domingo, julho 31, 2011

Ó MINHA CRUZ, EU TE AMO ! – Parte I

Continuo a ser o poço inesgotável...

Não quero o mundo; quero desaparecer dele, morrer para ele; não quero o mundo, nem nada que lhe pertença. Quero as almas, quero as almas todas que nele habitam, porque essas sim, essas só a Jesus pertencem. Deixo-me crucificar e morrer por elas. Não posso pensar na perda das almas; não posso pensar que Jesus é ofendido. Eu não quero o amor das criaturas; quero o amor do meu Jesus Eu não quero ofendê-Lo nem sabê-Lo ofendido. Que sede de me dar a Ele, de Lhe pertencer, de morrer por Ele! Que sede de ver o mundo, ou melhor, as almas nas mesmas ânsias, nas mesmas pretensões. Queria tudo numa só alma, num só coração, num só amor. O meu coração está cansado de tanta ansiedade, de tanta sede de amor. Eu não sei quem continuamente bebe em mim e bebe sofregamente; a minha alma sente, os meus ouvidos ouvem o saborear, o beber ofegante desta bebida. Continuo a ser o poço inesgotável, apesar de, noite e dia, sem parar, dar água com toda a abundância a quem quer beber. Depois disto não sou nada, não dou nada, em mim nada há. Eu não vivo mas há em mim outra vida que vive e ama, que vive e possui tudo. Queria viver esta vida, amá-la, perder-me nela, enlouquecer por ela. Ó meu Deus, ó meu Deus, eu quero que as minha loucuras sejam só para Jesus e para as almas. Sinto que esta vida é ferida, ultrajada, calcada aos pés de ingratos. Eu não posso consentir em tal, quero remediar este mal e não posso. Sinto o meu corpo ralado, moído, desfeito pela dor. Por vezes digo: meu Deus, como se vive, como se pode resistir a tanto. Meu Jesus, sou a Vossa vítima, aceitai o incenso do meu sofrimento, que ele suba ao Céu constantemente, dia e noite, sem parar, para ser a reparação da bondade de Deus ultrajado. Fito os olhos em Jesus crucificado, compadeço-me dos Seus sofrimentos, quero evitá-los e não posso; sofro amarguradamente com Jesus. Fito novamente a imagem do Seu divino Coração e peço-Lhe: deixai-me entrar, Jesus, no Vosso divino Coração, para me esconder e incendiar. E fazei que eu vá como um sopro, como uma aragem suave, levar a todos os corações a Vossa graça, o fogo do Vosso amor. Digo e não sou eu, falo e não sei falar. Ó meu Deus, e assim me vou mergulhando nesta abismo medonho de cegueira, abismo, cegueira, que não mais terá fim. Sinto-me nela como peixe na água; quanto mais me mergulho em cegueira, mais obrigada me sinto a, profundamente, me mergulhar. E sempre sobre esta cegueira um mar tempestuoso, com fúrias desastrosas. E o coração a sangrar, sempre a sangrar; com que crueldade eu o sinto ser apunhalado! Que finos e dolorosos são os fios que o cortam! Ó minha cruz, eu te amo! Ó Mãezinha, eu sou Vossa; dai-me força e amai por mim a Jesus, amai-O em nome de todas as almas.
Ontem, não sei dizer como foi dolorosa a minha viagem para o Horto. A noite era escuríssima, e eu fui tão ligada aos sofrimentos; não digo a este nem àqueles; foi a todos; era um mundo deles, sentir mesmo que arrastava o mundo, que ele me esmagava. Era tal a minha união à dor, eram tão inquebráveis as prisões que a ele me prendiam, que nem um só momento dela me podia libertar, nem um só membro, nem um mínimo bocadinho de carne podia ser da dor, dos espinhos libertada. Que dureza tinha para mim a humanidade! Senti e vi Jesus a tremer, a chorar e a suar sangue, e até pelos ouvidos o derramava. Senti-O a estender os braços, e a oferecer ao Pai o cálice, amargurado. E dali fui com Ele, de mãos atadas, para a prisão; e, de novo, levei comigo o mesmo mundo e arrastava-me, a esmagar-me.
*****
(Beata Alexandrina de Balasar: “Sentimentos da alma”, 9 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

REPARA COMO SOU FERIDO – Parte II

A alma pura posso compará-la à água pura


Esta manhã, não podia respirar; não podia viver estava tomada de pavor; sentia os olhos colados pelo sangue, que brotava do grande capacete de penetrantes espinhos, que me cingiam à cabeça. Assim segui às escuras e estreitas ruas do Calvário, e sempre a cair sobre mim uma chuva de maus-tratos e de ferros cortantes, que me dilaceravam as arnês. Vi tantos pedacinhos com grandes rastos de sangue perdidos por entre as lajes. Oh! como foi dolorosa a viagem! Quanto me custou chegar ao Calvário! E quanto me custou ver feras, medonhas feras, em tão grande número, a beberem o sangue, que de Jesus corria; eram com certeza feras só na aparência, porque Jesus murmurou e deixou gravado na minha alma: melhor era para Mim, não sofria tanto, se o Seu divino sangue fosse, na realidade, bebido pelas feras; são piores do que elas. Senti que em muitos corações aumentava o ódio, o aborrecimento contra Jesus, um desejo de O ver desaparecer dos seus olhares venenosos, fosse como fosse, custasse o que custasse. Jesus, que via e penetrava no íntimo de todos mais sofria, e mais aumentava a Sua agonia; e num brado fortíssimo chamou pelo Pai. Ao ver-se por Ele abandonado, aumentou a amargura e o Seu desfalecimento. Como homem, já não podia viver, era mortal, eu sentia-O em mim, a dar os Seus últimos arrancos. Mas como era suave e doce a agonia do Seu espírito, os últimos momentos de Jesus na terra. Expirei com Ele. Ah! Se com a mesma doçura, a mesma semelhança, eu expirasse na morte verdadeira, na morte que será a vida, que se dará a vida Eterna! Veio Jesus, deu luz a toda a minha alma e disse:
― Minha filha, Minha filha, Minha Alexandrina, Alexandrina das dores, deixa-Me que te dê mais este título de Minha esposa, Alexandrina das dores. Tem coragem! A alma pura posso compará-la à água pura, à água cristalina, em vidro de cristal fino, posta aos raios de sol a ser observada. Quantas coisas aparecem; o que descobrem esses raios de sol! A alma és tu; o sol, observador sou Eu que tudo em ti descubro, e a Meus divinos olhos, tudo aparece. Esse tudo que Eu vejo e faço que tu vejas é o meio de que Me sirvo para purificar a tua alma para poderes passar deste Calvário, deste leito de dores ao Céu. Faço que vejas em ti todas as manchas, para delas te purificares, para te ver tão pura, tão pura, Minha pomba querida, para que esta pureza em ti transpareça e a possas comunicar às almas. São tuas as manchas que ao sol da Minha pureza e grandeza aparecem mas não são tuas, filha querida, atende bem ao que te digo, as maldades, os crimes, esse mundo de horrores, que em ti sentes e descobres. Ó maravilhas, ó maravilhas, tão pouco conhecidas e compreendidas! A alma vítima vê-se coberta e responsável de todos os crimes, e, ao mesmo tempo, possuidora do Seu Deus com todas as Suas grandezas. Quanto ela sofre ter que aguentar e enfrentar o imundo com o que há de mais puro e santo! Confia, filha querida; és vítima, mas não são teus esses crimes. Entreguei-te o mundo, para o salvares, mas não é tua a maldade dele. Acode-lhe, acode-lhe.
― Ó meu Deus, eu não posso acudir-lhe; não sei o que hei-de fazer, não tenho que Vos dar para o salvar. Salvai-o Vós, Jesus, acudi-lhe, são Vossos filhos e Vós sois todo-poderoso e todo amor. Eu sinto que o meu sofrimento nenhum valor tem.
― Minha filha, minha filha, és poderosa, tens comigo todo o poder. Tudo o que faço, tudo o que peço, o Meu apelo urgente é para lhe acudir. Se te for dado ver como Eu sou ofendido, é necessário um milagre para conservar-te a vida. A maldade atingiu o seu auge, não pode aumentar mais, mas pode e aumenta o número dos que Me ofendem. A impureza é veneno, que se alastra. Dá-Me dor, esposa das dores. Repara como sou ferido.
*****
(Beata Alexandrina de Balasar: “Sentimentos da alma”, 9 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

JESUS, ENTRAI NO MEU CORAÇÃO – Parte III


Que horror eu tenho a ter que ditar tudo o que me diz Jesus!


— Repara como sou ferido.
Neste momento vi cair sobre Jesus um nunca acabar de maus-tratos. Jesus era espancado, esbofeteado, escarrado, açoitado, arrastado; era o mundo sobre Ele. Levantei as mãos e gritei:
― Jesus, sou a Vossa vítima.
E, como se fosse possível abrir o peito e dar-lhe entrada em meu coração, disse-Lhe:
― Fugi, Jesus, entrai no meu coração; caia sobre mim essa chuva de sofrimentos, mas livrai-Vos Vós de serdes ferido.
Eu senti com que um impulso de amor me obrigasse eu mesma a rasgar o peito, para dar entrada a Jesus. Ele entrou e escondeu-se, mas, antes de entrar, levantou-me, porque estava caída; desfaleci com a visão dos Seus sofrimentos. Ele deu-me vida ao coração, que de dor me parecia morrer.
― Minha filha, dá-me então tudo, tudo o que te pedir, todo o sofrimento, alegre, para consolares o Meu Divino Coração, para Me desagravares, para Eu não ser ferido; dá-Me tudo, para Eu poder tudo apresentar ao Meu Eterno Pai, para abrandar a Sua justiça. Acode, acode, às almas.
― Meu Jesus, ó meu amor, aceitai o meu sofrimento e o do mundo inteiro, como se eu dele pudesse dispor; uni-os aos sofrimentos e méritos da Vossa santa paixão, uni mais ainda todo o amor do Céu ao Vosso amor e ao da querida Mãezinha; formai de tudo uma escora que sustente toda a justiça divina, para a não deixar cair. Quero acudir às almas, a todas as almas e também ao martírio dos corpos, se puder ser, Meu Jesus. Misericórdia, misericórdia, meu Amor.
― Pede sempre, sofre sempre; a salvação das almas é tudo; és comigo poderosa. Recebe agora a gota do Meu Sangue Divino, que brota do Coração, a arder de amor. Sem ele não podes viver, sem esta vida divina não podes resistir à dor.
A gota do preciosíssimo Sangue de Jesus caiu por entre labaredas de fogo no meu coração, que logo se dilatou; mas Jesus não o deixou dilatar-se por muito tempo; veio logo como médico, cicatrizou a abertura, e disse:
― Vai, esposa, amada; vai sofrer, vai para a cruz, vai para a dor. Sofre mergulhada nestas chamas, sofre abrasada neste amor; vai espalhá-lo, vai atá-lo na humanidade. Vai confiada; não te enganas, Jesus não te deixa enganar. És de Jesus, vais para Jesus; és das almas, vítima das almas. Coragem, coragem!
― Obrigada, meu Jesus. Sofro tudo sem condição, a não ser a do Vosso amor, a da Vossa graça e força; não posso sozinha, tenho medo, meu Jesus.
Que horror eu tenho a ter que ditar tudo o que me diz Jesus! Se não me vem uma graça do Céu, desisto, não o posso fazer. Se me davam uma ordem para não escrever mais nada, que alívio tão grande para a minha alma atribulada; que consolação a minha; até me parece que deixava de sofrer. Mas isso não quero; sou a vítima de Jesus.
*****
(Beata Alexandrina de Balasar: “Sentimentos da alma”, 9 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

sexta-feira, julho 29, 2011

VEM A MIM DESCANCAR

Logo que sejam celebradas 3 missas pela sua alma, sobe ao Céu.


Não saí do mergulho da minha dor nem de mim se apartaram as ânsias de dar tudo e obrigar toda a humanidade a viver num poço, que tenho em mim. Nesta ansiedade, mergulhada só em dor, ferida de alma e coração, preparava-me para receber Jesus, e aproximava-se a hora da Sua chegada.
Minutos antes, recebi a notícia de que um homem, que há três dias me tinha sido recomendado, tinha morrido sem os Sacramentos. Foi um espinho que me feriu profundamente, mas, não sei porquê, não me inquietou a perda da sua alma; fiquei em paz. Veio Jesus. Momentos depois de entrar no meu coração disse-me:
― Minha filha, Minha filha, a alma desfalecida e ferida pelos espinhos sente-se bem, tem conforto, anima-se com o seu esposo. Vem a Mim descansar; sou o teu Esposo Jesus.
Nosso Senhor inclinou-me sobre Ele; fiquei com a minha cabeça unida ao Seu divino Coração e como que a descansar em Seus braços.
— Recebe, Minha filha, a Minha vida para a tua vida, o Meu conforto para a tua luta, para a tua dor. Sofre contente; como são valiosos os teus sofrimentos unidos aos Meus; quanto podes com O teu Jesus! Não sofras, Minha filha, com o golpe que acabaste de receber; a sua alma foi salva. Fiz isto para exemplo dos outros. Momentos antes de lhe pedir contas, apresentei-Me em sua presença, ao ver-Me, muito confundida, exclamou: não Vos aproximeis de mim, meu Senhor, com tanta pressa; não estou digno de aparecer diante de Vós. Perdoai-me, perdoai-me, Senhor, as minhas culpas. Nada mais foi preciso; salvou-se. Foste vítima dele, nestes dias. Não te sentias tu incapaz de aparecer diante de Mim e para isso parecia-te voar o tempo? Foste vítima. Salvou-se, mas sem merecimento, sem virtudes. Será uma alma a gozar-Me no Céu à custa da tua dor. Mas terá muito, muito, que sofrer no Purgatório. Aqui tens uma das boas novas que te anunciei.
― Meu Jesus, mas eu ainda não sabia nada.
― Sabia Eu, filha querida, tudo o que se ia dar e por tu o não saberes é que tem todo o valor para os homens. A segunda nova, Minha filha, é para dizeres ao teu Paizinho que a alma do Paizinho dele subiu ao Céu, logo após 7 dias da sua morte. Foram 7 dias em honra das 7 dores da Minha Bendita Mãe. Subiu ao Céu, depressa, pelas suas muitas virtudes e merecimentos, e pelos muitos sofrimentos do filho, pela sua vida de grande martírio e pelo amor com que por Mim ele é amado. Está a gozar-Me na Pátria Celeste em grande glória e alegria. Principia já, Minha filha, a um conselho dele porque Eu nunca o retirei de teu guia, a fazer a lista das almas que desejas, logo a seguir à sua morte, subam ao Céu. E assim se vão cumprindo as Minhas Divinas Palavras.
― Queria, meu Jesus, perguntar-Vos por uma alma, mas não pergunto, perdoai-me.
― Fá-lo já, Minha filha, e sem demora. Não tens confiança em Mim?
― Bem sabeis que tenho, meu Jesus; mas não quero abusar da Vossa bondade; mas já que me permitis dizei-me: onde está a alma da minha querida Deolinda?
― No , mas em vésperas de ir gozar na Minha glória. Logo que sejam celebradas 3 missas pela sua alma, sobe ao Céu. Isto é, juntando às missas todas as orações que até esse momento por ela foram feitas. Era boa sofreu muito e está sofrendo o seu descuido. Diz, Minha filha, ao teu médico que eu o coloquei à tua frente, para cuidar de ti e da Minha divina causa e para ser mensageiro das Minhas palavras, em dias de tanta luta. Diz-lhe que não demore, em acordo com quem sabe, a mandar ao seu destino o que com tanto empenho eu pedi. Dá-lhe a Minha bênção e todo o Meu amor para todos os que lhe são queridos. Vem, minha Mãe Santíssima, com os teus carinhos fortalecer, dar a vida à filhinha.
Veio a Mãezinha, tomou-me em Seus braços, abraçou-me docemente, cobriu-me de carícias e disse-me:
― Minha filha, Minha filha, sou tua Mãe e Mãe do teu Jesus; és por mim e por Ele amada com todo o amor. Sofro com alegria, continua a salvar as almas. Toma o meu manto, envolve nele a humanidade, salva-a, é filha de Jesus e é minha. Leva o meu amor, leva o amor de Jesus, dá-o aos cuidam de ti, dá-o aos que te são mais queridos. É o amor de Jesus e de Maria num só amor.
Jesus acrescentou:
― Dá-lhes este nosso amor aos que te são mais queridos; dá-o a todos, dá-o na proporção em que to pedirem. Quando te for pedido com instância e com toda a abundância diz-lhe do coração: dou-to todo, como me pedes. Vai, louquinha, vai, que és a vida das almas sem sentires que lha dás; és toda amor sem saberes que amas, és toda vida sentido que és morte. Coragem, coragem!
― Obrigada, meu Jesus, obrigada Mãezinha. Sede comigo nesta luta tão tormentosa da minha vida. Que horror eu tenho em ter que ditar tudo quanto me disseste. Em teu beijo e abraço, minha cruz, só por amor Àquele que me enviou.
*****
(Alexandrina Maria da Costa: “Sentimentos da alma”, 3 de Maio de 1947 - Primeiro sábado)

quarta-feira, julho 27, 2011

CARTA DA DEOLINDA

Balasar, 15 de Junho de 1936 - Carta da Deolinda

Deolinda Costa, irmã da Alexandrina
Viva Jesus!
Senhor P. Pinho
Resolvi escrever-lhe duas palavrinhas para V. Revª saber como tem passado a minha querida irmãzinha.
Durante a semana passou melhor um pouquinho em relação à noite do dia em que V. Revª aqui esteve. No sábado, durante o dia, já me pareceu que ela estava outra vez pior. À noite deu-lhe uma aflição tão grande que me pareceu que ela morria. Também lhe têm dado aquelas tremuras, como quando V. Revª aqui esteve. Agora continua muito, muito doentinha; fala pouco e com muita dificuldade. Quanto às aflições de alma, sempre sossegou mais um bocadinho — bem preciso era, pois assim não podia viver, era impossíve.
Eu, ao presenciar tudo isto, exclamava:
― Ó meu Jesus, como havemos de viver assim?
Apesar de estar melhor, os assaltos do demónio ainda continuam a ver se lhe tiram a paz. Agora não fala só de V. Revª, e diz-lhe assim:
— Eles não fazem caso de ti; dizem isso para te enganar; estás cercada por nós. Pertences-nos; nunca mais te salvas.
Outros dias diz-me assim:
— Sinto tantos, tantos desejos de ir para o céu! Ver para sempre face a face o meu querido Jesus, a minha querida Mãezinha do céu e toda a Santíssima Trindade! Parece-me não poder suportar por mais tempo estes desejos.
Diz-me também, que em outras ocasiões é tal o abandono em que se encontra, que nada sente desses desejos e tudo desaparece. Também me pergunta assim:
― O meu paizinho estará zangado comigo? Fui tão marota para ele! Tenho-lhe desobedecido.
Senhor P. Pinho, em nome da Alexandrina, agradeço-lhe a grande caridade que teve em conseguir que aqui viesse o Sr. Dr. Oliveira Dias. Ela diz que bem gostava de lhes pagar, mas já que não pode, que Nosso Senhor se encarregará de lhes pagar por ela. Também pede para que nos recomende muito.
Adeus, por hoje. Por caridade, não se esqueça de pedir por nós, que muito, muito precisamos. Lembranças de minha mãe, da Dª Sãozinha e a Alexandrina pede que lhe envie daí uma grande bênção.
Por caridade, abençoe esta que muito precisa,
Deolinda Maria da Costa.
          P. S. A Sra. Dª Sãozinha manda perguntar se poderá ser atendida no dia vinte ou no dia vinte e um do corrente e a que horas, visto que o comboio, no dia vinte, ainda chega aí cedo.
 Mais uma vez pede a bênção a pobre,
          Deolinda

UMA CARTA DA BEATA ALEXANDRINA AO PADRE MARIANO PINHO

Balasar, 14 Maio de 1936

            Viva Jesus!
            Tem-me custado muito a passar todo este tempo sem umas palavrinhas do meu paizinho, para me darem força e alento, nestes dias que eu tenho vivido. Ai, meu Jesus, como têm sido tão atribulados!
            É bem verdade que custam mais os sofrimentos da alma do que os do corpo. Apesar de eu não sentir nenhumas consolações espirituais, ao recordar-me das santas lições que me tem dado, sinto-me reanimar um pouco. Se eu pudesse tê-lo mais vezes junto de mim, seria mais suave a minha cruz, não me custaria tanto viver. Não vejo nada, tudo se esconde de mim. Por mais que me esforce por fazer tudo bem feito e amar muito a Jesus, cada vez me vejo mais pobrezinha e despida de tudo. Quando peço a Nosso Senhor para ser muito santa, para O amar muito, muito, que abismo de misérias eu vejo em mim e que distância tão grande me separa de Nosso Senhor!
            Não sei se o paizinho se lembra de o ano passado, no dia da Santíssima Trindade, Nosso Senhor me dizer: “Não assistes a esta festa, mas assistirás a todas as outras por toda a eternidade”. A minha ideia é, se nesse dia já estarei no céu. Mas, não sei os desígnios de Nosso Senhor.
            O que eu sei dizer é que o demónio continua a desempenhar bem o seu papel: busca todos os meios para me ter desassossegada — como eu me vi aflita com ele no sábado passado! Estou em dizer que ataque dele assim tão forte, nunca tinha tido! Principiou por dizer que tinha chegado o tempo de serem descobertas as minhas mentiras, que se ia saber a verdade, porque eu não ia morrer no tempo indicado.
— Mata-te! Escuta-me! Escolho-te uma morte que nada te custa; se não, que vergonha! Se era comigo!
            E dava umas fortes gargalhadas.
— Queres que te ensine a fazer pecados?
            Até aqui ainda fui resistindo. Mas, depois, muito me custou. Tinha bocados em que não podia tirar os lábios do crucifixo, nem da minha mente me saía a jaculatória "Jesus, Maria, José". Chamou-me um nome e perguntou se eu sabia o que era.
— Escuta-me que eu ensino-te.
            Eu dizia: "Meu Deus, meu Deus, não quero pecar. Ó meu Jesus, eu não quero ofender-vos. Minha Mãe, minha querida Mãezinha do céu, não permitais que ofenda a Jesus!" E, graças a Nosso Senhor e a Nossa Senhora, fiquei sem saber as lições desse maldito. Depois de tudo isto, dizia-me: não é ninguém que te diz estas coisas, mas sim a tua malícia. Eu confessei-me, mas não disse isto. Não fiz pecado, pois não?
            Não digo mais nada, que estou muito cansada. Tenho o meu corpo numa dor só. Lembranças de minha mãe, da Deolinda e da Sra. Dª Sãozinha. Abençoe, por caridade, a pobre,
            Alexandrina.

DE MAOS VAZIAS

“Quem sois Vós Senhor, e quem sou eu?”

Eternidade que tão à pressa passas; eternidade que nunca chegas. Passa, voa e eu voo com ela sem nada, de mãos vazias para dar contas a Jesus. Nunca passa, nunca chega a verdadeira eternidade que me vai dar o Céu. Quem poderá viver assim, meu Jesus! Dai-me a Vossa graça sem a qual a vida neste exílio é de desespero; é morte. Quero voar para Jesus, quero amá-Lo e não ser capaz de formar para Ele o voo e de O amar com a ansiedade, que exige o Seu coração. Quero fugir do mundo, esconder-me dele e dele desaparecer, e nunca mais consigo. Um momento é uma eternidade; é um momento que nunca passa, que nunca tem fim. Só o momento de ver Jesus a pedir-me contas, a ver-me e a encontrar-me sem nada, só revestida da maior miséria é rápido, não se lhe dá tempo de Lhe dizer: quem sois Vós, Senhor, e quem sou eu; parai um pouco, e deixai-me cobrir ao menos com agasalho alheio; estou nua, Jesus. Meu Deus, que confusão a minha: não tenho tempo para nada! O que fiz eu da minha vida? Como aproveitei o tempo que me destes? Que horror, ó meu Jesus! Mas Vós sois toda a minha loucura; só por Vós quero sofrer, só por Vós quero amar, só de Vós quero falar e pensar; não quero outra vida, que não seja a Vossa. Sinto-me como se fosse um poço no qual nem um só momento cessam de tirar a água. Que movimento! Esta água, que é tirada, vai para cima, nela bebe quem quer; este poço é inesgotável, não seca mais, tem sempre a mesma água. Está em mim e não é meu; está em meu poder e não me pertence. Contudo estou ansiosíssima por repartir, por dar a beber a todos. Sinto que é água de salvação. Oh! como eu a queria dar! Dar do que me não pertence e não tenho escrúpulo; roubo sem medo de ser pelo dono castigada. Ó meu Deus, ó meu Jesus, queria dar tudo, tudo, toda esta água, queria nela mergulhar todo o mundo. Morre, Jesus; morre com ânsias!
Tive dois combates com o demónio; reduziu-me ao mal, ensinou-me todas as maldades, preparou-me leitos de prazeres. Depois do pecado logo se transformaram em leitos do inferno. Que horror, que desespero! Tantos sofrimentos, ódios e maldições! O prazer fugiu e levou-me com ele a graça de Deus, fiquei mais miserável que os próprios demónios. Abracei-me ao crucifixo e envergonhada só disse: meu Jesus, sou a Vossa vítima.
Na quarta e quinta-feira, quase em todo o dia, vi e senti a cabeça Sacrossanta de Jesus cravada de agudos espinhos, tinha-a apoiado sobre a mão, o que sempre impediu de eu Lhe ver os Seus divinos olhos. Só com a diferença: ontem de tarde, já pela noite dentro, aquela posição de Jesus levou-me ao Horto e ao Calvário, levou-me a ver todo o martírio. Vi Jesus no Horto a tremer e a suar sangue; vi os Seus cabelos colados ao rosto; vi Judas beijá-Lo. Até nos cabelos se distinguiam; uns de inocente, outros de maldição. Vi-O no Calvário, já na cruz e o sangue avançar por cima da cintura. Ali fiquei com Ele; e hoje ao mesmo lugar O fui encontrar. Vi-O crucificar, vi a cruz; não tinha lugar para mais espinhos; todo o Seu divino corpo ferido ali neles era desfeito. Custou-me tanto ver assim Jesus! Depois senti-O a Ele em agonia; e, ao pé da cruz, o Coração da Mãezinha a estalar de dor com mais três corações amigos, associados à dor da Mãezinha, que, cheia de agonia, levantava as mãos para Jesus, chorava e quase de dor expirava. Principiei a ver e a sentir a cabeça de Jesus a pender, a inclinar-se sobre o Seu peito e os Seus Santíssimos braços a despregarem-se da cruz. Jesus estava morto. E eu com aquela visão e sentimento pareceu-me morrer também. Já não ouvia o Seu brado e deixei de sentir a dor da Mãezinha. Senti inclinar-se a minha cabeça, desprenderem-se os meus braços, depois do corpo ter gelado. Não sei a quem foi entregue.
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Alexandrina Maria da Costa: “Sentimentos da alma”, 2 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

“ÉS A MINHA MAIOR VITIMA”

Senti como se se abrisse o Céu...


Passou-se algum tempo; veio Jesus, cheio de vida; deu-me a vida, e disse-me:
― Minha filha, minha filha, a vítima não pode sair, no momento, da sua imolação e sacrifício! És a Minha maior vítima, a Minha vítima mais amada; não podes ser libertada do teu martírio, porque o mundo não deixa de pecar. Eu não deixei aquela posição, em que Me viste, os espinhos não desapareceram da Minha Sacrossanta Cabeça, não levantei dos Meus divinos olhos as mãos, a Minha visão era outra; via os crimes de toda a humanidade, via a renovação contínua da Minha santa paixão, foi por isso que te fiz ver todo o Horto e Calvário. Tem coragem, porque Eu não sofri a não ser em ti. Tu sim, Minha querida redentora, Minha nova redentora, tu sim, sofreste; tu continuaste e continuas a Minha obra de salvação. Eu revestido de ti, contigo sofri, mas, sozinho, não. Não posso mais, estou cansado de sustentar o braço do Meu Pai! O mundo com os seus crimes está a acender o fogo, que o vai queimar. Não é fogo do Céu, mas sim da terra; por ele preparado, a reduzir a cinzas. Mas pode tomá-lo, deve tomá-lo como punição de Deus, como castigo divino. Esta guerra, esta revolta, Minha filha, não é do Céu mas sim da terra; é a guerra do pecado, é revolta contra Deus.
Senti como se se abrisse o Céu e travasse luta com a terra. Que guerra, que pavor!
― Meu Jesus, que quereis que eu faça; o que posso eu fazer? Não quero a Vossa dor, mas quero a salvação das almas. O que quereis, meu Jesus? O que quereis, meu Amor? Dizei-me o que quereis que eu faça.
― Eu queria, Minha filha, mas não para ficar oculto: depressa, depressa a revelá-lo ao Santo Padre. Eu sei que da primeira parte, que te vou dizer, nada consigo; é só para mostrar os Meus divinos desejos e o Meu amor às almas. Não são tantos os crimes e tanta a malícia do pecado, que só havendo 10 vítimas em cada nação, o mundo pode ser salvo. Mas vítimas puras; cheias de generosidade e amor. Mas não, não as encontro; não há quem aceite os Meus espinhos, não há quem queira as Minhas chagas, a Minha cruz, o Meu Calvário; não há quem se entregue a Mim pelas almas. Há muitas que querem sofrer e serem imoladas, enquanto que não chegam os sofrimentos e a hora da imolação. Mas ah! O que Eu espero é a segunda parte. Pede ao Santo Padre que lho pede Jesus; que apele para os sacerdotes, sobretudo das ordens religiosas, que, apesar de neles haver muita coisa, há muitos, que Me dão; que redobram de pureza, de fervor e de amor ao Santo Sacrifício da Missa.
Com essa pureza, fervor e amor, unido à Minha vítima, a quem fiz a entrega da humanidade, a quem dei a mais sublime missão, ela pode ser salva, salvar as suas almas. E não é essa, esposa querida, a tua ansiedade, o fim de todo o teu sofrimento?
― Sim, meu Jesus, eu quero salvar as almas, e por isso não me poupeis o meu corpo; eu não Vos recuso nenhum sofrimento, mas se pudesse ser tudo! Se eu pudesse consolar-Vos e amar-Vos, evitar todo o pecado, salvar todas as almas e poupar-lhes, aos corpos, os castigos! Perdoai-nos, perdoai-nos, meu Jesus; sou a Vossa vítima, tende de nós todos compaixão. Que dor no meu coração, que desolação a minha! Seja tudo por Vós, meu Jesus.
― Coragem, Minha filha! Essa dor é para nela ficares; não tenho vítimas generosas. Supre tu toda a generosidade. Confia, confia; a tua dor de alma e corpo é bálsamo de salvação. Para resistires à dor, para viveres e sempre em tuas veias correr o Sangue de Cristo, vou dar-te a gota do Meu Sangue divino. É o Coração do Esposo unido ao da esposa, e do Redentor à Sua redentora.
Jesus uniu os nossos Corações, pelo cimo do Dele deixou cair no meu a gotinha do Seu divino Sangue, e espalhou, ao mesmo tempo, sobre o meu peito uma labareda de fogo que dele saía.
― Vai, esposa amada; vai, leva esta vida e este amor. És o cofre das almas, a depositária de todas as maravilhas do Senhor. Vai em paz; quero em teus lábios sempre o sorriso, em todo o teu sofrer a tranquilidade e a alegria. Coragem! Jesus não te falta.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Conto Convosco, confio em Vós. Fiquei logo mergulhada em dor; sinto-me num mar de amargura, sinto-me num nunca acabar de trevas. Eu te quero, minha amada cruz.

(Alexandrina Maria da Costa: “Sentimentos da alma”, 2 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

segunda-feira, julho 25, 2011

VISÃO DA SANTÍSSIMA TRINDADE

Vivo como se não vivesse

“Tive a visão da SS. Trindade”
O meu sofrimento aumenta, a minha cruz pesa-me mais de momento para momento. Sinto-me como se estivessem a terminar os meus dias aqui na terra. O meu pobre corpo é uma massa em sangue, desfeito pela dor. Vivo como se não vivesse. O que será de mim, meu Jesus! Amo a cruz e não tenho forças para a abraçar. Sinto-me arrefecer, estou gelada. Quanto mais sofro, menos sinto amar a Jesus. Quanto mais Lhe ofereço os meus sofrimentos, nas minhas negras e dolorosas trevas, menos sinto que Lhe dou. Não tenho para Ele um sorriso, um acto de amor ou reparação. Sou pobre, mísera pobre; o que Lhe dou, nada me pertence. Sinto-me, por vezes, na divina presença de Jesus, de mãos vazias, olhos baixos, cabeça inclinada, envergonhada de mim mesma. Que contas Vos hei-de dar, meu Deus, a Vós, de quem tudo recebi a quem nada dei e nada tenho para dar. Triste confusão a minha! Poderei viver sem sofrer e sem amar O meu Jesus? Oh! não, não posso sem isso a vida seria para mim já um inferno. Ó Jesus aceitai para Vós o meu sofrimento e mesmo sem sentir amor fazei que Vos ame, deixai-me enlouquecer por Vós. Os espinhos nascem para mim, noite e dia, como noite e dia nascem e crescem as flores dos campos e jardins. Por todos os lados os sinto e vejo a ferirem-me. Eu quero-os e amo-os, mas desfaleço em recebê-los; recebe-os como mimos do Céu, como carícias de Jesus. Pressinto que novos e agudos espinhos alguém prepara para me cravar; parece-me ouvir o rumor de nova tempestade. Levantam-se contra mim novas ondas furiosas. De novo me estendo na cruz; deixo-me crucificar à semelhança do meu Senhor.
Na noite de 14 para 15, veio de encontro ao meu martírio, suavizar a minha dor, uma linda visão da SS. Trindade; era um trono riquíssimo: no cimo o divino Espírito Santo em forma de pomba deixava cair sobre O Pai e sobre O Filho que mais abaixo, ao lado um do outro, estavam sentados, uma chuva de raios doirados. Pouco depois, diante do Eterno Pai, uma alma ficou ajoelhada em sinal de reverência; uniu-se a uma mão dela uma mão de Jesus que o Padre Eterno ligou. Tudo estava iluminado, parecia o Céu, era luz celeste. Desapareceram as três divinas pessoas e a alma ficou por algum tempo na mesma posição, mergulhada no mesmo amor. Confortou-me também a visão, duma vez de S. José, e, doutra, de Nossa Senhora; um e outro com o Menino Jesus ao colo. São eles que me levantam, são eles a força e a coragem do meu tanto sofrer. Não sou eu que sofro, mas sim Jesus, só Jesus que sofre por mim.
O demónio atormenta-me com dúvidas que sem a força do Céu seriam um desespero. Aparece-me em formas feiíssimas e, por vezes, abre-se todo o inferno com todos os seus sofrimentos para me receber. Numerosas feras infernais correm para mim com todo o seu furor. Ó meu Deus, parece-me que todo o mundo é inferno, que todo o mundo é pecado, que todo o mundo tem a malícia e a maldade do demónio. O maldito instrui as almas em grandes crimes.

(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 25 de Abril de 1947 - Sexta-feira)

DE NADA VALEM OS MEUS SOFRIMENTOS...

Senti as cordas na cintura e no pescoço

“Debaixo de crueis maus-tratos...”
Na tardinha de ontem, avivou os sofrimentos do meu corpo, que eram enormes, a visão, a visão do Calvário. Dentro de mim, vi Jesus, depois de morto, ser descido da cruz e ser posto nos braços da Mãezinha; vi os Seus olhos agoniosos, senti o Seu coração trespassado; senti e vi o caminho com que Ele O estreitava e limpava o sangue e o pó das Suas feridas. Todo o Calvário se mexia, as pedras estalavam e faziam grandes fendas. Esta agonia e sofrimentos tão dolorosos preparam-me o Horto; e lá fui para ele; lá se me rasgaram as veias, suei sangue e vi o cálice. Jesus foi que o levantou e ofereceu ao Pai, cheio de amargura. O solo estremeceu e com todos os ramos das oliveiras. Debaixo de cruéis maus-tratos, deixei-o para ir para a prisão. E hoje, num canal de sofrimento, como se fosse uma prensa fui subindo as ladeiras do Calvário. Senti as cordas na cintura e no pescoço; cortavam-me, feriam-me. Vi Jesus a ser despido e, neste momento, o Seu rosto divino ficou como que incendiado; levantou ao Céu os Seus olhares e baixou-os, depois, em profunda tristeza e grande vergonha. Vi, junto à cruz, a escada, pela qual Jesus havia de ser descido; vi o lençol onde Ele havia de ser embrulhado. Jesus, antes de expirar, viu a cena comovedora, ao ser depositado nos braços da Mãezinha; viu os Seus carinhos e lágrimas, viu as espadas que A feriam, viu-A em igual dor e agonia. Quando expirou, o Seu espírito voou como pomba de todas as Suas chagas saíram raios de luz como sol por frestas. Quando o Seu espírito divino voou foi-Lhe aberto o coração. Senti a Sua grande prova de amor e que Ele nada mais podia fazer por nós. Pouco depois, de novo vivi com Ele.
― Minha filha, Minha filha, um coração puro, um coração abrasado, com a mistura da dor alcança do Meu divino Coração tudo quanto Lhe pedir em benefício das almas, isto não falando em outras graças. Assim és tu, vítima poderosa, sem seres igualada. Não és igualada na dor e também o não és no poder. Eu tenho em Minhas divinas mãos o teu martírio com todo o teu amor; sou Eu mesmo a colocá-lo como escora firme a sustentar o braço do Meu Eterno Pai, para não cair sobre o mundo culpado a castigá-lo. Podia dizer-te, esposa querida, que ele cai e cai sem remédio, por não virem a mim, seguindo a Minha divina voz. Não quero fazer-te tal afirmação, para não entristecer-te.
― Meu Jesus, meu doce Amor falardes-me assim é dardes-me a certeza do que nos espera; bem sinto eu que nada Vos dou e de nada valem os meus sofrimentos.

(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 25 de Abril de 1947 - Sexta-feira)

VAI LEVAR A VIDA ÀS ALMAS

Só uma alma e um coração puro podem combater com Satanás

“Vê, Minha querida, o Mendigo divino”
― Coragem, coragem, Minha filha, parece que nada Me dás, porque já tudo tenho em Meu poder. Sentes que nada valem os teus sofrimentos, porque, sofrendo Eu, em ti tomo-os como meus; e, para maior sofrimento teu, nada em ti deixo aparecer. Confia em Mim. Todo o teu martírio, em união comigo, forma os selos com os quais selo as almas e as deixo com o sinal da salvação. Confia, vítima amada, se não acudires aos corpos, as almas são sempre de salvação. O que vale a tua dor e o teu amor com o Meu! Coragem, vítima generosa, vítima de dor e amor. Vê, Minha querida, o Mendigo divino a estender para ti o braço, a pedir-te a esmola. A taça, em que a vais deitar, foi feita do ouro do teu martírio. Os espinhos, que a rodeiam, foram feitos das pedras preciosas das tuas virtudes; é a taça das almas, é a taça da salvação. Dá-Me a esmola, dá-Me a esmola. Só uma alma e um coração puro podem combater com Satanás e reparar-Me das maldades e crimes a que ele leva as almas. Como prova do teu amor, da tua generosidade, vou dar-te, em breves dias duas felizes novas que vão ser de alegria para o teu coração e para mais alguns dos que te rodeiam. Se o mundo bem compreendesse as Minhas maravilhas em ti e o valor do teu sofrimento, ter-te-iam suavizado o teu calvário e o daqueles que escolhi para te ajudarem a subi-lo.
― Meu Jesus, meu Jesus, peço-Vos força e amor. Sobre essa taça me coloco, sacrificai-me Jesus, imolai-me como Vos aprouver. Jesus retirou a taça doirada, cercada e adornada de belos espinhos.
― Vou dar-te ainda, Minha filha, a gota do Meu sangue divino; recebe que é vida, a vida do Céu, a vida de que vives. Recebe para sofreres, recebe que é para viveres e para dares a vida às almas. É o Meu sangue com a tua dor e amor que lhes dás a vida e mais ainda faz com que Eu por muitos seja amado, o que não seria sem ti, Minha esposa querida.
Jesus uniu logo os nossos corações, e, logo que caiu a gota do Seu precioso sangue, desuniu-os e deixou por algum vir do Seu lado aberto para o meu peito fortes chamas de fogo. Com as Suas divinas mãos cerrou a abertura do Seu peito e disse:
― Trabalho em ti como quero, faço do Meu divino coração e do teu o que Me apraz. Vai levar a vida às almas, esta vida que é a verdadeira vida. Vai levar a todos o Meu divino amor, mas mais, muito mais aos que mais te amam, aos que mais de perto te rodeiam. Amar a Minha vítima é amar a Mim; cuidar dela é cuidar de Mim. Coragem! Vai em paz, vai em paz.
― Obrigada, meu Jesus; um eterno obrigado, meu amor! São tantos e tão grandes os meus sofrimentos que mesmo no meio das minhas negras trevas obriga-me a dizer: para ditar tudo o que fica dito, vi aqui só a mão e a força de Jesus com a luz do divino Espírito Santo; sem isto nada teria dito. Ó meu Jesus, ó meu Deus, quanto sofre a mais indigna das Vossas filhas; e só vê nela miséria e nada mais! Dai-me graça, dai-me perdão para as minhas culpas e para as do mundo inteiro.

(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 25 de Abril de 1947 - Sexta-feira)

ATAQUES DO DEMÓNIO

Ai Jesus, vinde em meu auxílio!

Jesus tentado pelo diabo
Tenho ânsias, tenho ânsias de me purificar, cada vez mais, e nada consigo! Que hei-de eu fazer, meu Jesus? Causa-me horror ver a minha miséria, porque é só o que eu vejo. Avanço, avanço, e, momento a momento, mais me enrolo, mais me mergulho na cegueira, que me aterra, na cegueira que nunca foi luz nem nunca a luz conheceu. Assusto-me, vejo, sinto que esta cegueira é morte e que nunca poderá ver. Neste temor, feito o Coração divino de Jesus, invoco o Seu Santo Nome, e, por vezes sinto-me como se fosse transportada às nuvens; deixo a terra, mas não chego ao Céu. Nesta viagem às alturas, respiro, sinto-me confortada, fortalecida com uns ares mais puros, com aquela vida que não é o Céu, mas também não é a terra; não é gozo, mas é força, não é a verdadeira vida, mas também não é morte. Baixo novamente à mesma cegueira, só à vista da minha miséria, mas então com mais coragem para abraçar a minha cruz, a pisar os espinhos que tão agudamente me ferem, ansiosa e como que enlouquecida para consolar Jesus, dar-lhe as almas, purificar-me de todos os meus defeitos, ser pura para só viver a vida de Jesus, ser pura e Nele me esconder para sempre, sofrer escondida Nele, amá-Lo sempre Nele escondida, fugir ao mundo, desaparecer dele, desaparecer por completo. Não consigo os meus desejos, não sou pura, nada sofro, nada faço de bom, tudo se apaga sem aparecer. Ai, meu Jesus, vinde em meu auxílio; estou sozinha sem ninguém, meu Jesus, sem ninguém. Foge-me o Céu, estou como se me fugissem todos os amigos da terra.
E o demónio a atormentar-me tão fortemente.
Tenho estado sobre o inferno, não sei o que me livrou de cair nele, nada vi que me segurasse, só me faltou mergulhar-me nos seus horrores, nas suas penas. Esta visão foi essa luta com o maldito. Tive mais três ataques. Nos dois primeiros, senti passar sobre mim as labaredas do inferno, ouvia uivos, ranger de dentes e um demónio muito feio de boca aberta com um grande pedaço da língua de fora, língua em brasa, e estendia ao longe grandes chamas; causava pavor. Já lá vão alguns dias e por vezes sinto no coração como se de novo voltasse a ver toda aquela cena. Convidava-me ao mal e fiquei com grande temor de ter pecado. Nem posso lembrar-me das suas malícias. Que horror! Como se ofende Nosso Senhor! Posso tão pouco invocar o nome de Jesus e da Mãezinha! Penso que é o maldito que não me deixa. Não posso sem me oferecer como vítima e é só para reparar que tais sofrimentos aceito. No último ataque, ele principiou, de longe, a preparar-me para o mal com coisas pequenas, mas cheias de maldades. Foi indo, foi indo, incendiou-se o fogo, envolveu-se a terra com o inferno; eu era o mundo, era o inferno. Ó meu Deus, que pavor! Voltei a repetir a Jesus: se hei-de ofender-Vos, prefiro o inferno; não quero pecar, não quero pecar, sou a Vossa vítima. Jesus, Mãezinha, ai, quanto me custa isto!

(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 18 de Abril de 1947 - Sexta-feira)

O JARDINEIRO DIVINO

Eu nada posso sem Vós!

Ao cair da tarde de ontem, senti como se no meu coração estivesse gravado Jesus e a Mãezinha, numa tristeza e amargura tão profunda, que causava dó. Jesus beijou e aquele beijo foi de despedida; e deixou no Coração da Mãezinha raios de fogo; foram fios, foram prisões de amor que os deixaram para sempre unidos. Jesus foi para o Horto e ficou com a Mãezinha. A Mãezinha ficou e foi com Jesus. Eu no Horto senti como se em meu corpo nem uma só veia ficasse por abrir. Os Apóstolos dormiam; Judas aproximava-se. À voz de Jesus vieram sobressaltados. Judas deu o seu beijo traidor e todos caíram por terra; a terra foi o meu coração. Feriram-me as armas e os paus. Vi Jesus que em Suas Santíssimas mãos tomou. Ao ver isto, fugiu S. Pedro por entre a multidão; foi à frente de Jesus; não viu os maus-tratos que Lhe deram. Mas via a Mãezinha; velava ao longe. Eu sentia que o Seu Santíssimo Coração adivinhava tudo. Quanto Ela sofria e quanto sofria eu também com os sofrimentos de Jesus e os dela! Na manhã de hoje, caminhei oprimida pela violência da dor; ia como que encerrada num mundo do sofrimentos. Caminhei sem luz, mas cheguei ao Calvário e lá com mais sensibilidade fui cravada na cruz; e então em todo o meu corpo estava Jesus; eu era apenas uma casca frágil que O encobria. Sentia todas as Suas chagas e feridas, os espinhos da Sua Sacrossanta Cabeça, o palpitar do Coração, lágrimas e gotas de sangue, tudo em mim era Jesus. Quando estava a ser cravada na cruz, ainda senti o meu rosto a ser nojosamente escarrado. A frágil casca do meu corpo não impedia os sofrimentos e maus-tratos de Jesus. Fiquei no mesmo brado e agonia com Ele. Quando Jesus expirou, eu senti que o espírito divino voou de verdade ao Pai, e eu fiquei morta. Pouco depois Ele voltou e disse-me:
― Minha filha, o Jardineiro da tua alma está em teu coração; cuido, cultivo as flores que adornam a minha alma. Como são belas! A água que as rega é a água da pureza, água de graça e amor. Confia; o teu Jardineiro é Jesus; habito em teu coração; repara como eu cuido delas. Tu és a pastorinha de Jesus, a pastorinha das almas; apascenta-las no jardim formoso da tua alma. Vi então Jesus feito Jardineiro, no seio de belas flores, de regador na mão a regá-las cuidadosamente; via cair a água com abundância.
― Cuidai, cuidai, meu Jesus, cuidai delas e cuidai de mim; eu sou miséria e nada posso sem vós. Permiti que com a Vossa graça, no jardim do Vosso divino amor, eu posso mergulhar em almas; sustentai-as com o que é Vosso.
― Coragem, coragem, Minha filha; sem dor não há vítima, sem dor não há amor, sem dor não há vida. Tu és a vida de Jesus, és a vida das almas. Se todas as vítimas sofrem, como não hás-de sofrer tu, Minha filha, que és a maior vítima da humanidade. Dá-Me dor, acode ao mundo, vem sobre ele a justiça de Meu Pai e vem depressa. Não há justos na terra, não há almas que Me amem, a ponto de repararem todas e tão graves ofensas.

(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 18 de Abril de 1947 - Sexta-feira)

VAI CONVIDAR AS ALMAS A VIREM A MIM

― Perdoai, meu Jesus, perdoai, perdoai já, perdoai sempre!

[Jesus disse]:
— Pobre mundo, vai ser carbonizado; ficará mirrado com o fogo da justiça divina.
Levantei as mãos, cheia de terror, e disse:
― Perdoai, meu Jesus, perdoai, perdoai já, perdoai sempre! Como hei-de acudir ao mundo? Bem me parecem a mim que de nada valem os meus sofrimentos.
― Coragem, Minha filha, coragem, amada Minha; sofre com alegria. A tua imolação continua se o mundo não quiser que seja de remédio para os seus corpos é-o sempre para as suas almas. Pede-lhe, pede-lhe que se converta, que venha a Mim. Dás-me mais lutas, mais ataques com o demónio?
― Dou, meu Jesus, mas sabeis bem que é o que mais me custa. Que medo de Vos ofender!
― É por te custar que, Minha filha, que mais reparação Me dás. Não temas, confia em Mim; não deixo que Me ofendas. Os dois primeiros combates que te pedi foram pelos esposos pais de família. Com que gravidade Me ofendem; o último foi por toda a humanidade. Foi por isso que te envolveste com o inferno. O mundo! o pecado! Vítima a lutar com o inferno. Eras tu, Minha pomba amada, a livrares de lá as almas. Coragem! Vem receber vida para combateres. Recebe uma gota do Meu Divino Sangue; é a tua vida, é a força do teu sofrer.
Jesus com o Seu Divino Coração a arder em labaredas uniu-O ao meu, deixou cair a gota do Seu Sangue divino. O fogo ateou-se; o meu principiou a dilatar-se. Jesus passou logo as Suas Santíssimas mãos sobre o meu peito, acariciou-me e disse:
― Toma, Minha filha, a tua cruz; vai convidar as almas a virem a Mim, vai levar-lhes esta vida. E como prova do valor dos teus sofrimentos e de que és a salvação delas, a cada acto de amor, a cada vez que Me disseres: Jesus, eu amo-Vos, serei amado por mais uma alma. E sempre que abraçada ao crucifixo disseres: Jesus, sou a Vossa vítima mais um pecador será salvo, esquecerei as suas ofensas. Prometo-te, confia, sou O teu Jesus. Diz-Me isto muitas vezes. Vai com coragem! No Céu continuas a mesma missão; ele está perto. Vai com alegria; vai, filha do amor, vai, louquinha do amor, vai chamar a Mim as almas.
― Obrigada, meu Jesus; obrigada, meu Amor, eu vou; vinde Vós comigo. Ao o Céu, meu Jesus, que nunca chega. Faça-se a Vossa vontade divina. Sou a Vossa vítima, vítima até dos meus desejos. Farei, Jesus, que eu morra para mim e para todos, viva só para Voa e para as almas.


(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 18 de Abril de 1947 - Sexta-feira)

domingo, julho 24, 2011

QUERO SOFRER PARA O AMAR

Ao Seu lado uma cruz formosíssima, luminosa, cheia de coroas de rosas


Sinto o meu corpo golpeado e desfeito pelo sofrimento e o coração cheio de punhais a cortarem-me dia e noite, não podendo ele deixar de sangrar, um só momento. Ó meu Deus, ó meu Jesus, como eu me sinto ferida! Seja tudo por Vosso amor; eu sou, ó Jesus, e quero ser sempre a Vossa vítima. Não posso esquecer as almas, os pobres pecadores. Que pena eu tenho deles! Tenho a certeza de que, se me esquecia destes pobres infelizes, desgostava o meu Jesus. Quero sofrer, quero sofrer para O amar, para O consolar e dar todas as almas. Não sei dizer o que quero: queria a todos no Céu, queria toda a humanidade, a arder de amor, dentro do coração divino de Jesus. Que sede insuportável de O ver amado! As minhas trevas, a cegueira do meu espírito, já vão além da cegueira. Ó meu Deus, não sei exprimir-me. Acima e abaixo de mim são trevas; atrás e à frente de mim, trevas são. Mas essa cegueira da minha frente, essa negra escuridão, pela qual tenho de passar, nunca teve luz, nunca foi nem será luz. É o que sente a minha alma. Que pavor! O que tenho de atravessar! Por vezes é tal o tormento, que a alma não transformar-se, desfalece. Mas a este desfalecimento, vem de encontro a dor de Jesus. Descem do alto direitos ao meu peito, a penetrarem no coração, raios de fogo, raios de amor. E então eu vivo, e com mais coragem e força abraço o crucifixo, abraço a dor e a cruz, e sem temor digo a Jesus; sou a Vossa vítima. No meio de agudíssimas dores, Jesus tem passado, à minha frente, vagarosamente, com um grande madeiro aos Seus Santíssimos Ombros. A visão da cruz, e ao vê-Lo assim desfigurado, comove-me, leva-me à compaixão, leva-me à sede de mais dar a Jesus, de mais e mais sofrer por Ele. Nas horas em que mais sofri, apareceu-me, duma vez, Jesus, em tamanho natural, cheio de luz, resplandecente de glória, e, noutra hora, a Mãezinha com o Menino Jesus ao colo, todo sorridente para mim, a estender-me os Seus bracinhos, como quem queria abraçar-me. Ao Seu lado uma cruz Formosíssima, luminosa, cheia de coroas de rosas. Que beleza! Aquela cruz, com Jesus e a Mãezinha, já era o Céu. Compreendi e senti na alma que era a cruz do Seu martírio, transformada na cruz celeste. Era minha; e o fim será no Céu. Foi o que eu senti. Esta visão fortaleceu a minha alma; por algum tempo era outra. Quando me sinto mais desfalecida, por vezes, sinto essa cruz gravada dentro de mim; logo retomo forças para resistir à dor. Jesus serve-se de tantos meios para ajudar a mais pobre e miserável das Suas filhinhas! Bendito, bendito Ele seja! Que pena eu tenho de não corresponder ao Seu amor infinito!

(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 11 de Abril de 1947 - Sexta-feira)

VI A FIGUEIRA…

Pouco depois, vi pela segunda vez a figueira reverdecida, e depois já seca sem uma folha ao menos.

Na tarde de ontem, eu senti e vi Jesus numa grande amargura, com a Sua Sacrossanta Cabeça apoiada nas Suas Santíssimas mãos, em profundo silêncio. A seguir levantou os Seus divinos olhos, fitou a cidade representada dentro de mim; chorou, chorou sobre ela. Pouco depois, vi pela segunda vez a figueira reverdecida, e depois já seca sem uma folha ao menos. Essa figueira saía por entre um montinho de pedras. Vi ao mesmo lado que a vi pela primeira vez. Depois da ceia de Jesus com os Seus Apóstolos, vi pela primeira vez benzer o pão que viria a ser a nossa Eucaristia. Que encanto! O Seu Santíssimo Rosto era só luz, parecia que só fogo a rodeava, com os olhos encantadores fitos no Céu a um sorriso doce abençoava o pão, que pouco depois por todos distribuía. Quando Judas O recebeu, tornou-se ainda mais desesperado; já não parecia homem, mas sim um demónio. Jesus falava sempre com a mesma doçura e meigos sorrisos. Ainda foi ao Horto, receber o beijo do infeliz traidor, depois de ter suado sangue e sentir todo o Horto estremecer, sobretudo quando foi preso Jesus. Segui com Ele e com Ele fui espancada.
Hoje, ao seguir o Calvário, caminhava, pelo solo duro, a ser com Jesus açoitada e maltratada, com todo o corpo em chagas e sangue. Caminhava e não sei como. Sobre a terra e os maus-tratos dos homens e sobre mim o Céu com toda a sua justiça. Como essa justiça me esmagava! E eu tão desfalecida e sem luz não podia caminhar. Próxima à montanha ainda; ela caiu sobre mim; tive que romper as lajes. Senti o meu corpo como que um esqueleto tingido de sangue; e neste estado fiquei na cruz. O brado de Jesus não foi só por três vezes que se fez ouvir em todo o Calvário; foi um brado contínuo em toda a Sua agonia, era um brado do Coração que Ele fazia chegar ao Pai e que parecia ser por Ele rejeitado. Pelo Pai bradava e pelo mundo espalhava amor; tudo lhe saia do Seu divino Coração. E a Mãezinha, chorosa, ao pé da cruz, na mesma agonia! E sentia que Ela era com Jesus, que estava em mim, uma só coisa. Juntaram as Suas lágrimas, dores e agonia. A vista da Mãezinha aumentou em Jesus a agonia. Eu na mesma união sofri também. Passou pelo meu corpo como que um sopro gelado que me deixou sem vida; e senti como se o espírito me deixasse.

(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 11 de Abril de 1947 - Sexta-feira)

MEU JESUS, OLHAI A MINHA MISÉRIA

Quero o teu amor. Ama-Me, ama-Me por ti, ama-Me pelos que não Me amam.

Veio depois Jesus, restituiu-me a vida e disse-me:
― Vem, vem, Minha filha, dar de beber, saciar com a tua dor a sede ardente, a sede devoradora do teu Esposo, do teu Jesus. Quero o teu amor. Ama-Me, ama-Me por ti, ama-Me pelos que não Me amam. Eu tenho fome, Eu tenho sede das almas; não posso viver assim. Tenho sede de amor, e sou por elas ferido; quero-as em Meu Divino Coração, e sou pelos pecadores lanceado. Repara, repara bem como Eu estou. Jesus retirou do peito os Seus vestidos; tinha o lado aberto, o Coração todo em sangue.
Sem poder vê-Lo assim ferido disse:
― O que posso eu fazer Jesus? Amar-Vos, não sei, nada tenho para consolar-Vos. Dai-me o Vosso amor; com ele posso dizer que Vos amo por mim e por todos os que Vos não amam. Dai-me a Vossa força para com ela poder dizer-Vos; dai-me todo o sofrimento, para com ele salvar as almas e não deixar que os pecadores assim firam o Vosso Divino Coração. Quero sofrer, meu Jesus, para ver o Vosso peito cerrado e sem ferida o Vosso Divino Coração; que Ele seja só amor e compaixão para com todos os que Vos ferem, Jesus.
― Já estou curado, Minha heroína; a tua generosidade e amor à dor foram o bálsamo que Me curou. És tu, Minha louquinha, o bálsamo do Meu sofrer, e eu serei sempre o bálsamo, a força, o conforto no teu martírio. Coragem! O mendigo, que todas as sextas-feiras te bate à porta a pedir a esmola, não cessa de te pedir: dá-Me dor, Minha louquinha, dá-Me dor, salva-Me as almas; consola o Meu divino Coração e vai dizer ao mundo: converte-te, vem para Jesus; converte-te e ama-O; converte-te e converte-te depressa, se não queres ver bem depressa cair sobre ti toda a infinita justiça de Seu Eterno Pai.
― Meu Jesus, olhai a minha miséria e compadecei-Vos dela; eu não sei sofrer nem reparar e parece-me que são inúteis os meus sofrimentos.
― Revestidos de mim, têm todo o valor. Confia no que te diz Jesus. Vais ver sair do Purgatório, subir ao Céu trinta e três almas em honra dos anos que vivi na terra e salvas por ti. Vão ser levadas pela Minha Bendita Mãe.
Vi como que um campo de fogo, mas um fogo que atraía e que fazia a alma ansiar e mergulhar-se nele. Por entre essas chamas foram saindo e voando um bando de pombas brancas, brancas como a branca neve; esvoaçavam como andorinhas a poisarem nos seus ninhos; o ninho delas era o manto azul celeste da Mãezinha que ficou guarnecido com todas essas pombas brancas. A Mãezinha, coroada de rainha, foi subindo, subindo, até que desapareceu com todo o bando. Num grande contentamento disse:
― Obrigada, obrigada, meu Jesus; fazei que vão ocupar o lugar delas, para se purificarem todas as almas que partirem do mundo; para que nenhuma se perca sou sempre a Vossa vítima.
― Para que assim seja, filha querida, para que se salvem os pecadores, dás-Me então uma grande reparação, nos dias que vão seguir-se? Terás grandes ataques com o demónio; terás que combater fortemente. Não Me dás uma recusa, não?
― Não, meu Jesus; dai-me a Vossa graça, para não Vos ofender; sede a minha força, para eu poder abraçar todo o martírio. Sede comigo e aceitai o meu coração agradecido.


(Beata Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma, 11 de Abril de 1947 - Sexta-feira)