sexta-feira, abril 30, 2021

DÁ-ME AS TUAS MÃOS

Vem para a barquinha do Meu Coração Divino

Espinhos, sempre espinhos a penetrarem-me, a ferirem-me: é sempre a mesma vida. O meu calvário é só dor, só dor.


— Meu Deus, chegarei ao fim? Creio, creio e só em Vós confio.

Se esta minha palavra de “creio” fosse sentida, se, quando digo a Jesus que confio, soubesse que confiava, todo o meu calvário era suavizado.

— Oh! Não, meu Deus, não! Nada sinto, e parece que nada acredito! Este tormento de mentir aos outros e mentir a mim mesma e sobretudo a Vós, meu Sumo Bem, quanto me custa, quanto me custa!... Só vós o sabeis! Bendito sejais!

Envergonha-me ao máximo falar da minha cruz, sofrimento e calvário. É o meu pão. Outra massa não tenho; a dor, a dor… A minha loucura por Jesus, de O amar e de O fazer amado, de Lhe dar todas as almas, aumenta de dia para dia. Não tenho a mínima consolação nesta loucura, mas consome-me e nela me perco. É tal o abismo que desapareço. Mas a humilhação por as almas me rodearem envergonha-me de tal forma que também me faz desaparecer. Fica só a existir a minha miséria.

O meu sepulcro cá está na superfície da terra. Verdejam e vicejam flores à sua volta. Sinto e com os olhos da alma vejo que há quem cuide delas, mas não sei quem é. Eu, no meu ofício rude e penoso de cavador, continuo na mesma canseira, parecendo ter mundos e mundos sobre mim, tal é a profundidade em que trabalho. Os suores regam a alma e o corpo. A noite, as trevas aterradoras, a inutilidade e a morte caíram sobre tudo isto. Não vi, não vejo, não sou nada e nada tenho que dar ao meu Jesus. O meu brado não chega até Ele. As minhas lágrimas não O consolam. Ah! Se Jesus saboreasse em mim alguma coisa, não me importava sofrer. Assim também não me importo. Com o sentimento completo pelo abandono da terra a Ele me abandonei pela Mãezinha.

— Sou Vossa, sou Vossa, sempre a Vossa vítima. Ó Jesus, eu creio, eu creio!

Ontem, no meu horto, não tive coragem de Lhe dizer o meu “creio”. Chorei, uni-me aos Seus sofrimentos. Hoje, numa indizível amargura na viagem para o Calvário, amargura tão triste e dolorosa que me obrigava as lágrimas a regarem-me a face. Pelo Céu e terra abandonada não deixei de chamar por Jesus, mas com tal desfalecimento que nunca Lhe repeti a palavra “creio”. Num momento inesperado, senti em mim um amor tão forte, amor que não era meu, mas nele me mergulhei. Não por mim, mas por força estranha que n’Ele me mergulhou. Após uns momentos de experimentar este amor, ouvi Jesus a dizer-me assim:

— Amor, amor, amor, minha filha, sou Eu o amor que te atrai, sou Eu o amor por quem vives, a quem só amas, por quem enlouqueceste. Tem coragem! A tua vida é a vida mais imitadora de Jesus. Por ti Me enlouqueci. A Mim te assemelhei. Não duvides, nada temas. Tu vives a minha vida, a minha vida comunicas. A tua morte ressuscita e dá a vida às almas, depois de iluminadas com a tua cegueira. As tuas densas trevas são a luz do mundo.

Eu não tive a visão de Jesus; nem os olhos da alma, nem os do corpo viram. Quando Ele assim falava, fiquei sem o mínimo bocadinho do Seu amor, envolta no mar mais tempestuoso; as ondas debatiam-se com a maior fúria, enrolando-me, levando-me à profundeza do mar que não tinha fim. Os ventos sopravam, novas ondas debatidas traziam-me à superfície da água. Sem ninguém por mim, julguei-me perdida. Veio Jesus novamente.

— Minha filha, ó minha filha, vem cá. Dá-me as tuas mãos. Vem para a barquinha do Meu Coração Divino. Por Mim és salva como foram os meus apóstolos. Este mar é o mar das paixões, esta fúria tempestuosa é a fúria louca dos vícios. Acode ao mundo! Sustenta o braço da justiça de meu Pai! Tenho tantos espinhos e punhais no meu Coração!... Queres que eles passem para ti, como as setas do Coração Imaculado de minha Mãe?

Ainda não tinha pronunciado a palavra “sim”, mas o meu coração estava ansioso por a pronunciar e já os espinhos da cabeça sacrossanta de Jesus se deslocavam por si para a minha cabeça e os punhais para o coração. Jesus deu-me as setas da querida Mãezinha que tinha em suas mãos e com muito cuidado nas espetou no coração, enquanto eu Lhe dizia:

— Tudo quanto quiserdes. Sou a Vossa vítima!

Tudo isto se passou dentro do Coração Divino de Jesus. A tempestade estava serena. Tudo isto foi visto com os olhos da minha alma e mais ainda a forma como Jesus passou o Sangue para o meu coração. Fez do Seu uma pequenina e bela infusinha que tombou sobre o meu coração, e a gotinha do sangue caiu.

— Recebe a gota do meu Divino Sangue, a vida que vives, a vida que comunicas a milhares e milhares de almas que se abeiram de ti. Tem coragem! Tem coragem! Tende coragem! Nenhuma alma sai daqui (foi esta a minha promessa e Eu não falto) que vá como veio. Quantas ressurreições, quantas ressurreições! Em algumas daquelas mais renitentes, que parece nada aproveitarem, levam o remorso. Elas não querem ceder. O seu orgulho não quer baixar, mas a graça lá fica para mais tarde. Eu não te abandono. Minha Bendita Mãe não te abandona. Confia! Não Nos perdeste. Quanto maior é o sentimento da perda, mais Nos possuis. Como abandonar-te a ti a quem confiei que continues a minha obra de salvação! A tua vida vai ser sempre assim até ao fim. Não quero dizer que ainda não te sejam dados momentos de alegria, mas não para tu os sentires.

Recebe as carícias da minha Bendita Mãe. O teu adeus não foi até ao Céu. Ela virá ainda ver-te na terra. Recebe as carícias de Jesus com as da Mãezinha com os Seus ósculos santíssimos que trazia em Suas santíssimas mãos.

Disse-Lhe o meu “obrigada” para Jesus e para a Mãezinha. Fiz-Lhes os meus pedidos, mas já no mar tempestuoso com a mesma fúria e sem a presença de Jesus. Já lá vão muitas horas, a tempestade continua; os seus espinhos e punhais e setas da Mãezinha continuam a estar presentes no coração e a virem novos espinhos constantemente. O Senhor seja bendito! (Sentimentos da alma: 30 de Abril de 1954 – Sexta-feira).

FILHINHA, ESTOU A DELICIAR-ME NA TUA DOR

— Ó meu Jesus, é bem doce sofrer por Vós


Como hei-de caminhar! Como hei-de vencer tão grande dor! Como hei-de suportar tão aterradoras trevas! Só Jesus poderá valer-me, só Ele pode aguentar o peso da minha cruz. Passo horas e horas num brado de socorro. Apavorada de horrores e trevas e sem conseguir um momento de conforto e a sentir a alma rasgar-se, despedaçar-se em dor. De longe a longe, Jesus vai dando à minha alma um pouquinho de suavidade, dizendo-me do íntimo do coração:

— Coragem, filhinha, cá estou eu a deliciar-me na tua dor. O teu Jesus não te falta com a sua graça e o seu conforto.

— Ó meu Jesus, é bem doce sofrer por Vós; é bem doce o Vosso conforto, mas tudo desaparece nas trevas, tudo passa como se não fosse para mim. Parece-me que Vós existis só para me condenares e não para me salvares. Não há para mim mimos do céu nem da terra; para mim tudo morreu, tudo desapareceu na negra escuridão da noite. É sempre noite, em todo o mundo noite. Sinto todo o mundo a tremer apavorado; lá se vai ele a mergulhar no abismo da perdição. Eu quero acudir-lhe, quero salvá-lo e não posso. Sinto a sua perda, mas não o vejo para o agarrar, não vejo as almas, não vejo as prisões, as trevas não me deixam. Meu Deus, perdi a luz, perdi a vida. Pobre do meu coração em dor e em ânsias: dor por Jesus ser ofendido, dor por as almas se perderem; ânsias de amar a Jesus, ânsias de O ver amado, ânsias de salvar as almas. Que fogo consumidor! Sinto o estalar do rochedo por onde o fogo vai penetrando. Mas ah! é impossível estas chamas incendiarem tudo. E eu só enrolada, mergulhada sempre na negrura mais aterradora. Quando mais não posso, levanto os olhos ao céu e digo:

— Meu Jesus, sei, acredito, confio que estais em mim e sabeis que só a Vós quero amar e não Vos quero ofender.

E, descendo para baixo, imagino ver toda a humanidade e digo-lhe:

— Ó mundo, quero salvar-te, por ti, pela tua entrega a Jesus, quero sofrer tudo.

Dito isto, fico de braços caídos, como se no meu corpo não existisse gota de sangue. Nada feito, do mundo nada consigo. A minha prece não chegou ao céu, Jesus não a ouviu. Mas ah! tenho aqui um coração que palpita por Ele e Ele bem o sabe. Confio, confio; é Jesus e a Mãezinha que vão vencer as minhas trevas. São Eles que vivem, são Eles que sofrem em mim. Os ceguinhos que não têm olhos no corpo também se salvam. Eu perdi a luz da minha alma, maior será a compaixão de Jesus. Hei-de salvar-me e com Jesus hei-de salvar muitas almas. O demónio rodeou-me tanto durante a noite! Não foi um, foram muitos. Assustava-me tanto pelas formas com que se apresentavam! Um deles tinha uma tão grande e tão feia, quase me tocava com ela. O meu corpo ficou como se fosse uma casa com janelas por todos os lados; estas todas fechadas, mas todas rodeadas por eles. São como feras que querem lançar-se à presa, são ladrões que querem assaltar a casa, assassinos que querem matar quem nela habita. Que olhares tão maliciosos! Que gestos de tanta maldade!

— Não pecarei eu, meu Jesus? Tirais disto alguma consolação para Vós, algum proveito para as almas? Sou a Vossa vítima, guardai para Vós o meu coração, o meu corpo e a minha alma. Tende dó de mim, meu Jesus.

Parece-me que em nada falei verdade. (Sentimentos da alma: 30 de Abril de 1945)


quinta-feira, abril 29, 2021

ACEITO TUDO POR JESUS E PELAS ALMAS

 — Ó minha violeta escondida


Não é só a ignorância. As dores do corpo não me deixam falar das dores da alma. Que tormento, que tormento! Vou abafando e guardando para mim tudo aquilo que Jesus conhece e aceito tudo pelo Seu amor e pelas almas. Não tenho fé, não tenho vida de Deus. Se eu tivesse asas para voar ou ao menos para me sustentar… assim, como não tenho, vou caminhando sobre o ar, sem ter a que me agarrar. Lá vou de mundo em mundo, de abismo em abismo nestas trevas mais que pavorosas. Como a minha alma, aqui, exigia expandir-se e dizer muito! Minha alma, minha alma!... parece-me que não tenho alma, sem ter ninguém que me acuda! Vou sofrendo, sofrendo e repetindo o meu “creio”. Não há Horto, não há Calvário para mim. Meu Deus, como eu compartilhei de todos estes sofrimentos, e agora nada compartilho! A perda de Jesus, a perda da Mãezinha!... Meu Deus, eu creio!... e nos mundos, nos abismos das minhas trevas, hei-de chamar-Vos, hei-de bradar e bradar sempre. E assim o fiz, num abismo sem fundo. Chamei, chamei e repeti o meu “creio”. Lá veio Jesus. A Sua voz divina levantou-me do abismo.

— Vem, minha esposa amada. Vem, encanto do Paraíso. O Senhor baixou e penetrou em ti os Seus olhares. O Senhor baixou e escolheu-te, preparou-te para a mais sublime missão. Levanta-te, levanta-te desse teu abismo. Esta tua reparação é para arrancar do abismo do pecado, do abismo da perdição, tantas, tantas almas, o maior número de almas. Coragem, fá-las subir, deixarem a lama para, brancas, brancas como a neve, subirem pelos teus sofrimentos numa ascensão gloriosa para Mim.

— Ó Jesus, eu com certeza ofendo-Vos nesta vida sem fé, sem guia, sem amparo, sem luz. Como hei-de assim reparar? Como hei-de assim dar-Vos as almas?

— Coragem, minha filha, coragem! A tua fé é inabalável. Estás mais firme do que a rocha. É certo que Eu quero que sejas amparada por aqueles que eu coloquei no teu caminho. Eu quero, Eu quero e exijo que te seja dado aquele que Eu escolhi para amparar e guiar para Mim a tua alma. Fui Eu, fui Eu, foi a escolha minha. Ó minha filha, ó minha filha, como Eu sofro!... Oh! Com que dor Eu pedi e continuo a pedir. Principie, principie, principie a Igreja! Oh! O que se passa na Igreja! Avante, avante, Chefes da Igreja! Não descanseis na Vossa luta, na Vossa vigilância! O mundo, ai do mundo, se não arrepia caminho!...

Vi com os olhos da alma os maus-tratos dados a Jesus. Os Seus vestidos rasgados, o peito aberto, o Seu Coração Divino rasgado de cima a baixo, todo em sangue, todo em sangue, em atitude de quem contempla o mundo, derramava lágrimas sobre ele. Numa dor angustiosa quis curar-Lhe o Seu Divino Coração e enxugar-Lhe as Suas lágrimas. O meu pobre coração de gelo incendiou-se e foi com esse fogo que procurei curar tal ferida, enxugar lágrimas tão dolorosas. Ó Jesus, quisera dar-Vos tudo, toda a consolação, todas as almas e não tenho nada e nada posso. Jesus, mais sorridente, depois de receber o fogo do meu coração, continuou:

— Ó minha violeta escondida, o teu amor é puro, o teu amor é santo e santa é a tua reparação. É a afirmação do que não engana, é a afirmação do teu Esposo Jesus. Recebe a gota do meu Divino Sangue. Repara com ela tanta vida consumida pela dor. Coragem! Coragem! Tu és o cofre de Jesus, a depositária de todas as riquezas celestes. Enriquece as almas, enriquece as almas. Salva o mundo que é teu. Repete o teu “creio”. Confia! Confia!

Ficai comigo, Jesus, atendei os meus pedidos. Bem sabeis que em todos eles está a Vossa glória e a salvação das almas. Não tenho outro fim. Sou a Vossa vítima. (Sentimentos da alma: 29 de Abril de 1955 – Sexta-feira).

PARA ONDE CAMINHO, SENHOR?

 Neste caminho vem ao meu encontro a mulher querida

– Para onde caminho, Senhor? Que será de mim, meu Jesus?


Tudo é medo, tudo é pavor. Caminho apressadamente por entre ruas escuras e estreitas. Caio desfalecida, esmaga-me o peso das humilhações. Sou arrastada por duas cordas. Sinto o meu rosto por terra, as faces muito feridas. A dor dos agudos espinhos vem penetrar-me até ao coração; dor que parece dar-me a morte. Sinto os joelhos, os ombros e mais partes do corpo em dolorosas chagas. Envergonhada de tanta curiosidade, na tristeza mais profunda que se pode imaginar, a custo vou caminhando, caindo repetidas vezes. Neste caminho vem ao meu encontro a mulher, a mulher querida, compadecida da minha dor. Com que ternura e amor limpa do meu rosto o suor, o sangue e o pó. Os laços da mais estreita amizade prendem os nossos corações. É indizível o que queria dizer dela, os louvores que queria dar-lhe. Oh! como queria que ela fosse falada por este acto tão heróico. No alto da montanha, que desespero sinto em mim, é desespero de amor. Tudo me causa horror: a morte, a morte, o abandono, ó meu Deus. De joelhos, levanto os olhos para o Eterno Pai, dou-Lhe o meu sinal de aceitação a tudo. Baixo os olhos, entro em mim e num abraço mais íntimo estreito tudo ao meu coração. Entrego-me à morte. Os algozes continuam o seu bárbaro papel. Quadro horroroso! Que nojo e vergonha de mim mesma. O meu corpo e a minha alma a desfazerem-se em lepra. Espero a minha hora.

Passei da dor ao amor, do calvário, da cruz ao Tabor. Principiei a sentir o amor de Jesus fortemente no meu peito e no coração e a Sua divina presença em mim; e logo ouvi a Sua voz, doce e suave:

– Vem o céu a prestar homenagens ao Rei do céu, à rainha da terra no seu encontro demorado. Era meu desejo, minha amada, minha pomba querida, que o mundo conhecesse a forma como me dou à minha esposa, à alma virgem. Queria que o mundo conhecesse e compreendesse este amor: o amor com que te amo, o amor com que me amas a mim, o amor às almas, o amor à cruz. Era meu desejo, grande desejo que o mundo conhecesse a tua vida, vida do amor mais puro, vida de heroicidade, vida de heroísmos com toda a abundância. A tua vida é um painel riquíssimo onde está retratada a vida divina, a vida mais completa de Cristo crucificado. Os homens, os homens, minha filha, opõem barreiras escandalosas a esta vida que eu desejava fosse conhecida para glória minha e bem das almas.

– Ó meu Jesus, por eu não ter querer quero o que Vós quereis; se assim não fora, queria viver escondida, viver como se não vivesse, viver como se nunca tivesse existido, contanto que Vos amasse e as almas fossem salvas. Mas, se assim o quereis, o remédio está nas Vossas divinas mãos; fazei que os homens procedam doutra maneira.

– Não, não, minha amada querida, não é assim.

– Perdoai-me então, meu Jesus, perdoai-me, se Vos ofendi.

– Sossega, não me desgostaste. Onde estão as graças que lhes dei? Não se utilizaram delas, desprezaram-nas, calcaram-nas a seus pés. Utilizaram-se da sua vontade própria, do seu orgulho, dos seus juízos, das falsas luzes. Que mágoa para o meu divino coração. Coragem, filhinha, vence a minha divina causa e com ela vencem os que por ela lutam. Tu és o verdadeiro caminho, estrada de oiro, estrada real, cercado de um lado e do outro das pedras mais preciosas, das maravilhas do Senhor. Felizes almas, felizes pecadores que nela entrarem que vão a porto de salvação. Os teus olhares, os teus carinhos, as tuas ternuras, tudo leva ao céu. São olhares, ternuras e carinhos atraentes que atraem a ti as almas. Por ti vêm a mim. Vais agora, minha filha, receber a vida divina, a vida que te alimenta e dá vida, a vida que dás às almas. Vais receber o meu divino sangue.

Jesus uniu o Seu divino Coração ao meu assim como o Seu santíssimo rosto e lábios se uniram aos meus. O meu coração parecia-me estar colado ao de Jesus e do Seu Coração divino passava para o meu sangue. Sentia o meu a dilatar-se, a dilatar-se, era grande, muito grande. Sentia também receber vida dos lábios de Jesus para os meus. Ele cobria-me de carícias e dizia-me:

– Dou-te o meu sangue, a minha vida por onde eu quero e como quero.

Esta união foi demorada. Depois de algum tempo, Jesus chamou:

– Vem, minha Mãe, minha bendita Mãe, dá a tua vida celeste, dá as tuas graças e riquezas a esta minha filha e esposa e também tua filhinha querida.

Jesus desuniu de mim o Seu santíssimo rosto e lábios, mas deixou sempre ligado o Seu divino Coração. Tomou a Mãezinha o lugar de Jesus; uniu o seu santíssimo rosto ao meu, estreitava-me, cobria-me das suas carícias e bafejava-me com tanta doçura. Senti que d’Ela recebi muita vida, e dizia-me:

– Minha filha, esposa do meu Jesus, tabernáculo do meu Jesus, sacrário do meu Jesus, onde Ele habita sempre, sempre.

E Jesus dizia-lhe:

– Dá-lhe, minha Mãe, as riquezas do céu, dá-lhe todo o teu amor. Ao menos tu e eu a darmos-lhe a sentir o nosso amor e consolação, já que das criaturas, a quem ela ama e que estão a seu lado, não recebe consolação, não sente que elas a amam e até delas tem medo. Tirei-lhe tudo, tudo, tirei-lhe para minha glória, tirei-lhe para a salvação das almas, tirei-lhe para abrilhantar a escora que sustenta o braço do meu Eterno Pai, para ela, ao ver tal brilho, tais encantos, se esqueça do seu poder e use de misericórdia, só de misericórdia para o mundo. Tirei-lhe tudo, espremi-a, espremi-a, dela consegui os licores deliciosos.

– Desprende-te de nós, minha filha, vai para a tua cruz, para a tua vida de amor.

O meu coração estava cheio, cheio; Jesus fechou-o para não sair dele o sangue, e disse:

– Este é o sangue que germina, gera e dá a vida às virgens como tu.

– Obrigada, meu Jesus, obrigada, Mãezinha. Custa-me tanto desprender-me de Vós, sair deste amor! Sim, por Vosso amor desprendo-me, mas antes dai-me este amor para dar às almas que eu amo e me são tão queridas; dai-mo para eu dar a todos os meus, dai-mo para eu dar àquela alma que está em perigo e por quem Vos ofereci hoje os meus sofrimentos. Quero que ela se salve e como sinal disso não quero que morra sem todos os sacramentos. Dai-mo para eu dar às almas que tanto me fazem sofrer, para que Vos conheçam melhor e Vos amem cada vez mais. Dai-mo para dar ao mundo inteiro, para que ele seja salvo.

– Vai, ó nova redentora, salvadora dos pecadores, vai, obedece, escreve tudo, faz esse sacrifício, dá o nosso amor como desejas, com toda a abundância.

– Obrigada, Jesus e Mãezinha, obrigada sempre na terra e no céu.

Voltei à minha cruz, ao mar imenso das minhas dores. Já lá vão algumas horas e o meu coração ainda arde como uma grande fornalha.

– Bendito seja Jesus e o Seu amor. (Sentimentos da alma: 19 de Janeiro de 1945 – Sexta-feira)

quarta-feira, abril 28, 2021

JESUS, ONDE ESTAIS?

 JESUS, VENHO AO VOSSO ENCONTRO

Jesus, venho ao vosso encontro. Onde estais vós? Não poderei encontrar-vos? Ouvi ao menos as minhas mágoas. Se vós me faltais, não tenho ninguém. Vistes-me na manhã de hoje orava na cruz convosco em tão grande agonia, com os olhos levantados para o Céu que senti e vi desaparecer sem a mais pequenina esperança de voltar a vê-lo e de nele poder entrar? Que tristeza a minha de ver tudo perdido e sem remédio! Uma vez descida da cruz, principiei a subir o calvário. Ia tão fraca! Caminhava quase com o rosto em terra; aqui e além caía, feria-me dolorosamente: ficava em sangue. Que medo, que pavor até, ao recordar-me que em pouco ia ser crucificada sem auxílio nenhum da terra. Valeu-me o vosso divino amor; viestes vós ao meu encontro.


— Minha filha, faltam-te as forças humanas; tem coragem, nunca te faltarão as forças divinas. O calvário é o caminho dos meus eleitos, o calvário é o caminho das minhas esposas, o calvário é o caminho das minhas crucificadas. É pelo calvário que eu dou o perdão aos pecadores, é pelo calvário que eu dou amor aos corações. Ânimo, ânimo, minha louquinha, a tua Mãezinha e o teu Paizinho acompanham-te, auxiliam-te numa união íntima.

― Obrigada, meu Jesus.

Animada com as vossas doces palavras fui para o Horto. Nunca vos encontrei, mas a vossa força divina venceu em mim. Senti ; logo no princípio o descaramento com que os soldados se apresentariam no Horto para a prisão. Senti que à frente viria Judas com todo o veneno em seus lábios. Senti no meu corpo os pontapés que um pouco mais tarde, quando me arrastassem pelas cordas, me haviam de dar. Tive no meu coração os Vossos sentimentos, quando víeis à vossa frente todos os pecados e crimes do mundo. Se com todos estes sofrimentos todas as almas se salvassem! Mas ai, quantos ainda se perdem não se aproveitando do meu sofrer. O Jesus, senti o meu corpo banhar-se em sangue, ficando os vestidos pegados a ele e pegados à terra. Mas mais, muito mais ainda sofreu o vosso corpo delicado e divino. Na flagelação e coroação de espinhos velastes sempre por mim. Ao abrigo e amparo de um amor santo e puro, senti inebriar-se-me a alma e numa suavidade e paz descansei por algum tempo.

Veio depois a Mãezinha tomar-me em seu regaço, apertou-me em seus braços, acariciou-me. Com tudo isto, tive muitas vezes que chamar por Vós e por Ela. Assustada com a tristeza e abandono, desfalecida a mais não poder, não tinha forças para caminhar. Sempre em vão invocava o Céu; o abandono era total, tinha que ser sozinha que eu agonizava na cruz. Nessa dolorosa agonia cravou-se-me no coração uma lança; tinha que sentir toda aquela dor ainda antes de expirar. Pobre de mim, pobre da Humanidade que não conhece quanto sofrestes, ó Jesus!

Terminada a crucifixão continuei a viver aparentemente sozinha. Ia recordando a retirada que me fizeram do meu Paizinho espiritual. Mais uma prova do vosso infinito amor, meu Jesus. Fizestes que o Sr. Doutor não só cuidasse de suavizar as dores do meu corpo, mas também que suavizasse a dor dolorosa e profunda da minha alma. Vós que tudo conheceis, serviste-vos dele para preparardes o meu coração para receber a último golpe. Obrigada, meu Jesus; outra coisa não sei dizer. Deixai-me repetir convosco: A minha alma está triste até à morte. Perdi a luz, perdi tudo. A tua bênção e o teu perdão, meu Amor. (Sentimentos da alma: 20 de Fevereiro de 1942).

EXISTIRÁ ALEGRIA NO MUNDO?

Tenho medo de mim mesma!

Existirá alegria no mundo? Em algum dia da minha vida, por acaso conheceria eu o que era alegria? Se alguma vez a experimentei, morreu para mim de tal forma como se nunca a conhecesse. O pensamento de aceitar e cumprir do coração e da alma a vontade de Jesus dá-me um pouco de alento. Mas logo este pensamento me aflige: estou eu a cumprir a vontade do Senhor? E daqui grandes agonias e tristezas para a minha alma. Estou esmagada entre o céu e a terra, toda transformada e embebida em trevas. Tremendo horror, meu Jesus! Tenho medo de mim mesma.


Quem poderá aguentar tanta aflição a não ser Jesus? Quem poderá viver e caminhar por tão negra escuridão a não ser com os olhares de Jesus? Morro, morro, meu Deus, morro despedaçada, esmigalhada na tremenda noite. O meu coração, tão oprimido pela dor, faísca raios de lume. Esses pedacinhos de raios, que eu sinto e vejo sair dele, espalham-se pelo mundo; todo ele é fogo. Queria ver estes raios irem ferir todos os corações, e este fogo, que do meu sai, incendiar a todos, para que só no mundo existisse o fogo do amor de Jesus. Quero gritar e gritar sempre, enquanto viver neste exílio. Custe o que custar, esteja nas trevas que estiver, abandonada em tudo e de todos, gritarei sem cessar: quero amar Jesus, quero consolá-Lo, salvar-Lhe as almas, dar-Lhe o mundo inteiro. Não sei dizer a Jesus, não sei pedir-Lhe meios para O alegrar, meios para melhor salvar as almas.

— Jesus, bem vedes o que o meu coração quer. Só por Vós e aceito a cruz.

Que alívio para a minha alma, que conforto para o meu coração, se eu pudesse dizer a minha dor, não para que saibam quanto sofro e vejam as ânsias do meu coração, mas para glória do meu Deus e bem de toda a humanidade. Não sou eu quem sofre, não sou eu quem resiste à dor, mas sim Jesus, só Jesus, que sofre pelos filhos Seus. Para mim era impossível suportar tão grande martírio. E o demónio aumenta-mo. Que fúria a sua, que maldade sem igual! Que tristeza não poder fazer que todas as almas a conheçam, para não se deixarem guiar por ele. Dizia-me hoje num penoso combate, quando eu clamava pelo meu Jesus.

— Não pronuncies esse nome, somos inimigos odiosos. Ele odeia-me a mim e eu a Ele. Diz comigo que O odeias e que O não queres. Comigo tens o gozo e o prazer nesta vida e uma eternidade feliz. Com Ele sofres aqui e lá. Estou a pecar contigo, levo-te ao prazer para O ofenderes gravemente. Diz comigo que queres pecar, que queres ofendê-Lo.

Como eu, sempre que podia, chamava por Jesus e Lhe renovava a oferta de vítima e Lhe dizia não querer pecar, ele, enraivecido, insultava-me, tentava escarrar-me até dentro da boca e procurava novos meios maliciosos. Que tristeza, meu Deus, que aflição a minha! Ao terminar da luta, o meu coração parecia rebentar, o meu corpo estava banhado em suor, e os meus olhos tentavam desfazer-se em copiosas lágrimas. Triste e mais do que envergonhada, fitei Jesus na cruz sem poder dizer palavra. Ele veio a confortar a minha alma.

— Não pecaste, não, minha filha, pomba branca, arminho puro. A tua pureza não se manchou nem manchará. A tua alma é bela, é encantadora. Criei-te para mim com encantos atraentes. Dá-me toda esta reparação. Não chores com o receio de me teres ofendido, porque não pecaste. Oferece-me as tuas lágrimas por aqueles que me ofendem. Os desejos de pecar, as ânsias insaciáveis do prazer não são teus, é a reparação daqueles que, depois do gozo, do gozo passageiro, enganador e traiçoeiro, querem novo gozo, nova satisfação, atraiçoando assim o meu Coração divino. Coragem! Estou satisfeito com o teu amor e com tudo o que me dás.

— Ai, meu Jesus, se eu pudesse convencer-me sempre que não Vos tinha ofendido! Mas depressa caio nas minhas dúvidas. Tende dó de mim.

— Vive em paz, filhinha amada, pois estou contigo mesmo nas tuas trevas.

— Obrigada, meu Jesus.

Ai de mim! Perdi amigos, perdi Jesus, não posso mais encontrá-Lo nesta escuridão. Perdi a vida, perdi tudo, tudo. A morte rodeia-me, avizinha-se de mim; traz consigo os maiores horrores, a maior escuridão. E eu sem conforto do céu e da terra. Os que me são queridos, por mais que se esforcem, não me dão um momento de alegria. As mais pequeninas coisas abismam-se cada vez mais na profundeza da minha dor. Perdi o meu Jesus, ou sinto que O perdi e não O queria perder. Queria possuí-Lo, mas sem colóquios com Ele. Triste noite da quinta-feira! Oh! como Jesus me associa às Suas dores, à Sua paixão divina! Sinto ânsias de atravessar por cima de todos os espinhos, de ir ao encontro da cruz, abraçá-la e com ela seguir para a morte. Sobre o meu peito sinto o discípulo querido, sinto o seu sono de paz, a tranquilidade do seu coração e da sua alma, e sobre ele o amor terno de Jesus. Sinto em mim a braseira e os que a ela se aqueciam. Sinto, retirado um pouco, que está alguém aterrado e tímido, mas vai-se aproximando e vai negar Jesus. Sinto as suas lágrimas de arrependimento. Sinto o cantar do galo e o abrir do bico em meu coração. Sinto sobretudo a dor infinita de Jesus e o Seu amor e mansidão para com todos. Quanta amargura, quantas mágoas em Seu Coração, naquele Cordeirinho inocente! Não posso ir ao fim da dor de Jesus, não resisto a mais. Sentimentos da alma: 26 de Abril de 1945).

terça-feira, abril 27, 2021

O CORO ANGÉLICO

Uma grande multidão de anjos batia as suas asinhas brancas e entoava um cântico harmoniosíssimo, só cântico do céu. Pronunciavam estas palavras:


Nós Te adoramos, nós Te adoramos,
ó grande Deus e Senhor,
e entoamos hinos de glória,
agradecimento e amor.

Deus nosso e Criador,
nós Te adoramos
por tão grande prodígio
e prova de amor.

Era arrebatadora a harmonia dos anjos. Retiraram-se eles, e ficou Jesus a continuar o Seu terno colóquio.

— Corre em tuas veias, minha filha, o sangue de Cristo: como não hás-de ser tu redentora! Corre em tuas veias o sangue virginal de Cristo: como não hás-de ser tu virgem pura, angelical e vítima sem igual! Corre em tuas veias o sangue do Todo-Poderoso: como podes deixar tu de ser poderosa! És poderosa para tudo. Perdes o teu sangue por meu amor, e eu por teu amor passo para ti o meu. Perdes o teu sangue para dares vidas, e eu, para te dar a vida, te dou o meu. Pede-me o que quiseres. Cada prece que elevares ao céu em favor dum pecador logo será escrito no livro da ciência divina o nome de salvação. Quando estiveres no céu, e o teu nome for invocado em favor deles, no mesmo momento em que prostrares diante de mim a pedires para eles perdão, todos os eleitos ao mesmo tempo te acompanham na mesma prece, e serás atendida. Coragem, esposa amada, está próxima a vitória. A tua cruz, o teu martírio é de redenção. Triunfa a minha divina causa, aproxima –se o céu para te conduzir a ele. Tu és, minha filha, rosa que brota de espinhos, rosa de amor, nascida da dor. Nada temas, filhinha amada. O terreno está preparado, pertence-me, foi cultivado por mim. É terreno das almas, o seu produto é para as almas. São frutos de amor, são para o teu Jesus e teu redentor.

— Obrigada, meu Jesus, nada mais sei dizer-Vos. Sede sempre a minha força e deixai-me entrar no Vosso divino Coração com todos os que me são queridos, para que os recompenseis por mim, dando-lhes todas as Vossa graças e todo o Vosso amor. Deixai-me entrar com todos os sacerdotes, para que aprendam do Vosso divino Coração e se assemelhem a Vós. Deixai-me entrar com todos os pecadores, para que se convertam e não Vos ofendam mais. Deixai-me entrar com todos os que me têm ofendido, para lhes perdoardes e dardes por mim também o perdão. Deixai-me entrar com o mundo inteiro, para que todo ele seja salvo, pois dentro em Vosso divino Coração não corre mais perigo. Vou separar-me de Vós, meu Jesus. Quanto me custa esta separação! E quanto me custa ter de escrever tudo isto!

— Vai, flor pura, flor mimosa do jardim divino. Tem coragem! Vai dar ao mundo o perfume das tuas virtudes, enquanto o céu não chega.

Fiquei com mais vida, mas por tão pouco tempo! Depressa vieram as trevas esconder tudo.

— Meu Deus, parece-me que nem os meus olhos vêem. Ó cruz do meu Jesus, abraço-te por amor na terra, abraço-te para não mais te deixar no tempo e na eternidade. Aceitai, Jesus, a minha tristeza e desconsolação por ter ditado tudo isto. (Sentimentos da alma: 27 de Abril de 1945).

CHAMEI POR JESUS

Ataque furioso do demónio

Quando esta manhãzinha despertava dum sono leve e passageiro, eram de tal forma as trevas que eu sentia na minha alma que me parecia ver com os olhos do meu rosto, à minha frente, uma grande muralha negra; assustei-me, o meu corpo estremeceu. Não era nada, os olhos do rosto nada viam, os da alma, esses viam e aterravam-se. A pouco e pouco, fui-me envolvendo mais e mais nessas trevas assustadoras. Preparei-me para receber Jesus em meu coração. Entrou para a escuridão e na escuridão ficou. Pobre Jesus, onde baixou Ele! Sem luz, mas muito unidinha a Ele, fui percorrendo o caminho do meu calvário. Caía e sobre mim caía a cruz. Era arrastada e arrastada comigo era ela também. Ao cair sobre a terra, os espinhos cravavam-se, penetravam cada vez mais fundo. Que dores horríveis! Ainda as sinto. Da minha boca sentia como se saíssem golfadas de sangue, vindas do coração, resultado das grandes quedas, de bater com o peito em pedras. E tudo isto se passou sem luz, sempre a cada passo a ser envolvida num rolo de trevas. Eu pensava que não podiam ser mais aterradoras, mas vejo que dia a dia mais me assustam. Ó meu Deus, tudo por Vós! Veio o maldito com as suas artes. Empregou todos os meios maliciosos para me obrigar a pecar. Chamei por Jesus.


— Não chamas por Ele, é por mim que tu chamas, é a mim que tu queres. Da terra és por todos abandonada, nenhuns querem pecar contigo, têm nojo de ti. Olha em que estado tu estás! Eu peco, mas peco com nojo para tu ofenderes o inimigo que eu odeio.

Que grande luta! Estava sem vida, banhada em suor. Fiquei a dizer muitas vezes:

— Que grande martírio, meu Jesus, que grande martírio! Eu não quero pecar, sou a Vossa vítima.

Disse-me o meu Jesus:

— É grande o martírio, ó minha filha, eu bem o sei, é martírio de amor, é martírio de reparação. Só podia receber da tua alma bela e pura, só podia do teu corpo virginal receber esta consolação, esta reparação. Custa-te muito? Só assim é que me dás tudo. Coragem! Tu não me ofendes.

— Lanço-me nos Vossos divino braços, ó Jesus, neles quero estar sempre, mesmo nas lutas com Satanás. Sozinha tenho medo, aí estou livre de Vos ofender.

Fiquei desfalecida e continuei nos sofrimentos do calvário. Todo o corpo era sangue. Sentia uma sede abrasadora e o maior dos abandonos. Ouvi do meu coração sair este brado: “tenho sede, tenho sede”. Compreendi que era Jesus e lembrei-me que Ele tinha sede das almas. No mesmo instante, senti passar nos meus lábios uma esponja, uma e outra vez. A sede dos lábios ficou na mesma e a do coração aumentou. O brado continuava:

— Não é a sede dos lábios que quero saciada, mas sim a sede do coração, a sede das almas.

Nesta sede e neste abandono fiquei por muito tempo como se estivesse com os olhos fitos no céu e o corpo esmagado com o peso de toda a humanidade. E Jesus não vinha, demorou tanto! Esperei, esperei. Veio então e disse-me:

— O rei habita no seu palácio com a sua grandeza, poder e amor, mesmo que a rainha não o veja, não o sinta. Custa muito, minha filha, o esposo separar-se da sua esposa. Mas a minha separação não é real, fico escondido em ti. Fico a governar a nação da tua alma pelos lábios de quem escolhi para te amparar e dirigir. Todos os que te amparam, todos os que te guiam, fui eu que os trouxe a teu lado. Coragem, filhinha. Vem cá, vem ao meu coração, vem receber vida; estás desfalecida, necessitas dela para ires à conquista das almas. Vem, vem, ó conquistadora da humanidade, vem receber o sangue do meu divino Coração; necessitas da vida divina, porque momento a momento perdes a vida humana. Vives milagrosamente, vives do meu divino sangue; é ele o meu alimento.

Jesus uniu o Seu divino Coração ao meu; sentia-o e via-o cheio de raios de amor e ao lado uma grande chaga. Principiou a deitar do d‘Ele para o meu o Seu divino sangue e o meu, tão pequenino, principiou a dilatar-se, parecia não me caber no peito. Jesus uniu os Seus divino lábios aos meus para me acariciar e continuou:

— Estão os anjos, minha filha, a verem este grande milagre, as minhas maravilhas em ti.

(Sentimentos da alma: 27 de Abril de 1945 – Sexta-feira)

domingo, abril 25, 2021

UM DIA NA VIDA DA BEATA ALEXANDRINA

 25 de Abril de 1947 - Sexta-feira
(Domingo 25 de Abril de 2021, 17° aniversário da beatificação)

O meu sofrimento aumenta, a minha cruz pesa-me mais de momento para momento. Sinto-me como se estivessem a terminar os meus dias aqui na terra. O meu pobre corpo é uma massa em sangue, desfeito pela dor. Vivo como se não vivesse. O que será de mim, meu Jesus! Amo a cruz e não tenho forças para a abraçar. Sinto-me arrefecer, estou gelada. Quanto mais sofro, menos sinto amar a Jesus. Quanto mais Lhe ofereço os meus sofrimentos, nas minhas negras e dolorosas trevas, menos sinto que Lhe dou. Não tenho para Ele um sorriso, um acto de amor ou reparação. Sou pobre, mísera pobre; o que Lhe dou, nada me pertence. Sinto-me, por vezes, na divina presença de Jesus, de mãos vazias, olhos baixos, cabeça inclinada, envergonhada de mim mesma. Que contas Vos hei-de dar, meu Deus, a Vós, de quem tudo recebi a quem nada dei e nada tenho para dar. Triste confusão a minha! Poderei viver sem sofrer e sem amar O meu Jesus? Oh! não, não posso sem isso a vida seria para mim já um inferno. Ó Jesus aceitai para Vós o meu sofrimento e mesmo sem sentir amor fazei que Vos ame, deixai-me enlouquecer por Vós. Os espinhos nascem para mim, noite e dia, como noite e dia nascem e crescem as flores dos campos e jardins. Por todos os lados os sinto e vejo a ferirem-me. Eu quero-os e amo-os, mas desfaleço em recebê-los; recebe-os como mimos do Céu, como carícias de Jesus. Pressinto que novos e agudos espinhos alguém prepara para me cravar; parece-me ouvir o rumor de nova tempestade. Levantam-se contra mim novas ondas furiosas. De novo me estendo na cruz; deixo-me crucificar à semelhança do meu Senhor.


Na noite de 14 para 15, veio de encontro ao meu martírio, suavizar a minha dor, uma linda visão da SS. Trindade; era um trono riquíssimo: no cimo o divino Espírito Santo em forma de pomba deixava cair sobre O Pai e sobre O Filho que mais abaixo, ao lado um do outro, estavam sentados, uma chuva de raios doirados. Pouco depois, diante do Eterno Pai, uma alma ficou ajoelhada em sinal de reverência; uniu-se a uma mão dela uma mão de Jesus que o Padre Eterno ligou. Tudo estava iluminado, parecia o Céu, era luz celeste. Desapareceram as três divinas pessoas e a alma ficou por algum tempo na mesma posição, mergulhada no mesmo amor. Confortou-me também a visão, duma vez de S. José, e, doutra, de Nossa Senhora; um e outro com o Menino Jesus ao colo. São eles que me levantam, são eles a força e a coragem do meu tanto sofrer. Não sou eu que sofro, mas sim Jesus, só Jesus que sofre por mim.

O demónio atormenta-me com dúvidas que sem a força do Céu seriam um desespero. Aparece-me em formas feiíssimas e, por vezes, abre-se todo o inferno com todos os seus sofrimentos para me receber. Numerosas feras infernais correm para mim com todo o seu furor. Ó meu Deus, parece-me que todo o mundo é inferno, que todo o mundo é pecado, que todo o mundo tem a malícia e a maldade do demónio. O maldito instrui as almas em grandes crimes.

Na tardinha de ontem, avivou os sofrimentos do meu corpo, que eram enormes, a visão, a visão do Calvário. Dentro de mim, vi Jesus, depois de morto, ser descido da cruz e ser posto nos braços da Mãezinha; vi os Seus olhos agoniosos, senti o Seu coração trespassado; senti e vi o caminho com que Ele O estreitava e limpava o sangue e o pó das Suas feridas. Todo o Calvário se mexia, as pedras estalavam e faziam grandes fendas. Esta agonia e sofrimentos tão dolorosos preparam-me o Horto; e lá fui para ele; lá se me rasgaram as veias, suei sangue e vi o cálice. Jesus foi que o levantou e ofereceu ao Pai, cheio de amargura. O solo estremeceu e com todos os ramos das oliveiras. Debaixo de cruéis maus-tratos, deixei-o para ir para a prisão. E hoje, num canal de sofrimento, como se fosse uma prensa fui subindo as ladeiras do Calvário. Senti as cordas na cintura e no pescoço; cortavam-me, feriam-me. Vi Jesus a ser despido e, neste momento, o Seu rosto divino ficou como que incendiado; levantou ao Céu os Seus olhares e baixou-os, depois, em profunda tristeza e grande vergonha. Vi, junto à cruz, a escada, pela qual Jesus havia de ser descido; vi o lençol onde Ele havia de ser embrulhado. Jesus, antes de expirar, viu a cena comovedora, ao ser depositado nos braços da Mãezinha; viu os Seus carinhos e lágrimas, viu as espadas que A feriam, viu-A em igual dor e agonia. Quando expirou, o Seu espírito voou como pomba de todas as Suas chagas saíram raios de luz como sol por frestas. Quando o Seu espírito divino voou foi-Lhe aberto o coração. Senti a Sua grande prova de amor e que Ele nada mais podia fazer por nós. Pouco depois, de novo vivi com Ele.

― Minha filha, Minha filha, um coração puro, um coração abrasado, com a mistura da dor alcança do Meu divino Coração tudo quanto Lhe pedir em benefício das almas, isto não falando em outras graças. Assim és tu, vítima poderosa, sem seres igualada. Não és igualada na dor e também o não és no poder. Eu tenho em Minhas divinas mãos o teu martírio com todo o teu amor; sou Eu mesmo a colocá-lo como escora firme a sustentar o braço do Meu Eterno Pai, para não cair sobre o mundo culpado a castigá-lo. Podia dizer-te, esposa querida, que ele cai e cai sem remédio, por não virem a mim, seguindo a Minha divina voz. Não quero fazer-te tal afirmação, para não entristecer-te.

― Meu Jesus, meu doce Amor falardes-me assim é dardes-me a certeza do que nos espera; bem sinto eu que nada Vos dou e de nada valem os meus sofrimentos.

― Coragem, coragem, Minha filha, parece que nada Me dás, porque já tudo tenho em Meu poder. Sentes que nada valem os teus sofrimentos, porque, sofrendo Eu, em ti tomo-os como meus; e, para maior sofrimento teu, nada em ti deixo aparecer. Confia em Mim. Todo o teu martírio, em união comigo, forma os selos com os quais selo as almas e as deixo com o sinal da salvação. Confia, vítima amada, se não acudires aos corpos, as almas são sempre de salvação. O que vale a tua dor e o teu amor com o Meu! Coragem, vítima generosa, vítima de dor e amor. Vê, Minha querida, o Mendigo divino a estender para ti o braço, a pedir-te a esmola. A taça, em que a vais deitar, foi feita do ouro do teu martírio. Os espinhos, que a rodeiam, foram feitos das pedras preciosas das tuas virtudes; é a taça das almas, é a taça da salvação. Dá-Me a esmola, dá-Me a esmola. Só uma alma e um coração puro podem combater com Satanás e reparar-Me das maldades e crimes a que ele leva as almas. Como prova do teu amor, da tua generosidade, vou dar-te, em breves dias duas felizes novas que vão ser de alegria para o teu coração e para mais alguns dos que te rodeiam. Se o mundo bem compreendesse as Minhas maravilhas em ti e o valor do teu sofrimento, ter-te-iam suavizado o teu calvário e o daqueles que escolhi para te ajudarem a subi-lo.

― Meu Jesus, meu Jesus, peço-Vos força e amor. Sobre essa taça me coloco, sacrificai-me Jesus, imolai-me como Vos aprouver. Jesus retirou a taça doirada, cercada e adornada de belos espinhos.

― Vou dar-te ainda, Minha filha, a gota do Meu sangue divino; recebe que é vida, a vida do Céu, a vida de que vives. Recebe ara sofreres, recebe que é para viveres e para dares a vida às almas. É o Meu sangue com a tua dor e amor que lhes dás a vida e mais ainda faz com que Eu por muitos seja amado, o que não seria sem ti, Minha esposa querida.

Jesus uniu logo os nossos corações, e, logo que caiu a gota do Seu precioso sangue, desuniu-os e deixou por algum vir do Seu lado aberto para o meu peito fortes chamas de fogo. Com as Suas divinas mãos cerrou a abertura do Seu peito e disse:

― Trabalho em ti como quero, faço do Meu divino coração e do teu o que Me apraz. Vai levar a vida às almas, esta vida que é a verdadeira vida. Vai levar a todos o Meu divino amor, mas mais, muito mais aos que mais te amam, aos que mais de perto te rodeiam. Amar a Minha vítima é amar a Mim; cuidar dela é cuidar de Mim. Coragem! Vai em paz, vai em paz.

― Obrigada, meu Jesus; um eterno obrigado, meu amor! São tantos e tão grandes os meus sofrimentos que mesmo no meio das minhas negras trevas obriga-me a dizer: para ditar tudo o que fica dito, vi aqui só a mão e a força de Jesus com a luz do divino Espírito Santo; sem isto nada teria dito. Ó meu Jesus, ó meu Deus, quanto sofre a mais indigna das Vossas filhas; e só vê nela miséria e nada mais! Dai-me graça, dai-me perdão para as minhas culpas e para as do mundo inteiro.

sexta-feira, abril 23, 2021

CRAVADA NA CRUZ CONVOSCO

Balasar, 19 de Fevereiro de 1942

Meu bom Jesus :

Sinto o meu coração retalhado pela dor. Terei ainda mais golpes para ferir-me? Faça-se a vossa vontade. Cravada na cruz convosco, escorrendo sangue e na maior agonia, vejo-me e sinto-me de todos abandonada. Não posso viver no mundo, tenho medo. Jesus vinde depressa, vinde, levai-me para o Céu. Os homens tentam desviar de mim, arrancaram-me para sempre aquilo que me servia de alívio, que podia dar-me conforto. Tiraram-me o meu pai espiritual, proíbem-no de me escrever a mim e de eu lhe escrever a ele. Permiti-me Vós, ao menos, meu Amado, desabafar convosco. Estou sozinha no meio da tempestade e ela não serena. Abro-vos o meu pobre coração, só vós sabeis ler o que nele está escrito com dor e sangue, só vós compreendeis e podeis avaliar o meu sofrer. O mundo desconhece-o, os homens nada compreendem. Deixai-me dizer a Vós o que Vós dissestes ao vosso Eterno Pai: Perdoai-lhes, meu Jesus, porque eles não sabem o que fazem, estão ceguinhos, falta-lhes a vossa luz divina: iluminai-os a todos e a todos dai o vosso amor. O Jesus, todos os meus pressentimentos me tem saído certos. Poderão eles ainda proibirem que vos receba sacramentalmente? Ai de mim, seria como o golpe que me tiraria a vida se vós com o vosso divino poder me não conservásseis. Digam o que disserem, façam eles o que fizerem, o que nunca conseguirão é tirar-me desta união íntima com vós. Roubarem-me Jesus Sacramentado, sim, não duvido que o façam; tirarem-me do meu coração o tesouro riquíssimo que eu adoro, que eu amo acima de todas as coisas, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, nunca, nunca os homens o conseguirão: teriam para isso fazer-me viver sem coração e sem alma. Impossível! Venha a força do mundo inteiro, seja ela toda contra mim: separar-me desta grandeza infinita, deste amor infindo, nunca, só o pecado, só esse me pode separar. Mas eu confio plenamente em vós, é de vós, meu Jesus, que eu tudo espero, embora que o sentir da minha alma me chegue quase a persuadir que me engano a mim mesma. Sinto que não vos amo, sinto que nada de vós posso esperar por tão grande ser a minha miséria. Que confusão a minha! Que grande é o meu desfalecimento! Levantai-me, meu Jesus, ajudai-me, assim pregada na cruz, a subir todo o caminho doloroso do calvário. Em cada degrau que passo quero deixar escrito com o sangue que das minhas feridas corre: Jesus, Jesus, não vejo o Céu, retirou-se de mim todo aquele azul do firmamento, perdi, roubaram-me tudo o que era vida. Só sinto dor, só sinto e vejo a morte. Não tenho a quem recorrer: só por vós e pela Mãezinha posso chamar. Pobre de mim! Quantas vezes com a minha dor não me atrevo a olhar-vos! Ouvi-me sempre, mesmo que eu não vos chame; dizei à Mãezinha que me ampare, dai-me toda a força do Céu. Todos os ruídos que oiço recordo o meu Paizinho espiritual. Será ele que vem? Que vida de ilusão. Cada pensamento que me vem à ideia deste tão duro penar são setas que se espetam no meu coração, são açoites que me despedaçam o corpo e a alma. Que mal fiz eu, que crime pratiquei? Ó meu Jesus, se não fosse por vosso amor, se não fosse o desejo ardentíssimo de vos dar as almas, recusava-me a tudo. Queria amar-vos muito, nunca ofender-vos para ganhar o Céu, mas não queria a crucifixão, não queria ouvir na terra a vossa doce e meiga voz, não queria ver a vossa Divina Imagem nem dolorosa nem gloriosa; tinha uma eternidade inteira para contemplar-vos e para ouvir-vos falar. Perdoai-me os meus desabafos, Jesus, bem vêdes que só convosco posso desabafar. Já que me escolhestes para a dor, ja que me destinastes para tão grandes martírios, eis a tua vítima, eis a tua escrava, Jesus; fazei de mim o que quiserdes, a tua benção, meu Amado. Diz à Mãezinha que me abençoe e proteja. Sou tua mais indigna filhinha, pobre Alexandrina.