudo, é pelas almas, é uma prova do meu amor.
Veio Jesus, e, por Sua grande misericórdia, só um pedaço depois de O ter recebido é que me lembrei da triste cena que com o demónio tinha passado, e logo de novo continuou essa dor juntamente às dores horríveis da minha cabeça, causada pelos espinhos. Sentia-a toda cercada deles e bem profundos. O sangue, que dela corria, ou antes, que eu sentia como se ele corresse, passava-me aos lábios, sufocava-me, por vezes perdia a respiração. Logo que cheguei ao calvário, cravaram-me na cruz. Era tal a violência que sentia fazerem-me ao meu corpo, parecia-me os ombros deslocarem-se do corpo. O sangue das chagas corria a jorros, banhava o pé da cruz e corria pelo chão. A Mãezinha, ao pé, unia à minha a sua agonia. Abandonada, completamente abandonada, ia a expirar. Veio Jesus. Senti-O entrar no meu coração e nele se sentar ainda antes de O ouvir. Sentou-se e, como para descansar, inclinou nele a Sua santíssima cabeça e disse:
— Minha filha, desce o amor à dor, a luz à noite, à escuridão, às densas trevas. Dor, noite, escuridão e densas trevas permitidas por mim. É o remédio, é a medicina das almas. Aqui posso descansar, aqui não pode o mundo ferir o meu divino coração, aqui recebo tudo, tudo o que pode dar uma criatura ao seu Deus; aqui consolo-me, delicio-me.

(Beata Alexandrina : Sentimentos da alma, 23 de Fevereiro de 1945 – Sexta-Feira)

sexta-feira, abril 13, 2012

Ó DOR, EU AMO-TE !

Falar dela por obediência…

Custa-me tanto falar da dor! É tão grande o meu sacrifício! Se eu pudesse encobrir as minhas amarguras!
— Meu Deus, não me deixes, tenho de obedecer, tenho de falar dela; é a dor a minha vida contínua.
Sofro de dia, sofro de noite, sofro a toda a hora e momento. Sinto-me rolar pela terra; rolo, corro mundo sem parar, e é a dor que me obriga. Rasga-se-me o coração e a alma e todo o ser. Sinto que um mundo de feras cai sobre mim, todas com trombas como elefantes, que penetram no meu corpo, me chupam todo o meu sangue; estou esgotadíssima, não tenho mais para lhes dar. De boa vontade eu mesma lhes abro as veias para elas chuparem. Mas, pobre de mim, estou como um rio que secou, e só se encontram nele areias espessas e ressequidas.
— Ai, meu Jesus, que hei-de eu fazer mais por Vós? Que mais hei-de fazer pelas almas? Ai, o mundo que não vê, e eu não tenho luz para lhe dar. Ai de tantas almas que têm sede, e eu não posso saciá-la. Deixai-as, meu bom Jesus, fazei que elas entrem todas no Vosso Divino Coração: aí encontram luz, nele podem saciar-se. De Vós podem receber toda a vida que necessitam e que eu não tenho para lhes dar.
A minha preocupação é Jesus, a minha preocupação são as almas.
— Ó dor, triste dor, eu quero-te, eu amo-te; vens de Jesus, beijo-te, abraço-te, sorrio-te de alma e coração. Mas, meu Deus, como viver esmagada debaixo deste peso universal?
Os olhos do meu corpo não podem ver o sol que com os seus raios teima entrar pela janela e vir até junto do meu quarto. Os meus olhos não podem vê-lo nem o meu espírito recordar que ele existe, porque os olhos da minha alma só vêem noite, tremenda noite dentro e fora de mim. Os meus ouvidos não podem ouvir os gorjeios das avezinhas que, com os seus trinados, fazem lembrar a primavera que se aproxima. Não posso ouvir o mar com o seu barulho estrondoso, porque o mar sem fim, ameaçador, sempre ameaçador, com ameaças destruidoras, está sem pré sobre a minha alma. Tudo isto me faz lembrar a grandeza e o poder do meu Deus e obriga-me a entrar dentro de mim, a viver dentro em mim, a não sair fora de mim, juntando Jesus com Sua grandeza, com o Seu poder, com o Seu amor à amargura, à dor, à noite da minha alma.
*****
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 26 de Fevereiro de 1945)

É A GRANDEZA SOBRE O NADA

Jesus, não quero pecar

Vivo na presença do meu Deus sem O amar, sem O conhecer, sem nada Lhe dar. É a grandeza sobre o nada, é o fogo no gelo, a vida na morte. Jesus assim o quer.
— Ó vontade do meu Senhor, só a ti quero também.
Mais uma noite em que o demónio veio duas vezes, com os seus penosos e tremendos ataques. A princípio, lutei só com ele. Como demorasse a conseguir de mim o que desejava, disse-me que ia chamar mais demónios para satisfazer-me. Assim o fez: vieram mais. Combati por muito tempo ainda. Nova ameaça:
— Não vais ao prazer por tua vontade, convido mais para te levarem ao pecado, ao crime.
Tudo isto era acompanhado de palavras e nomes horrorosos. Pobre de mim. O suor escorria-me, o coração palpitava aflitivamente. Só depois do mal feito, ou que a mim me pareceu que foi mal feito, coberta duma dor sem igual, bradei, afirmei:
— Valei-me, Jesus, não quero pecar.
Era impossível eu mover uma aresta. Meu Deus, que posição violenta! Ouvi Jesus que falava a meu lado, enquanto eu estava sobre um abismo cercado em toda a volta dum enleio de espinhos. Vi-os claramente, porque, por entre os espinhos, brilhava mais branca que a neve não sei o que era, pareciam pedacinhos de nuvens; com a sua alvura, brilhavam e apareciam os espinhos agudíssimos, enleados uns nos outros. Era tão grande o abismo, não tinha fundo. Era negro, negro, assustador. Só me encantavam os espinhos com a alvura daqueles pedacinhos brancos. Quando Jesus chamava: “anjo, meu querido anjo, anjo da minha esposa e vítima, leva-a ao seu lugar, com todo o amor e carinho”, no mesmo instante tomei a minha posição, fiquei nas minhas almofadas. Principiei a ver o fundo do abismo que vinha subindo, subindo quase até cima como se fosse uma enchente de água. Jesus cobriu-me de carícias e disse-me:
— Não pecaste, não pecaste, minha amada.

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 26 de Fevereiro de 1945)

OU SOFRER OU MORRER !

Seja feita a Vossa vontade

— Minha filha, a tua reparação, as raízes fortíssimas do teu amor arrancam deste medonho abismo as raízes do pecado das almas que nele estão. Vêm subindo para mim, embora caiam, não voltam a cair tão fundo, caem para se levantarem e, a pouco e pouco, ficarão firmes. Coragem, filhinha! Não tens nisto consolação?
— Meu Jesus, não tenho outra senão a de Vos ter consolado. E Vós estais?
— Muito, muito, minha pomba bela. Espremo, espremo o meu cachinho de uvas, consolo-me, delicio-me nos preciosos licores que ele me dá. Chupo tudo para minha consolação e alegria, tudo aproveito para as almas. É por isso que não te dou alegria nem consolação com a presença daqueles que ta podiam dar, privando-os a eles de se consolarem e alegrarem de te verem alegre e consolada.
— Obrigada, meu Jesus, seja feita a Vossa vontade.
Horas depois, voltou o demónio, principiou com as mesmas manhas e actos feios. Logo que o pressenti, ofereci-o a Jesus em reparação pelas almas que Ele me pediu. Fi-lo depressa, enquanto o maldito mo deixava fazer. Quase nos mesmos momentos, dizia:
— Jesus, Jesus, não quero pecar.
No mesmo instante, repetia em mim sem eu querer:
— Quero, quero pecar, quero o prazer, quero gozar.
Imediatamente, voltava a dizer:
— Jesus, Mãezinha, valei-me, não quero ofender-Vos.
Logo repetia, sem minha vontade:
— Quero ofender-Vos o mais gravemente.
Pobre de mim, parecia-me estar toda, toda entregue a Satanás, toda em ânsias de satisfazer paixões. O meu coração já não podia com tanta luta. O meu corpo não era cinza, não era outra coisa a não ser dor, dor que só pode ser conhecida por quem a experimentar. Parecia-me que o demónio tinha realizado os seus desejos. Voltei a chamar por Jesus. O maldito dizia-me:
— Chama-O agora, depois de satisfeita, depois de teres pecado.
Veio Jesus, colocou-se ao meu lado, não fez outra coisa senão levantar a sua bendita mão à frente de Satanás; deu-lhe sinal de paragem, e, imediatamente, cessou o ataque, e o maldito fugiu.
— Ó meu Jesus, em que agonia me preparei para Vos receber. Que grande confusão a minha. Que vergonha ao dar-Vos entrada no meu coração. Não posso pensar na Vossa bondade infinita.
Durante o dia, surgiram-me espinhos dum lado e do outro. De boa vontade, sem tentar desviá-los, com os olhos em Vós e por amor às almas, todos deixei cravarem-se em meu coração. Ou sofrer ou morrer. Se não consolo o meu Jesus, se não salvo almas, que estou aqui a fazer, para que serve a minha vida? Para nada, nada.
*****
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 26 de Fevereiro de 1945)

quinta-feira, abril 12, 2012

A VIAGEM DE DEOLINDA

O demónio afirmava-me ter havido desastre na viagem

De manhã cedo, comecei a sentir a minha alma atormentada pela dor que me causava a viagem que a Deolinda ia fazer. Ia com pessoas que tanto estimava e visitar pessoas que tanto amava. Fazia muito gosto que ela fosse, mas gostava de eu ir também. Ofereci a Nosso Senhor o sacrifício de não manifestar os sentimentos que me iam na alma. Mas, por fim, não fui capaz de me vencer, mostrei a minha pena e saudade. Fiquei na minha cruz, aumentada pela preocupação do que se passaria na viagem pela fraqueza da minha irmã, e que correria mal a viagem para todos, e pelo paizinho que eu esperava fossem visitar, o que teria dado a ele um grande gosto, coisa que se não pôde realizar. Senti-me também mais pequenina por ver que pessoas de respeito tanto se incomodavam por nós. Este sentimento persegue-me nestes dias, sentindo cada vez a minha indignidade diante de qualquer pessoa que me vem visitar. Na noite deste mesmo dia, sofria amarguradamente as consequências daquela tarde. Sem querer, recordava o que se tinha passado. Nem ao menos Jesus deixou a minha alma sentir o conforto da confissão. Oh! Não. O bondoso sacerdote não me deu conforto; já não foi a primeira vez. Vejo que Jesus até isso tirou para Ele. Anseio sempre a visita do confessor para mais purificar a minha alma e depois confessar-me. Meu Deus, que amargura! Amargura, sim, grande, muito grande, mas estava em paz, tinha a tranquilidade da alma, porque não menti nem pensei em enganar.
— Aceitai, Jesus, a minha amargura; eu quero-a, eu amo-a, porque Vos amo e amo as almas.
Estavam duas noites em contacto uma com a outra: a noite que ia lá fora e a noite dentro de mim. O demónio afirmava-me ter havido desastre na viagem dos que eram tão queridos. É o pai da mentira, queria atormentar-me. Pouco depois, acabavam de chegar. A alegria não foi para mim, Jesus não permitiu que eu a sentisse. Estive algum tempo com o santo sacerdote que veio para dar luz à minha alma e tirar-me das minhas dúvidas. Parecia-me mentira ele estar junto de mim; sentia-o a uma distância tão longe que nada havia que pudesse alcançá-lo. O seu rosto parecia-me apenas uma casca de ovo.

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 22 de Fevereiro de 1945)

HEI-DE LEVAR-TE AO PRAZER !

Já que eu não basto, chamo a minha tropa

— Ó meu Deus, como são variados os Vossos sofrimentos.
Ia alta a noite, eu estava sozinha, veio o demónio, insultou-me, convidou-me ao mal, à carne, ao prazer. Lutei tanto, tanto, estava num banho de suor. O coração de momento para momento parecia perder a vida. O maldito, sem conseguir de mim o que desejava, disse-me:
— Hei-de levar-te ao prazer. Já que eu não basto, chamo a minha tropa. Vêm já, eu sou chefe de comando.
Chamou pelos camaradas: principiaram a subir dum profundo abismo por entre chamas muitos demónios em forma de esqueletos. A minha aflição era grande, temia que fossem ouvidos os meus gemidos. O maldito dizia-me:
— Caladinha, que não venha aqui aquele fulano - e chamou um nome feio ao santo sacerdote – Desde que me satisfizer em ti, vou matá-lo, vai morrer debaixo do meu pé, ao fio da minha espada.
Eu estava sobre abismos assustadores. Meu Jesus, que escuridão! Só de longe a longe caíam sobre eles umas folhas brancas que mais faziam mostrar os seus horrores, as suas negras trevas. Ou porque os demónios se satisfizessem de me atormentar, ou porque Nosso Senhor assim o permitisse, deixaram-me. Já não podia mais; era tão violenta a minha posição! O que fazer, se eu não podia mover-me? Triste, muito triste, na dúvida de ter pecado, clamei, clamei por Jesus. Enquanto isto fazia, corriam os demónios, virados ao quarto do bondoso sacerdote, dizendo-me, já de longe, que o iam matar. Levavam nas mãos espadas, ou não sei o quê. Ainda com esta visão, ouvi Jesus dizer:
— Anda, meu anjo, desempenhar a tua missão.
Fiquei logo direitinha nas minhas almofadas. Jesus disse-me então:
— Não pecaste, minha filha, coragem. Viste as pétalas brancas que sobre os abismos caíam? São pétalas da tua reparação. Com a sua alvura, iluminam as almas que neles estão, atraem-nas a si e vêm ao meu Divino Coração.
Mais confortada com Jesus, o ferimento de todo aquele passado continuou a causar-me imensa dor. Não tinha susto que os demónios tivessem feito a morte que tinham dito. Só de manhã, como achava que ele estava muito em silêncio, veio-me o temor que ele estivesse morto. Nosso Senhor nada disso tinha permitido. Recebi o meu Jesus, desprendida d’Ele, despreocupada, só de momentos a momentos é que Lhe dizia:
— Ó meu Jesus, como eu estou, não Vos amo, não Vos dei graças. Perdoai-me, tende dó de mim.
Veio o sacerdote para falarmos das coisas da minha alma, e eu continuei a sentir-me longe, sempre longe, mergulhada num mar de dores na alma e no corpo. De vez em quando, sentia dentro de mim estremeções, horrores, grande repugnância por ter de dizer o que se passava em mim, por me sentir pequenina e miserável, tímida e envergonhada diante das pessoas queridas, por não compreender a minha vida e não amar Jesus, e atormentada a mais não poder com a lembrança de ser quinta-feira. Oh! se desaparecessem estes dias – dizia eu. Sinto que se aproximam de mim todos, todos os sofrimentos e que estão a armarem-se laços para me prenderem. Era já noite, e eu sentia na minha alma a intimidade dos que me eram tão queridos, dos que junto a mim estavam reunidos. Tinha de deixá-los, tinha de partir para o céu, mas de alguma forma ficar entre eles, não me separar deles. Ó sofrimento amado, quem te compreenderá?!

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 22 de Fevereiro de 1945)

QUANTAS LÁGRIMAS ESCONDIDAS

Uniram-se os nossos corações na mesma dor.

— Quanto sofro, meu Jesus. Sede a minha força. Só Vós sabeis o sacrifício que faço para ditar o que em mim se passa. Este esforço parece arrancar-me tudo o que tenho dentro em mim. Servi-Vos dele para arrancardes ao demónio todas as almas. Faço sacrifício por não poder e faço-o por revelar os segredos da minha alma. Gosto tanto de sofrer sozinha, em silêncio, encobrindo o mais possível as minhas mágoas. Ó meu Jesus, quanta dor abafada, quantas lágrimas escondidas. Perdoai-me a minha falta de eu hoje exclamar: “ó meu Jesus, não acabam as sextas-feiras! Se eu pudesse fugir delas e esconder-me, para não passarem por mim!” A Vossa bondade, Senhor, o Vosso amor, meu Jesus.
Logo de manhã cedo, senti tão maltratado o meu coração; a dor, as humilhações espremiam-me, já não tinha sangue para dar ao corpo. Senti o caminho do meu calvário, saiu-me ao encontro a Mãezinha; fitou-me, eu fitei-a a Ela. Uniram-se os nossos corações na mesma dor. A troca dos nossos olhares não se demoraram, tive de caminhar à frente, maltratada, empurrada, arrastada. Mas a dor dos nossos corações não se separou. Era como que dois fios eléctricos que dão ligação um para o outro. Quase logo que cheguei ao calvário, fui cravada na cruz. Que grande tempo de agonia. O sangue corria, as chagas rasgavam-se cada vez mais. As lágrimas da Mãezinha corriam em meu coração. Ela era um farol para mim e eu outro para Ela, farol que dava luz para descobrir todos os nossos sofrimentos. Ainda sem ter expirado, senti que me rasgaram o coração. Essa dor antecipou-se, porque, depois de morrer, não a podia sentir. Quando assim sentia o coração, lancei um olhar ao mundo e disse-lhe:
— É por ti que estou assim.
Veio então o meu Jesus. Senti a entrada d’Ele em meu coração. Sentou-se e inclinou-se a mim e disse-me:
— Minha filha, loucura de amor pelas almas, loucura de amor por mim. És louca pelas almas à minha semelhança. Assemelhei o teu calvário ao meu. A tua vida é vida de Cristo, vive Cristo transformado em ti. Sobes o calvário, porque não posso subi-lo eu agora. Levas a cruz, porque não posso levá-la eu também. És o cordeirinho sacrificado e imolado, dás a vida na maior das agonias, porque agora não posso eu sofrer assim. É revestida de mim que sofres, é comigo que levas a cruz, é comigo que nela expirarás.

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 16 de Fevereiro de 1945)