quarta-feira, maio 23, 2018


PERÍODO EM QUE O DEMÓNIO MAIS ME APOQUENTOU


– Se a vida material melhorou nesta altura, redobraram os assaltos do demónio que há meses me vinha ameaçando. Foi em Julho de 1937 que o «manquinho», não satisfeito de me atormentar a consciência e de me dizer coisas demasiadamente feias, principiou a atirar-me abaixo da cama e de noite e a qualquer hora do dia.


A princípio, até para as pessoas da casa fui encobrindo, menos para a minha irmã, passando por ser aflições do coração. A pouco e pouco, o mal foi aumentando e teve que o saber minha mãe e uma pessoa que vivia connosco. Quem observava os tombos que eu dava abaixo da cama mostravam-se muito pesarosos, não supondo nada do que se tratava. Passavam-se os dias e o mal aumentava sempre. Uma noite atirou-me para o chão, passando por cima da cama de minha irmã, que ficava junto de mim. Ela levantou-se, pegando em mim ao colo, e dizia: «Anda para a tua caminha.» Mal ela me deitou, levantei-me rapidamente e dei uns assobios. Reconhecendo imediatamente o mal que tinha feito, principiei a chorar e disse para minha irmã: «Ai, o que eu fiz!» Ela sossegou-me, dizendo: «Não te aflijas, que não foste tu.» Na noite seguinte, voltou a acontecer o mesmo, e disse-lhe em voz alta: «Não me deito» – afastando-a de mim. Quando reconhecia que fazia mal, chorava.
Uma noite em que passei com o mafarrico as coisas piores que se podiam imaginar, o que tudo desconhecia e ignorava, chorava amargamente e pensava não receber o meu Jesus sem me confessar. Nesse dia, o Sr. Abade não estava na freguesia para vir trazer Nosso Senhor, mas pensava quanto me custaria ter de dizer que não comungava sem me reconciliar, com receio que o Sr. Abade me perguntasse a causa, e ter de lhe dizer tudo, tudo, e não querer abrir-me com ele. Minha irmã, ao ver as minhas lágrimas, procurava consolar-me por todas as formas. Como não conseguisse, disse-me que à tarde iria falar com o meu Director espiritual que se encontrava a fazer uma pregação numa freguesia vizinha da nossa. Disse-lhe que nada adiantava, pois não lhe diria a ele o que se tinha passado. Pedi-lhe um postal de Nossa Senhora e, com grande sacrifício, descrevi por maior o sucedido, guardando-o debaixo do travesseiro até que chegasse a hora de o ir entregar. De repente, entrou no meu quarto o meu Director, acompanhado por um seminarista, trazendo-me Jesus-Hóstia para eu receber. Como soubesse que estava para banhos o nosso pároco, teve a boa lembrança de me vir trazer Jesus. Quando Sua Reverência me disse que trazia Nosso Senhor para receber, respondi-lhe: «Não posso comungar sem me confessar.»
As lágrimas e a vergonha não me deixavam falar. Com muito custo disse que tinha escrito um postal e que o guardava sob o travesseiro. O meu Director tomou-o, leu-o e tudo compreendeu, sossegando-me e dizendo-me que tudo previa em face de tudo quanto se tinha passado, mas não me tinha prevenido de nada.
Foi tremenda esta tribulação, que se repetiu por várias vezes. Tinha ataques muito furiosos duas vezes por dia, pelas nove ou dez horas da noite e depois do meio-dia, durante cerca de uma hora ou mais. Durante os ataques, sentia em mim toda a raiva e furor do inferno. Não podia consentir que me falassem de Nosso Senhor e na Mãezinha, nem podia ver as Suas imagens, cuspindo-as e calcando-as aos pés. Também não podia consentir junto de mim o meu Director; chamava-lhe nomes, queria espancá-lo e tinha-lhe uma raiva de morte, assim como a algumas pessoas da casa. Ficava com o meu corpo denegrecido com as pancadas e a escorrer sangue com as mordeduras. Também dizia palavras muito feias para quem estava junto de mim. Hoje gostava que muita gente presenciasse só para temerem o inferno e não ofenderem a Jesus.
Depois que passava a influência do demónio e recordava o que tinha feito e dito, sentia horrorosos escrúpulos; parecia-me ser a maior criminosa. Foram meses de doloroso martírio. Muito mais tinha que dizer sobre este assunto, mas não posso. A minha alma não resiste ao relembrar tais sofrimentos. (Autobiografia)


PRIMEIRO EXAME DA SANTA SÉ


– Em 1 de Maio de 1937, recebi a vista de Rev.mo o Padre Durão. Vinha mandado da Santa Sé para examinar o caso da consagração do Mundo a Nossa Senhora. O meu desejo era viver ocultamente, sem que ninguém soubesse o que se passou. Sua Reverência entregou à minha irmã um cartão do meu Director espiritual e disse-lhe que mo lesse. Ao ouvir as palavras do cartão que eram assim «Vai aí o Sr. Padre Durão; fale-lhe à vontade e responda-lhe a tudo o que lhe perguntar», fiquei admirada e disse para a minha irmã: «Que hei-de eu dizer-lhe?» Não sabia que era preciso estes exames para casos destes. Minha irmã animou-me e disse-me: «Dirás o que Nosso Senhor te inspirar.»


Fiquei surpreendida quando me fez perguntas das coisas de Nosso Senhor, mas, sem a mais pequena hesitação, comecei a responder às suas perguntas. Sua Reverência disse-me que só queria que lhe dissesse o principal, pois não me queria cansar, visto ser grave o meu estado. Respondi-lhe que não sabia que era o principal. Sua Reverência disse-me: «Gosto disso, gosto disso.» E foi quando me falou da consagração do mundo a Nossa Senhora. Depois de me fazer várias perguntas, com muito bom modo, disse-me: «Não se enganará?» Ao ouvir estas palavras, passou-me pela mente o engano da minha morte e pensei assim: «Isto é contra mim, vou já dizê-lo.» Então respondi: «Enganei…» E contei-lhe o que se tinha passado na Festa da Santíssima Trindade de 1936. Sua Reverência não mais me disse se estaria enganada, e falou assim: «Estas coisas custam muito, não custam?» Respondi: «Custam e fico triste.» E comecei a chorar. Sua Reverência pediu-me para o não esquecer nas minhas orações e prometeu-me nunca me esquecer no Santo Sacrifício da Missa.
Ajoelhou-se, rezou três Ave-Marias a Nossa Senhora e algumas jaculatórias. Despediu-se de mim e retirou-se. Chorei muito e fiquei muito atribulada e triste por se saber o que há tanto tempo de passava ocultamente. Escrevi logo ao meu Director espiritual, contando-lhe tudo. Sua Reverência respondeu-me imediatamente sossegando-me e dizendo que era tudo para glória de Nosso Senhor.

Nota do Padre Mariano Pinho: «Esqueceu a narração de como, em Setembro de 1936, se escreveu para a Santa Sé sobre a Consagração.


MORTE APARENTE OU MORTE MÍSTICA


– Em 1935, Nosso Senhor preveniu-me de que iria morrer antes da festa da Santíssima Trindade de 1936. Como não conhecia outra morte, pensava que era deixar este mundo e partir para a eternidade. Nesse tempo, tudo eram mimos, consolações e alegrias espirituais. À medida que se ia aproximando o dia da Santíssima Trindade, aumentava a minha alegria e contentamento. Ia passar no Céu a festa dos meus tão queridos Amores, como lhes chamava: Pai, Filho e Espírito Santo.


Os males do corpo iam aumentando e tudo dava sinal da minha partida. Dois dias antes, Nosso Senhor disse-me que morreria das 3h às 3,5 da manhã e que mandasse vir o meu Pai espiritual. Assim o fiz. Ele chegou ao cair da tarde e passou a noite junto de mim. Preparei-me para morrer. Sua Reverência fez comigo um acto de inteira resignação e conformidade com a vontade de Deus. Pedi perdão à minha família, a cantar de alegria, assim:

Feliz, oh, feliz
Se eu tal conseguia,
Morrer a cantar
O nome de Maria!
Feliz quem mil vezes,
Na longa agonia,
Com amor repete
O nome de Maria.

A aflição ia aumentando, à hora marcada por Nosso Senhor, não sei o que senti, deixando de ouvir o que se passava à volta de mim. O meu Pai espiritual e a minha família rezaram o ofício da agonia, acenderam uma vela benzida, meteram-ma nas mãos, mas eu já não dei por isso, e assim estive algum tempo.
Julgavam-me já quase morta e choravam por mim. Nessa altura, já ouvi os choros dos meus; principiei a respirar e, pouco a pouco, reanimei-me, mas, ainda debaixo do mesmo estado, pensei: Estais a chorar e eu sempre morro. Estava sempre a ver quando aparecia na presença de Nosso Senhor. Não tinha pena por deixar o mundo e os meus queridos. Quando via que ia melhorar e que não se cumpriam as palavras de Jesus, caiu sobe mim uma tristeza que não se pode calcular e um peso esmagador.
Eram horas do meu Director espiritual se retirar, não tendo tempo para me dizer umas palavrinhas de conforto. Passei a festa da Santíssima Trindade como uma moribunda e dentro de mim tudo era morte. As lágrimas corriam-me, as dúvidas eram quase insuportáveis, porque não só me tinha enganado no que dizia respeito a este dia, isto é, à morte, como também em tudo quanto Nosso Senhor me tinha dito antes deste dia. Nos dois primeiros dias a seguir, parecia-me que todo o mundo estava morto. Não havia sol, nem lua, nem dia para mim. Era quase insuportável o meu viver. Aproximavam-se de mim a Deolinda e a Çãozinha, únicas pessoas que sabiam do caso, e diziam: «Não falas para nós? Não te ris?» Eu respondia-lhes: «Retirai-vos de mim!” Já não sou a mesma! Jamais me vereis rir; não haverá sol que me alumie!» – e chorava. Debaixo da maior dor e amargura, falava-lhes de tal forma que elas não tinham mais que me dizer.
Estavam as duas a combinar em ir uma delas ter com o meu Director espiritual, quando de repente apareceu o Sr. Dr. Oliveira Dias, que vinha em nome do meu Pai espiritual confortar a minha alma. Sua Reverência tinha-lhe contado tudo e, como não pudesse vir pessoalmente, pois estava em pregação, compreendendo bem o meu sofrimento, tratou de nos aliviar.
Sua Reverência, o Sr. Dr. Oliveira Dias, esclareceu-me o caso, contando-nos várias passagens que se tinham dado com alguns santos e desde então fiquei a saber que se tratava da morte mística, da qual nunca tinha ouvido falar. O Sr. Dr. Oliveira Dias pareceu-me um anjo que veio do Céu serenar a tempestade da minha alma. Continuei a viver muito atribulada, pois Jesus pareceu morrer também, ficando alguns meses sem ouvir a Sua divina voz. Quando aumentava a agonia da alma, recordava os casos que me tinham sido contados e animava-me com o que dizia o meu Pai espiritual. (Autobiografia)

sábado, maio 19, 2018

TENHO FOME, TENHO SEDE DE POSSUIR JESUS



Tenho fome, tenho sede de possuir Jesus; não cessa, é devoradora. Quanto mais corro ao Seu encontro, mais sinto Ele fugir. Perdi-O, perdi-O, não O encontro no meio de tantas trevas. Infundo-me nelas cada vez mais, de olhos vendados e louca por tão grande dor ato na cabeça as minhas mãos. Não digo bem: sinto que o faço e que estou perdida no mar tempestuoso e encapelado, na noite mais negra e aterradora, mergulhada em mundos de escuridão. Sinto e ouço o zunir dos ventos, as ondas levantam-se à maior altura e baixam de novo serenamente. E eu sozinha, tão sozinha, sem ninguém! Ao sentir tempestade tão desastrosa, fito-a, escuto-a, mas com serenidade. Se morrer nela, morro por Jesus, morro pelas almas. Confio, espero, o meu corpo pode sofrer tudo, pode desaparecer destruído com o furor da tempestade, mas a alma tem o seu fim, há-de ir ao encontro de Jesus, Ele há-de recebê-la, há-de ampará-la e levá-la para Ele.
— Ó mundo, que tão ingrato tens sido para mim! E eu amo-te tanto; amo-te não pelos teus falsos encantos, mas sim porque és de Jesus. A minha dor por vezes é quase desesperadora. Oh! se não fosse Jesus e a Mãezinha! A Eles devo a minha resistência a tudo.
Jesus prometeu e não faltou: veio ontem e veio hoje, confortou a minha alma. Parece descer do ar como a avezinha que baixa ao seu ninho. Ontem falou-me depois de por um bom espaço de tempo me ter feito sentir o Seu divino amor e acalentar o meu coração com o Seu bafo divino. Disse-me:
— Minha filha, venho a ti com o meu amor que é a vida do teu corpo, que é a vida da tua alma. Sou teu, estou aqui, confia, sou o teu Jesus.
Hoje fez-me sentir a Sua divina presença em mim, fez dilatar fortemente o meu coração e cobriu-o das Suas ternuras e carícias. Depois disto despertei como dum sono e disse-Lhe:
— Muito obrigada.
Só no dia vinte, dia do Divino Espírito Santo, não veio, deixou-me todo o dia num prolongado martírio. Escondi o mais que pude, com o sorriso, a dor que sentia. Mas então nesse dia é que redobrou a ternura dos meus olhares, então é que eu via as almas, escolhi-as, ia ao seu encontro, atraía-as, prendia-as com as doces prisões que tinha em meu coração. E desde então vou-as enleando cada vez mais. Sofro por possuir tudo isto no meio da minha miséria.
— Meu Deus, guardar esta riqueza, que me não pertence, no meio da minha podridão! O que eu  sou, o que eu sou! Jesus, que horror!
De longe a longe, sinto os abalos na minha alma e junto com eles um desassossego, com que um desespero, mas que não é meu. Abro os meus braços, estendo-os na cruz, ofereço a Jesus o meu coração e deixo-me imolar, deixo-me sacrificar. Tenho sede do amor de Jesus e não O amo. Tenho sede das almas e não as salvo. Renovo a minha oferta de vítima e aceito o que Jesus quiser. (Sentimentos da alma: 22-05-1945)


sexta-feira, maio 18, 2018

UM DIA NA VIDA DA BEATA ALEXANDRINA




18 de Maio de 1945 – Sexta-feira

Bendirei ao Senhor. Recebi de Jesus, neste mês bendito da querida Mãezinha, mais um miminho, que veio abrir-me a sepultura, e mais miminhos que vieram cravar-me na chaga do meu coração sempre a sangrar, não a deixando assim cicatrizar. De vez em quando é avivada fortemente. Bendirei sempre a Jesus e à Mãezinha, mas confesso: se não fossem as forças do céu, teria desesperado e morrido. Que grande amor o de Jesus!
— Quanto Vos devo, meu Amor. Convosco venci e vencerei sempre.
Não pude ter uma palavra de queixume; ainda mais mereço pela minha miséria. Estou como a pombinha de bico aberto a bater as asas prestes a perder-se sem ter onde pousar. Tenho sede de luz, tenho sede de conforto.
— Já que na terra me tapam todos os caminhos, deixai-me, Jesus, deixai-me, Mãezinha, entrar nos Vossos Corações amantíssimos. Ainda que nada sinta, deixai-me ao menos a certeza que vivo n’Eles. Lá estou livre de ódios e perseguições, lá estou certa de que Vos amo e não Vos ofendo.
Se o meu corpo pudesse encobrir-se nas trevas para não ser mais visto nem lembrado, como nas trevas foi encoberta a minha alma, assim morreria, não seria mais falada como são os desejos do meu Prelado. É com todo o amor que aceito e obedeço às suas ordens. Não nasceu dentro em mim a mais pequenina sombra de ódio contra ele e contra os seus companheiros. Antes pelo contrário, dizia:
— Meu Jesus, compadecei-Vos deles, não compreendem mais, não conhecem os sofrimentos duma alma. Meu Jesus, se pudesse prostrar-me diante de Vós e de mãos levantadas soubesse agradecer-Vos os miminhos que me dais!
Com o coração a sangrar de dor, não pude com os lábios rezar a Magnificat, mas rezei-a com o pensamento.
— Dai-me força, Jesus, para sofrer e não me condeneis Vós, porque a sentença dos homens nada vale a não ser para meu maior martírio.
Foram os homens que me prepararam o sofrimento de hoje, para mais me assemelhar a Jesus e acompanhá-Lo no caminho do calvário. E lá vou eu, presa com cordas, mas com amor abraçada à cruz. Sou vítima das opiniões dos homens, sou vítima das lágrimas dos meus. Se eu pudesse sofrer sozinha… Bendirei ao Senhor, não quero perder um momento. Os meus olhares continuam a não serem meus. Fitam-se cheios de ternura num e noutro coração que mais se deixa compenetrar destes olhares tão cheios de doçura e amor. Os olhares não vão para todos por igual; os corações, a sua correspondência, é que fazem merecer tudo quanto estes olhares encerram. Tinha tanto que dizer neste ponto! São tantos os que queria atrair e abraçar a mim!
— O que é isto, meu Jesus?
É sempre a minha cruz. Neste conjunto de sofrimentos, o meu calvário com o de Jesus, o coração oprimido com o peso esmagador da dor abafava, não resistia.
— Poderei vencer, Jesus? Resistirei a tanto? Só convosco. Valei-me, tenho medo.
Sentia tanto o meu abandono e o de Jesus! O meu corpo sangrava, dava as últimas gotas de sangue. Ele veio.
— Amo-te tanto, minha filha! Assemelhei-te a mim e o teu calvário ao meu. Tem coragem. Os espinhos que te ferem foram os meus. As varas que te açoitam e despedaçam foram as minhas. Os maus-tratos e as cordas que te prendem eram minhas, e a cruz minha foi também. Foi o amor a causa dos espinhos, dos açoites, da cruz, do calvário e da morte. Prendeu-me o amor à cruz, prendeu-me ainda nos sacrários até ao fim dos séculos. E tu, minha pomba bela, à minha semelhança presa foste também; prendeu-te o amor ao meu Divino Coração, prendeu-te o amor às almas. Deixa-te ferir, minha amada; cada espinho que te fere sai um dia da minha sagrada cabeça e do meu Divino Coração. Vês como tenho tantos!
Jesus apresentou-me a Sua sagrada cabeça e o Seu Coração Divino. Que grande sebe agudíssima o feria! Enterneci-me tanto por Jesus e disse-Lhe:
— Aceito tudo o que seja dor, mas quero tirar de Vós todos esses espinhos e não deixar sinal algum de ferimento.
Principiei a tirar espinhos de Jesus que tinha ao meu dispor. Em poucos instantes desapareceram todos, e nem a sagrada cabeça nem o Coração Divino ficaram chagados, nem com sinal de sangue. Tudo desapareceu.
— Vês, minha esposa querida, como o teu novo sofrimento cicatrizou todas as feridas que eu tinha? Coragem! Anima-te, eu não te falto. Duvidar de mim é ofender-me. Ainda que te dissesse que o que te prometi vinha, não te enganava, ainda que levasse anos, pois os anos em comparação da eternidade representam um já. Mas não demoro, confia. Vou deixar-te, minha filha, um pouco mais libertada do demónio, para poderes resistir. Preciso de operar milagre. Se soubesses com os combates do demónio as almas que arrancaste dos abismos e conduziste a mim! Estão firmes, não voltam a ofender-me gravemente, salvam-se. Para resistires ao teu penoso calvário vou vir a ti frequentes vezes, as mais delas silencioso. São êxtases de amor, mas deles receberás sempre, sempre, toda a abundância das minhas graças, ternuras e amor. És rica de mim, és rica de virtudes. É por isso que os teus olhares atraem, têm carinhos, têm doçuras, têm prisões, têm amor. É por isso que o teu sorriso tem meiguices, tem tudo o que é do céu. Não vives, vivo eu, são meios de salvação e de chamamento às almas. Não é verdade, minha filha, que eu na minha vida, no meu calvário, possuía duas vidas, humana e divina? Até nisso te pareces comigo. No teu calvário tens também a vida divina, é Cristo que está em ti. Nada temas. Vem o jardineiro divino ao Seu jardim ver as maravilhas que nele operou e o fruto de tantas canseiras. Vem o Rei ao palácio da Sua esposa, o Redentor divino à Sua redentora, à nova salvadora da humanidade. As minhas maravilhas em ti não ficam ocultas, não consinto no seu escondimento, hão-de brilhar, são a minha glória, são a salvação das almas. Tudo será escrito, minha doutora das ciências divinas, tudo será conhecido no livro da tua vida. És a heroína do amor, a heroína da dor, a heroína da reparação, a heroína dos combates, a rainha dos heroísmos. Recebe conforto, filhinha, recebe o meu amor divino. Quando vier a ti nos meus colóquios, uno-me a ti com este amor. Venho dar vida e conforto ao teu coração, ajudar-te nas tuas trevas. Conta sempre comigo mesmo no meu exílio, no meu escondimento em ti. És minha sempre, e eu sempre em ti habito.
— Aceitai, meu Jesus, o meu coração agradecido e entregai-o por mim à Mãezinha. Muito obrigada pelo fogo divino que me fazeis sentir. Se todas as almas o sentissem! Parece-me que tenho uma enorme fornalha no peito e no coração. Como sois poderoso e bom para comigo! Aceitai o meu sofrimento como prova do meu amor e dai-me por ele as almas. Lembro-Vos, meu Jesus, neste momento, todos os que me são queridos. Lembro-Vos os sacerdotes e os pobres pecadores. Lembro-Vos o Santo Padre e as suas intenções. Lembro-Vos toda a minha família e todos os que se me recomendam. Lembro-Vos os que me ferem e lembro-Vos o mundo inteiro.
— Aceito, filhinha, toda a prece saída dos teus lábios. Pede, pede tudo, pede, confia sempre.
Voltei às trevas e à minha dor, mas a arder em sede de consolar o meu Jesus e salvar o mundo. Não há na terra maior alegria do que sofrer por Ele. (Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma)