segunda-feira, fevereiro 24, 2020

A ESPERANÇA DA ALEXANDRINA


Depois de vos ter falado da fé inquebrantável da Alexandrina, vou hoje falar-vos doutra das suas virtudes: a esperança.
Começarei por afirmar que aquela frase de S. Paulo na sua carta aos romanos lhe assenta perfeitamente bem: «esperar contra toda a esperança» (Rm. 4:18).
A esperança era, na Alexandrina, uma virtude inata, porque a sua confiança em Deus era total.
No documento utilizado para a sua beatificação – Posições e artigos – podemos ler, no artigo 40 o que segue:
«A Alexandrina orientou a sua vida, desde pequena, para Nosso Senhor. Cedo sentiu uma atracção extraordinária para o Céu. As belezas naturais despertavam nela e aumentavam as ânsias do Paraíso. Viveu no desejo de se unir para sempre a Nosso Senhor, mas, conformada com a vontade d’Ele, renunciou a pedir o Céu para que essa vontade divina se cumprisse da maneira mais perfeita.»
No artigo seguinte podemos ainda ler esta afirmação que não sofre qualquer sombra de dúvida:
«Tinha a certeza do Céu, mas agiu no santo temor de Deus, com prudência e generosidade, para corresponder às graças, receosa de não dar tudo a Nosso Senhor. Por isso, pedia auxílio a Nossa Senhora e aos Santos, e recomendava-se às orações de todos.»
“Ter a certeza do Céu” é algo de muito bom para qualquer alma, mas para ter essa certeza é necessária uma outra virtude que também era natural na Alexandrina: a humildade, como é demonstrado no artigo 43 do mesmo documento:
«Tinha consciência da sua miséria e pobreza espiritual, mas mais ainda da misericórdia de Deus. Mesmo a pessoas manchadas de grandes culpas, falava da bondade e misericórdia do Senhor com tanta eficácia e força persuasiva que dissipava qualquer temor e desalento. A muitos deixou a impressão de que incarnava a misericórdia de Deus.»
Era esta humildade que fazia vergar os corações mais duros, mais empedernidos e os levava a Deus, porque sentiam nela a paz e o amor de Deus. Daí esta afirmação importante no artigo 43 do documento citado:
«Abandonava-se completamente à Divina Providência e aconselhava os outros a fazerem o mesmo. Foram inúmeras as pessoas que, por essa confiança que sabia infundir, lhe abriram os segredos mais íntimos da sua alma, como se fora a um sacerdote.»
E ainda:
«A confiança ilimitada que tinha em Deus manteve-a sempre em paz; mesmo no meio das mais tremendas provações soube calar-se sem nunca se queixar com as criaturas. Foi esta confiança que a inspirou e ajudou a dar força e resignação aos seus [entes] queridos.»
No que a Igreja chama de “Comunhão dos Santos”, a Alexandrina sempre teve uma acção importante, como podemos ver:
«Tinha a máxima confiança na oração a que unia sempre sofrimentos e esmolas para obter graças. Nunca fez presentes a Deus os seus merecimentos, mas confiava na bondade, providência e misericórdia do Senhor, como também nas orações dos outros. A Ele oferecia os merecimentos da Paixão de Jesus, da Mãe do Céu e dos Santos, juntamente com o fruto das Missas que se celebravam no mundo.»
Como é sabido de todos, ela sofreu muito e tudo ofereceu para o bem das almas, mesmo quando atravessou momentos de grandes dificuldades materiais e espirituais, mas a sua esperança nunca se alterou, como fica dito a seguir:
«Viveu vários anos — porventura os mais difíceis — sem um guia espiritual, e teve que exercitar-se de uma maneira heróica na virtude da esperança. De igual heroísmo deu mostras por causa do abandono e incompreensão das criaturas, não se deixando cair no desconforto.»
Como ela, permaneçamos sempre confiantes na misericórdia e no amor de Deus: fixemos n’Ele a nossa esperança, porque Deus é “rico em misericórdia” e fiel no seu amor por nós.
Afonso Rocha

sexta-feira, fevereiro 21, 2020

PAIXÃO VISÍVEL


Prosseguindo estas conferências sobre a Beata Alexandrina Maria da Costa, vou-vos falar hoje de como ela começou a viver, de maneira visível, a Paixão de Jesus.
Isto não aconteceu de repente: Jesus preparou-a para isso. Vejamos como ela mesma o explica ao seu Director espiritual:
"Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito".
«Quinta-feira, dia 6 de Setembro de 1934, o Sr. Abade veio trazer Nosso Senhor a uma doente minha vizinha, e ao mesmo tempo trouxe também para mim. Depois de comungar não sei como fiquei; estava fria, parecia-me que não sabia dar graças. Mas, louvado seja o meu bom Jesus! não olhou para a minha indignidade, nem para a minha frieza. Parecia-me ouvir dizer:
“Dá-me as tuas mãos que as quero cravar comigo; dá-me os teus pés que os quero cravar comigo; dá-me a tua cabeça que a quero coroar de espinhos, como me fizeram a mim; dá-me o teu coração que o quero trespassar com a lança, como me trespassaram à mim; consagra-me o teu corpo, oferece-te toda a mim, que te quero possuir por completo e fazer o que me aprouver”.
Este pedido surpreendeu a “Doentinha de Balasar”, o que perfeitamente se compreende, como ela mesma o explica, na mesma carta ao seu Pai espiritual:
«Foi isto o bastante para me ter tido muito preocupada. Não sabia o que havia de fazer; calar-me e não dizer nada, parece-me não ser a vontade de Nosso Senhor, parece-me que o meu bom Jesus não queria que eu ocultasse isto. Isto repetiu-se na sexta-feira, e hoje, dia de Nossa Senhora, assim como também a obediência em tudo, como já expliquei a Vossa Reverência. Será isto uma ilusão minha?»
O medo de se enganar e pela mesma ocasião enganar os outros estava sempre presente no seu espírito.
Um mês vai passar e Jesus vai voltar a falar na Paixão, explicando mesmo o que lhe aconteceu:
«Quando Nosso Senhor me pede o meu corpo — escreveu a Alexandrina —, quando chega à coroação de espinhos, diz-me:
— “Que dores horríveis eu senti quando Me coroaram de espinhos! Perdi tanto sangue, e tanto inútil! Fiquei exausto de forças, as minhas carnes despedaçadas, até a minha beleza desapareceu. E no meio de tantos algozes queres, minha querida filha, participar comigo de toda a minha Paixão? Oh! não me dês uma negativa! Ajuda-me na redenção do género humano!”
A proposta torna-se clara: “Ajuda-me na redenção do género humano”.
A Alexandrina continuava perplexa e mesmo duvidosa, e até mesmo  o demónio procurava fazê-la duvidar; eis porquê, no dia 5 de Outubro de 1934, Jesus diz-lhe:
«Que temes tu, minha filha, se Eu estou contigo? Eu sou o teu Senhor, o teu Amado, o teu Esposo e o teu Tudo. Fixei em ti a minha morada, sou o teu mestre, aprende as minhas lições e pratica-as: Eu te darei aquele amor com que desejo que tu me ames.»
E, referindo-se directamente ao demónio, Ele pergunta:
«A quem queres obedecer, a Mim e ao teu director ou ao demónio? Manda dizer ao teu pai espiritual que te vou modelando e preparando para coisas mais sublimes.»
No ano seguinte, a 30 de Julho de 1935, Jesus vai-lhe falar pela primeira vez da consagração do mundo à Virgem Maria. Muitos vão duvidar — durante quase 3 anos — da realidade deste pedido. Então o Senhor vai dar um sinal de como é bem Ele que pede a Consagração do mundo à sua bendita Mãe: A vivência, de maneira visível da Paixão todas as sextas-feiras a partir das três horas da tarde.
Esta “Paixão” pública começou no dia 3 de Outubro de 1938 e durou até 20 de Março de 1942, sinal que a consagração ia ser feita e foi mesmo, no dia 31 de Outubro desse mesmo ano, pelo Papa Pio XII.
As pessoas que eram autorizadas a assistir à dita Paixão saiam daquele pequeno quarto com as lágrimas nos olhos… e muitos saiam de lá convertidos.
O diálogo travado entre Jesus e a Alexandrina todos o podiam ouvir, porque a “Doentinha” repetia em voz alta as palavras de Jesus, que foram escritas por diversas pessoas, mas sobretudo pela Deolinda e pela professora Sãozinha.
Terminemos esta emissão com uma bela promessa de Jesus à sua esposa de Balasar:
— Minha filhinha, vive só para Mim; ama-Me muito, pensa só em Mim, e já que tão generosamente te ofereceste como vítima pelos pecados do mundo, eu colocarei em ti como que um canal para passar as graças às almas para toda a qualidade de crimes, para que tu me conduzas muitas almas.
Quantos e quantos podem testemunhar a veracidade destas divinas palavas! Eu sou um deles!
A Beata Alexandrina é na verdade um canal que liga as almas a Deus.
Afonso Rocha

AS VIRTUDES DA ALEXANDRINA


Num livrinho publicado a quando do processo informativo diocesana em vista da beatificação e canonização da Alexandrina e que eu tive a chance de adquirir, podem-se ler diversos comentários sobre as virtudes da Serva de Deus… Todos os artigos acabam com esta citação: “Como será provado”.
De facto, noutro documento importante e editado pela Sacra Congregação para as Causas dos Santos, todos os artigos deste pequeno livro são amplamente desenvolvidos e explicados.
Começarei pelas virtudes teologais: Fé Esperança e Caridade, cada uma delas por sua vez, visto haver em cada uma das virtudes, matéria para uma conferência.
No dito documento, indicado como “Artigo 25” podemos ler, no que diz respeito às virtudes em geral:
«Logo ao primeiro encontro com a Alexandrina, compreendia-se que não se estava em presença de uma doente qualquer. A expressão e o brilho do olhar, o sorriso luminoso, as palavras sempre repassadas de profundo espírito sobrenatural, de humildade, de caridade e prudência, de verdadeira sabedoria, de plena conformidade com a Vontade de Deus, revelavam que havia nela algo de especial: dons extraordinários, heroísmo autêntico na prática da virtude.»
No artigo seguinte, o autor mete em valor a ciência espiritual da Alexandrina e afirma:
«Com efeito teve uma ciência espiritual e mesmo humana superior ao comum, sobretudo se se em conta a sua limitadíssima preparação cultural e até religiosa; uma fortaleza extraordinária, um zelo prudente e ardoroso, uma caridade sensível a todo o género de misérias. Via-se nela uma hóstia imolada no mais puro amor, ao serviço de Deus e do próximo; um serafim da Eucaristia, uma filha devotada de Nossa Senhora, obedientíssima à Santa Igreja.»
Mais adiante, no artigo 28 começa a falar-nos da fé inquebrantável da “Doentinha de Balasar” e diz:
«A Fé levou a Alexandrina a encontrar e a admirar a Deus em tudo: flores, Céu, criancinhas, etc.. Nos acontecimentos tristes a alegres da vida e nas obras das criaturas via a sabedoria e a providência de Deus. A Ele queria dar toda a glória e tinha o maior respeito por todas as Suas coisas.»
A fé da Alexandrina era operante e comunicativa, podendo agir com eficácia nos corações daqueles que a visitavam:
Muito prudente, para evitar ilusões e enganos, embora tenha tido muitos dons, preferiu a fé e a piedade simples.
Sofria quando encontrava alguém que não tivesse fé.
«Apesar de favorecida por alto grau de contemplação, não ensinou aos outros as lindas preces que o seu coração lhe ditava: em volta da sua cama reunia as pessoas da família para as orações diárias, em que usava as fórmulas tradicionais. Nas dificuldades e provações, costumava dizer: “Tenhamos fé! Nosso Senhor não abandona ninguém!”»
A fé era nela como um manancial que inundava, não só a sua alma, mas também as almas de quantos com ela lidavam ou visitavam.
«Tinha sempre Deus diante dos olhos, no coração e nos lábios. Para ela, viver na presença de Deus era uma realidade contínua. A sua oração não era uma fonte que nascia do coração, mas um oceano em que vivia continuamente mergulhada. Nas conversas que tinha com quantos a visitavam, nas suas cartas, nos seus escrito, preocupava-se com tornar conhecido e amado Nosso Senhor, consolá-Lo e salvar almas.»
O artigo 31 do mesmo documento diz ainda:
«A sua fé fazia-a filha devotada, afeiçoadíssima, da Igreja, da qual acompanhava intensamente a vida litúrgica. Na Autoridade Eclesiástica via e sentia a Nosso Senhor e encontrava segurança. Interessou-se por muitas vocações sacerdotais e religiosas e pelas Missões. A sua correspondência epistolar revela que via nos directores espirituais a autoridade de Deus e deixava-se guiar com toda a docilidade.»
O artigo seguinte aborda um assunto muito importante na vida da Alexandrina: as tentações contra a Fé.
«Embora a sua instrução religiosa não tivesse ido além dos rudimentos indispensáveis, assimilou tão bem as verdades da Fé, que não se encontra na sua vida e nos seus escritos a mais pequena dúvida ou incerteza a este respeito. Além disso, escrevia e discutia problemas de fé com tal clareza e profundidade que só se explicam admitindo uma ilustração divina.
Teve períodos de terríveis tentações contra a Fé, que porém não conseguiram abalar nem de leve a solidez da sua crença.»
Terminarei com este artigo – o 33 – onde nos é mostrada claramente o amor da Alexandrina à Santíssima Trindade e à Eucaristia:
«A devoção à Santíssima Trindade era característica dominante da sua vida. Esta devoção transparecia na maneira como fazia o sinal da cruz, como rezava o “Gloria Patris” e do lugar que esta oração ocupava nas suas rezas diárias.
Na sua vida teve um lugar privilegiado o mistério de Incarnação. Nunca abandonava o crucifixo que trazia consigo na cama.
Não há palavras que exprimam cabalmente à seu amor à Santíssima Eucaristia. Sob a inspiração do Alto, escolheu como missão da sua vida a união com todos os sacrários da terra. Não se cansava de agradecer a dádiva da celebração da Santa Missa no seu quarto.
Teve desde nova grande e familiar devoção ao Divino Espírito Santo, e considerava-a devoção vital.»
Nunca me cansarei de vos incitar a recorrer à beata Alexandrina, quando as necessidades da vida se fazem sentir pesadamente: ela é tão poderosa junto do Senhor.
Afonso Rocha

terça-feira, fevereiro 18, 2020

TRANSFUSÃO DE SANGUE


Nas últimas conferências falei-vos dos amigos mais chegados da Alexandrina. Ainda vos falarei de alguns mais e até mesmo do seu maior opositor ou inimigo, o Padre Agostinho Veloso. Mas deixo esses para mais tarde, em momento oportuno.
Hoje vou falar-vos de um carisma muito particular, visto ser o único que se conhece na história dos Santos que a Igreja beatificou ou canonizou: a transfusão do Sangue divino para o coração da Alexandrina.
Santa Catarina de Sena, assim como santa Ângela de Foligno receberam o Sangue de Jesus, mas não de maneira frequente como aconteceu com ela, que o recebia ao menos uma vez por semana — às sextas-feiras — a partir de 25 de Junho de 1944.
Como já foi dito, a Alexandrina viveu 13 anos sem comer nem beber, alimentando-se unicamente da Sagrada Eucaristia quotidiana.
É bom saber igualmente que a ainda jovem – 40 anos — “doentinha de Balasar”, pesava então apenas 40 kg, o que era pouco para uma pessoa normalmente constituída e de estatura média.
No seu Diário desse mesmo dia ela escreveu:
«Nova prova de amor de Jesus: veio Ele levantar-me do abismo das trevas e da morte. Tomou-me em seus divinos braços, inclinou-me ao seu divino lado, deu-me a beber o seu Sangue do seu divino Coração. Que maravilha!»
Podemos facilmente compreender a surpresa e alegria da Alexandrina ao ver-se assim tanto acarinhada e privilegiada por Jesus e a sua exclamação natural: “Que maravilha!”
Mas esta solicitude de Jesus vai continuar e continuar até à morte da sua esposa de Balasar.
Às sextas-feiras, depois do colóquio com o seu divino Esposo, esta “transfusão do Sangue divino” se fará mas nem sempre da mesma maneira.
No mesmo Diário, mas agora a 29 de Junho de 1945, ela volta a falar desta oferta de Jesus para alimento da sua alma e do seu corpo:
«Jesus uniu novamente os nossos corações, estavam como que colados um ao outro. Eu via da chaga do Coração de Jesus passar para o meu o seu divino Sangue e raios fortíssimos do seu Amor. Só isto foi o bastante para eu me perder e enlouquecer por Ele.»
Claro que é mesmo de enlouquecer, de desmaiar ao sentir-se assim tão amada.
Algumas vezes este Sangue redentor chegava-lhe como por um tudo que partindo do Coração de Jesus se ligava ao coração da Alexandrina e deixava cair uma gota suficientemente forte que lhe dava mais vigor, mais vida.
No mesmo Diário, a Alexandrina escreveu no dia 13 de Fevereiro de 1948 este modo que Jesus explica:
«Vou dar-te a gota do meu divino Sangue, a maior prova do meu infinito Amor, a maior de todas as maravilhas, a única maravilha, que tinha destinado dar à maior vítima da humanidade, a quem confiei a missão mais sublime.»
E a Alexandrina explica então como se passou:
«Jesus, enquanto falava, introduziu o tubo no meu coração e deixou passar do d’Ele para o meu o seu Sangue divino. Senti, como se todo o coração por ele fosse molhado. Jesus foi para mim, como se fosse um pintor. Dilatou-se-me o coração, ficou grande, grande, infinitamente grande; tinha a grandeza do Senhor à qual eu não pude resistir. Acudiu Jesus, passou sobre o meu peito e sua divina Mão, acariciou-me, fiquei curada, deixei de sentir tal grandeza».
“Dilatou-se-me o coração, ficou grande, grande, infinitamente grande”, explica ela; era tão “grande que ela não podia resistir”, porque o “infinitamente grande” não se adapta facilmente ao infinitamente pequeno, por isso mesmo a ajuda divina era necessária e urgente. Jesus estendeu as suas mãos e, como outrora apaziguara a tempestade no mar da Galileia, agora fez calmar aquela “grandeza” que a Alexandrina sentia nela.
Sobre este fenómeno único, que durou, como já disse até à morte da Alexandrina, escrevi há alguns anos atrás um livro intitulado “O Sangue do Cordeiro”, que o Sr. Arcebispo de Braga teve a bondade de aprovar e que foi também editado no Brasil e tem uma versão em francês.
Junto de leito da Beata Alexandrina, vinham milhares de pessoas, para lhe pedirem conselhos e orações. Aconteceram factos que merecem ser contados. Na próxima emissão vos contarei um deles.
Afonso Rocha

PADRE ALBERTO GOMES


Desde há algumas semanas para cá tenho estado a falar-vos dos amigos da Alexandrina, aqueles que mais de perto lidaram com ela, como o Padre Mariano Pinho, seu primeiro director espiritual; o Padre Humberto Pasquale, seu segundo director; o Dr. Augusto de Azevedo, seu médico e por último o Dr. Henrique Gomes de Araújo, que não sendo, à partida, seu amigo, veio a sê-lo depois do internamento na Foz do Douro.
Mas a lista ainda se alonga um pouco mais, porque mais alguns merecem ser conhecidos e falados, para que não fiquem esquecidos, como tantas vezes acontece.
Padre Alberto Gomes, Fundador
Hoje vou falar-vos do seu confessor, o Padre Alberto Gomes.
Quando o Padre Mariano Pinho adquiriu a certeza que ia ser afastada da direcção espiritual da Alexandrina, procurou colocar ao lado dela um sacerdote santo, um sacerdote que a pudesse compreender e ajudá-la e a sua escolha não foi um outro jesuíta, mas um sacerdote simples, recatado e frágil, em suma, uma sacerdote segundo o Coração de Deus.
Segundo as informações que dele tenho actualmente, sei que o Padre Alberto Guimarães Gonçalves Gomes nasceu no dia 17 de Agosto de 1888 em Travassos, Póvoa de Lanhoso e que ali faleceu igualmente a 29 de Março de 1974. Sabemos que era o primeiro dos oito filhos do casal formado por Domingos António Gomes e Joaquina Rosa Alves, e que estes deram aos filhos uma sólida instrução cristã.
Diz um dos seus biógrafos que Alberto Gomes era de constituição muito frágil e de saúde delicada” e que “durante a infância, sofreu de graves problemas de saúde”.
Em 1904 “entrou no seminário de Santo António, em Braga, seguindo sete anos depois, para o seminário de São Tiago, onde completou o curso de Teologia”.
Com a implantação da República e as elucubrações anticlericais do Dr. Afonso Costa que queria acabar com a religião católica em Portugal, Alberto não pôde ser ordenado em Braga, mas sim no Porto, pelo Servo de Deus, Dom António Barroso, que pouco depois seria exilado pelo mesmo governo, sob pretextos falaciosos. A primeira Missa do Padre Alberto foi celebrada em Travassos, no dia 29 de Julho de 1914.
“Depois de desempenhar várias funções em algumas paróquias – escreve o mesmo biógrafo –, tornou-se, dois anos depois da sua ordenação, pároco da paróquia que o viu nascer.”
A referência ao primeiro encontro do Padre Alberto com a Alexandrina, encontramo-la numa carta escrita pela Deolinda (irmã mais velha da Alexandrina) ao Padre Mariano Pinho, a 27 de Setembro de 1934. Ela explica:
“Ontem recebeu aqui a visita de um Padre e da Candidinha Almeida. Nós não contávamos, não conhecíamos. A Candidinha chamava-lhe o Senhor Padre Albertinho; a Alexandrina confessou-se e ficou contente que já não tem de se confessar ao nosso para a primeira sexta-feira”.
Noutro documento, este da “Obra do Amor divino” fundada pelo Padre Alberto, encontramos uma explicação mais detalhada deste acontecimento, certamente escrita pelo próprio Padre Alberto Gomes:
«Em Setembro de 1934, (...) de passagem pela Póvoa de Varzim, teve conhecimento da existência, em Balazar, de uma donzela muito falada, por causa dos seus sofrimentos e muito notável pela sua virtude. Dali, em viagem de caminho-de-ferro, foi, só e oculto, fazer uma visita à veneranda, sendo recebido cristãmente pela família, que o conduziu ao leito da paralítica Alexandrina Maria da Costa, na sua humilde casinha, no lugar do Calvário. Depois de uma conversa espiritual, que durou cerca de uma hora, o Sr. Padre Alberto retirou-se santamente impressionado com tudo o que notou e nunca mais esqueceu».
Como as coincidências não existem nas coisas de Deus, que tudo planeia segundo o Seu bom prazer, podemos deduzir que esta primeira visita do Padre Alberto à Alexandrina foi o “ponto de partida” para uma colaboração que iria durar muitos anos: até à morte da “doentinha de Balasar” em 1955.
De facto, o bom Padre Alberto tornou-se, desde fins de 1940 um visitante assíduo da “casa do Calvário”. Foi todavia só no dia 20 de Janeiro de 1942 e depois de um encontro com Padre Mariano Pinho que a “função de confessor ordinário da Alexandrina” se “oficializou.
Alguns dias depois, numa sexta-feira, o Padre Alberto alugou um táxi e veio a Balasar assistir à “Paixão” da Alexandrina, que acontecia então todas as sextas-feiras, pelas 3 horas da tarde.
É útil dizer que a distância entre Balasar e Travassos, onde o Padre Alberto paroquiava é de mais ou menos 60 km.
Aconteceu que ele chegasse a Balasar molhado por ter apanhado chuva durante o longo trajecto, mas sentia-se feliz por poder cuidar daquela alma santa que o Senhor pusera no seu caminho.
A Padre Alberto Gomes foi confessor da Alexandrina de 1942 até 13 de Outubro de 1955, dia da morte da “Doentinha de Balasar” à qual ele assistiu.
A “Obra do amor divino” à qual aderiu a Alexandrina foi fundada pelo Padre Alberto e ainda hoje beneficia do carinho dos paroquianos de Travassos e não só.
Afonso Rocha

sexta-feira, fevereiro 14, 2020

O DR. HENRIQUE GOMES DE ARAÚJO


Na última conferência prometi falar-vos do Dr. Henrique Gomes de Araújo, Director do Refúgio da Paralisia Infantil da Foz do Douro, sob a responsabilidade do qual a Alexandrina esteve internada durante 40 dias e 40 noites.
O Dr. Henrique Gomes de Araújo
Para melhor compreendermos o porquê deste isolamento, é necessário lembrar que o Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, médico assistente da Alexandrina, queria provar, tanto às entidades eclesiásticas da diocese de Braga, como aos especialistas em medicina, que o caso da sua paciente não era um caso clínico ordinário, bem pelo contrário, um caso muito particular sobre os dois pontos de vista que ele visou: a doença e a espiritualidade.
Como já foi dito, o Dr. Azevedo, antes de ser médico, frequentou o Seminário de Braga onde obteve com sucesso o seu diploma em teologia, o que muito o ajudou, especialmente no caso da Alexandrina: saber separar o que era físico do que era espiritual.
Para estes dois estados da Alexandrina, e de acordo com o Arcebispo de Braga e outros médicos seus conhecidos, pensou que a melhor maneira de resolver o problema seria de internar a sua paciente num hospital especializado: para isso escolheu o Dr. Gomas de Araújo, mas antes de tomar a decisão, confiou à Alexandrina a sua intenção. Ela escreveu na sua Autobiografia:
«Fui prevenida pelo Sr. Dr. Dias de Azevedo que seria melhor voltar ao Porto, consultar o Sr. Dr. Gomes de Araújo, se fosse essa a vontade de Nosso Senhor. Pediu-me que pedisse luz divina sobre o caso, porque em nada queria contrariar Nosso Senhor.»
A resposta do Senhor veio um mês depois, na sequência de muitas orações, como ela explica:
«Pedi durante um mês. Mas, quanta mais luz pedia, mais em trevas ficava, tornando-se assim a dor da minha alma cada vez mais profunda, não sabendo o que havia de fazer, até que Nosso Senhor me disse que era da Sua divina vontade que fosse ao Porto.»
E assim aconteceu. No dia marcado, saiu de casa em automaca e pelo caminho parou na Trofa, onde algo de extraordinário aconteceu: Ela que não podia mover-se, passeou pelo jardim da família Sampaio, seus amigos, onde a automaca parou. Este facto foi presenciado e testemunhado pelos que a acompanhavam, mas também pelo pároco da Trofa que ali se encontrava.
A viagem foi torturante para a jovem doente, porque as estradas não sendo o que hoje são, a Alexandrina sofreu muito com os balanços causados pelo mau estado dos caminhos percorridos, como ela mesma o diz:
«A ida de carro para o consultório foi o que há de mais doloroso. No corpo, sentia o maior martírio, e na alma a maior agonia, parecendo que morria.»
Mas chegou enfim à Foz do Douro onde foi recebida pelo Dr. Gomes de Araújo e algumas enfermeiras.
Ali foi instalada, sozinha, num quarto cujo acesso era estritamente reservado ao Médico e à enfermeira designada para se ocupar dela e vigiar os mínimos feitos e gestos da doente.
É bom saber que o Dr. Gomes de Araújo era ateu, mas respeitoso para com os seus doentes, quaisquer que fossem as crenças destes.
Para com a Alexandrina assim foi, salvo que ele ter-se-á fixado uma meta que para ele era importante: destabilizar a Doente e provar que o que nela se passava nada mais era do que uma simples ilusão.
O diálogo que se instalará entre eles, em diversas ocasiões, parece simplesmente sobrerrealista.
Uma das primeiras setas atiradas pelo médico foi esta:
— «Menina, não pense que vem aqui para jejuar!»
A Alexandrina compreendeu onde ele queria chegar e sentiu-se profundamente ferida.
Durante quatro ou cinco dias a Alexandrina sofreu crises, o que levou o médico a querer medicá-la, mas logo o Dr. Azevedo interveio. A sua Doente devia ser observada simplesmente e não medicada. Não quis dizer ao colega que Jesus tinha pedido que ela nunca tomasse qualquer medicamento, porque o médico e o medicamento dela era Ele mesmo.
Passados os cinco dias, tudo voltou ao normal ao ponto que a “vigia” se sentiu como que obrigada a dizer ao Dr. Azevedo quando este veio visitar a sua doente:
— «Veja, Senhor Doutor! Olhe essa cara!»
O médico assistente que tinha muito humor respondeu, sorrindo:
— «Foi com os bifes que comeu e com as injecções que levou.»
A enfermeira não insistiu.
Num desses dias de internamento o Dr. Araújo parecia ter recebido a inspiração de Satanás. Ouçamo-lo:
«Convença-se, a menina — dizia ele — que Deus não quer que sofra. Se quer salvar os outros, que os salve Ele, se é verdade que tem poder para isso! Se é verdade que Deus recompensa aqueles que sofrem, para si já não tem recompensa para lhe dar, pelo que tem sofrido».
Na sua simplicidade habitual a Alexandrina retorquiu:
«São tão grandes, tão grandes as coisas de Nosso Senhor, e nós somos tão pequeninos, tão pequeninos, ao menos eu!»
O Dr. Araújo ficou surpreendido e depois, indignado, disse:
«Tem razão; mas eu sou pessoa maior um bocado!» – e saiu.
A Alexandrina tinha uma grande devoção pela agora Santa Jacinta Marto e, no auge do sofrimento recorreu a ela:
«Querida Jacinta, tu, tão pequenina, soubeste o que isto custa! Ajuda-me, lá do Céu onde estás.»
O grande médico não desarma, como contra a Alexandrina:
«Um dia, sentado ao meu lado direito, procurou todos os meios para convencer-me de que tudo isto que se passava eram ilusões minhas…»
A inocente vítima, inspirada por Deus, que também não desarma, ao ouvir o médico dizer que tudo aquilo iria cair por terra, disse-lhe:
«Não cai, Senhor Doutor. Tenho à minha frente um Director muito santo e muito sábio e estudou o caso por alguns anos. E, se a obra é de Deus, não há nada que a deite por terra».
O Doutor saiu irritado.
Depois de diversas outras peripécias, chegou o dia da partida. Mas o caso da Alexandrina já tinha “saído” do Refúgio e na véspera, muitas pessoas — cerca de 1500 — vieram visitar a Doentinha de Balasar, o que obrigou a polícia a intervir para canalizar todas aquelas pessoas.
Quanto ao Dr. Gomes de Araújo, ele tivera tempo de reflectir e, ao despedir-se das duas irmãs, disse-lhes:
«No mês do Outubro terão lá, em Balasar, a minha visita, não como médico espião, mas como amigo que as estima.»
E foi a Balasar, como prometera… a sua conversão estava começada…
É dever de justiça dizer aqui que o documento elaborado pelo Dr. Henrique Gomes de Araújo, foi certamente aquele que mais contribuiu, 59 anos mais tarde à beatificação da Alexandrina Maria da Costa, em 25 de Abril de 2004.
Afonso Rocha

O DR. MANUEL AUGUSTO DIAS DE AZEVEDO


Depois de vos ter falado nas conferências precedentes dos dois directores espirituais da Alexandrina, vou hoje falar-vos do seu médico, a quem Jesus chamou carinhosamente de Cireneu, o Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo.
Aproveito para informar que sobre ele, o meu bom amigo Professor José Ferreira editou uma longa biografia.

Manuel Augusto de Azevedo nasceu em Ribeirão, uma aldeia poucvo distante de Balasar e perto de Famalicão em 21 de Setembro de 1874.
Depois da escola primária ingressou no Seminário de Braga, onde estudou até ao curso de teologia e depois entrou na vida civil. Professou no Colégio de Ermesinde e prestou serviços notáveis na diocese do Porto, nos anos 30.
Retomou os estudos na Universidade de medicina do Porto e obteve o seu diploma, voltando depois para a sua terra natal, onde exerceu até à sua aposentação.
Ali realizou a sua vocação com carinho e amor, reservando um dia por semana aos pobres, que recebia gratuitamente.
Na sua Autobiografia, a Alexandrina dá-nos conta do primeiro encontro com ele:
– Em 29 de Janeiro de 1941, recebi a visita dum Sr. Padre conhecido, acompanhado por várias pessoas da sua freguesia. Apresentou-mas na chegada, mas só depois de conversar muito fiquei a saber que um deles era médico.
É bom saber-se que a Alexandrina tivera até esta data vários médicos, entre os quais sobressai o Dr. Abílio de Carvalho, que foi Governador de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, antes de ser eleito Presidente da Câmara da Póvoa de Varzim, cargo que ocupou até à morte que o colheu ainda novo.
Falando ainda do Dr. Azevedo, a Alexandrina escreveu:
Conservou-se calado e sorridente. Não sei o que sentia intimamente por ele. Mal eu pensava que, dentro em pouco, ele seria meu médico assistente.
Principiou a examinar-me minuciosamente, mas com toda a prudência e carinho. Depois de feito o seu exame, achou conveniente convidar o Sr. Dr. Abel Pacheco e o meu médico assistente naquela altura, que vieram conferenciar a meu respeito.
Foi assim, que em 14 de Fevereiro de 1941, o Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo — médico enviado por Deus — se tornou seu médico assistente, o “médico providencial” da “Doentinha de Balasar” e o será até à morte desta a 13 de Outubro de 1955.
Este médico, homem cultivado e cheio de fé, vai, durante muitos anos defender a Alexandrina e demonstrar que, ao contrário do que alguns pensam, ela não era uma impostora, mas uma verdadeira vítima.
Eis o que escreve o Prof. José Ferreira, na obra citada:
“Impressiona ainda muito mais o que por ela fez em concreto, defendendo-a perante a autoridade eclesiástica, perante médicos especialistas e nas páginas de jornais adversos. E isto levado a cabo por um pai que, com o exercício da sua profissão, tinha de sustentar e formar catorze filhos.”
Para isso, a mais das cartas que escreveu a diversas entidades religiosas e civis, vai provocar o internamento da Alexandrina numa clínica do Porto, para provar cientificamente que o que se passa nela é obra de Deus.
O Dr. Henrique Gomes de Araújo, homem honesto e sábio, mas agnóstico, vai fazer tudo, durante os 40 dias e 40 noites que ela passará na sua clínica, para a destabilizar, o que nunca conseguirá. Por isso mesmo, no fim deste longo internamento publicará um documento importante onde confessa que a ciência é incapaz de compreender e explicar o caso da Alexandrina que não come nem bebe, alimentando-se apenas da Eucaristia e vivendo, todas as sextas-feiras a Paixão do Senhor.
Mas, sobre o Dr. Gomes de Araújo, falarei noutra conferência a ele consagrada.
Várias vezes, nos escritos da Alexandrina, encontramos pequenas mensagens dirigidas por Jesus ao médico, o “Bom samaritano”.
No dia 27 de Março de 1942, podemos ler nos Sentimentos da alma:

― Minha filha, todas as minhas graças e todo o meu amor se estendem sobre o Cireneu que te auxilia e sobre todos os seus descendentes até ao fim.
E estas palavras tão ternas, no dia 3 de Outubro de 1942:
— Diz ao teu médico, diz a essa grande alma, diz a esse infundidor da minha divina luz e amor nos corações, que o amo com todo o amor, e tanto mais o amarei quanto mais ele cuidar de mim e da minha causa. A obra é de Deus, e Deus sempre triunfará.
É também ao Médico que Jesus vai pedir para que intervenha junto do Arcebispo de Braga, como se pode ler nos escritos datados de 5 de Setembro de 1942:
— Jesus pede ao médico da sua crucificada para que ele peça ao Senhor Arcebispo que faça que a sua causa triunfe, que faça que o mundo seja consagrado ao Imaculado Coração da Virgem-Mãe.
Não seria possível citar aqui todas as mensagens dirigidas por Jesus ao bom médico, por serem muito numerosas.
Todavia, antes de terminar, penso que esta outra citação tem aqui o seu lugar e demonstra uma vez mais, se isso fosse necessário, o amor e o carinho de Jesus para com o Dr. Azevedo. Ouçamos estas com data de 7 de Novembro de 1942:
— Diz, diz, minha filha, ao teu médico, não posso deixar de ter para com ele as maiores provas de amor por ter sido o amparo, o braço firme da causa divina em momentos que os homens tentaram destruir.
O Dr. Azevedo foi uma das 48 testemunhas que prestaram declarações a quando do Processo diocesano.
O seu testemunho é longo, mas muito instrutivo. O médico aí revela uma vez mais o seu carinho para com a Alexandrina de demonstra o conhecimento perfeito que tinha da vida da sua “Doente”.
Infelizmente, não teve a felicidade, aqui na terra, de assistir à glorificação da Alexandrina, visto ter falecido em 20 de Dezembro de 1971, com 77 anos de idade.
No Céu, e na companhia dela, terá certamente assistido à Beatificação que ocorreu em 25 de Abril de 2004, 33 anos depois do seu nascimento ao Céu.
Afonso Rocha

PADRE HUMBERTO PASQUALE


Na última conferência falei-vos da partida do Padre Mariano Pinho — primeiro director espiritual da Beata Alexandrina — para o exílio, no Brasil.
Ora, é bem sabido que Deus nunca fecha uma porta que não abra outra.
No dia 21 de Junho de 1944, por convite insistente de pessoas movidas de compaixão pelo abandono em que a Alexandrina tinha sido deixada (…) chegou a Balasar um religioso Salesiano, o Padre Humberto Pasquale, apenas dois anos mais novo que a Alexandrina.
Como deixou escrito, foi o Dr. Augusto de Azevedo, o médico da “Doentinha de Balasar” que lá o conduziu no seu carro.
Como também confessou o Padre Humberto, pouco conhecia, nesse tempo, de ascética e mística: apenas os rudimentos ensinados então nos Seminários.
Também não se quis informar sobre aquela que ia visitar, preferindo o efeito de surpresa, para poder depois ajuizar, em sua alma e consciência, o que fazer, visto lhe terem pedido simplesmente de levar um pouco de reconforto àquela alma que parecia agora abandonada de todos.
As línguas do mundo tinham gasto muita saliva!
De facto, tendo estado em pregação em aldeias próximas de Balasar, tinha ouvido falar da Alexandrina e não sempre em bem, por isso mesmo ainda mais foi espicaçada a sua curiosidade e quis ver ele mesmo o porquê de tantos boatos discordantes, alguns deles pouco lisonjeiros.
Mas falemos agora um pouco deste sacerdote que vai ter um papel muito importante não só na vida da Alexandrina, mas até depois da morte desta, visto ter sido ele escolhido mais tarde para organizar o Processo diocesano para a Beatificação e canonização da Alexandrina.
O Padre Humberto Maria Pasquale, salesiano de Dom Bosco, foi enviado para Portugal em 1933, ainda seminarista, para reorganizar as casas salesianas que nesse tempo existiam já em terra lusitana.
Foi ordenado sacerdote em 21 de Dezembro de 1935 pelo Cardeal Cerejeira, patriarca de Lisboa.
Em 1937, foi nomeado Mestre dos Noviços, e pouco depois abriu uma nova Casa em Mogofores, onde iriam ser mais tarde dactilografados todos os documentos referentes à Alexandrina: Sentimentos da alma, Pensamentos esparsos, Cartas ao Padre Mariano Pinho, Autobiografia, etc..
O Padre Humberto foi grande amigo da Irmã Lúcia de Fátima, com a qual manteve uma correspondência regular e a qual visitou diversas vezes em Coimbra.
Sobre o primeiro encontro com a Alexandrina, ele mesmo escreve, utilizando a terceira pessoa:
“As coisas passaram-se assim: o Religioso, nos dois dias em que lá esteve hospedado, compreendeu que naquela alma se passava alguma coisa de excepcional; e que, à volta dela, existia uma série de problemas, dignos do mais sério estudo.”
O Padre Humberto reconfortou, quanto lhe foi possível, em tão pouco tempo, a “Doentinha de Balasar”, mas não qui tomar qualquer decisão sem um momento mais ou menos longo de reflexão sobre um caso tão estranho: a Alexandrina já não comia nem bebia, vivendo apenas da Eucaristia quotidiana.
Só a 8 de Setembro de 1944 o Padre Humberto tomou oficialmente a direcção espiritual da Alexandrina. Ele irá defendê-la com “unhas e dentes”, particularmente contra a comissão nomeado pelo Arcebispo de Braga e que tinha emitido um aviso desfavorável. Desta defesa renhida e justificada, resultará a obrigação exigida pelo mesmo Arcebispo, que o Padre Humberto seja reenviado para Itália, como já antes tinha acontecido com o Padre Mariano Pinho.
O artesão destes desentendimentos tristes, foi o Cónego Molho de Faria, que influenciado por algumas “beatas” de Balasar, tudo fez para que o salesiano fosse afastado da direcção espiritual da Alexandrina.
Mais tarde, o mesmo Arcebispo, agora devidamente informado e querendo, provavelmente reparar uma injustiça feita ao sacerdote italiano, pediu a este que organizasse o processo diocesano. O bom salesiano aceitou e o dito processo começou a 14 de Janeiro de 1967.
Durante este foram ouvidas 48 testemunhas. Apenas uma, por motivos pouco louváveis, testemunhou contra a Alexandrina: foi o Padre e escritor jesuíta, Agostinho Veloso.
Afonso Rocha

PARTIDA DO PADRE MARIANO PINHO


Vou hoje falar-vos da interdição feita pela Companhia de Jesus ao Padre Mariano Pinho de continuar na direcção espiritual da Alexandrina.
Como já disse, o primeiro encontro entre estas duas almas de excepção deu-se no dia 16 de Agosto de 1933, quando o Padre Mariano Pinho foi pregar um tríduo em Balasar.
Depois deste primeiro encontro tudo parecia correr pelo melhor: o bom Jesuíta aconselhava a “doentinha de Balasar” e esta, com as suas orações e sofrimentos, livremente oferecidos a Deus, ajudava o bom sacerdote. Pode-se dizer que aprendiam um com o outro os caminhos fixados por Deus.
A Alexandrina recebera do Senhor a missão de velar sobre os Sacrários, sobretudo os mais abandonados.
Depois começou uma outra missão, também confiada por Jesus, para que a guerra que incendiava então a Europa e o mundo, acabasse. Jesus pediu-lhe que interviesse junto do Santo Padre para que este consagre o mundo ao Coração Imaculado de Maria. O Padre Mariano Pinho será o “fio condutor” desta missão entre a Alexandrina e o Santo Padre.
Como para justificar este pedido, a Alexandrina começou então a viver, de maneira visível, a Paixão do Senhor, à qual assistiam algumas vezes numerosas pessoas.
Este facto foi como que um rastilho que iria incendiar algumas pessoas invejosas do sucesso popular da Alexandrina, mesmo se é verdade que ela nunca desejou nem ser conhecida nem falada… mas Deus assim permitiu.
Algumas vizinhas, incentivadas pelo Padre Agostinho Veloso, também jesuíta, jornalista e poeta, mas inimigo figadal do Padre Mariano Pinho, começaram a fazer correr um boato que dizia haver qualquer relação outra que espiritual entre o bom Jesuíta e a sua dirigida.
Fins de 1941, um sacerdote espiritano, o Padre Terças, veio assistir a uma “paixão” da Alexandrina. Tomou minuciosamente apontamentos de tudo e pouco depois publicou numa revista que dirigia o resultado das suas notas. Devo dizer que o Padre Terças era um grande especialista de ascética e mística e, a publicação que fez do que viu em Balasar, nada mais tinha como intenção que de comparar a doentinha de Balasar com outras almas-vítimas, tais como a beata Ana Catarina Emmerich, a serva de Deus Teresa Neumann e algumas mais.
A publicação teve sucesso e o nome da Alexandrina percorreu então todo Portugal, causando admiração para uns e indignação para outros que começaram a dizer que se tratava dum estratagema para ganharem dinheiro.
O Arcebispo de Braga interveio e proibiu as visitas. Por seu lado a Companhia de Jesus — a 7 de Janeiro de 1942 — obrigou o Padre Mariano Pinho a recolher a uma das casas da Ordem proibindo-o de todo e qualquer contacto com a Alexandrina.
O bom sacerdote aceitou tudo com humildade, esperando que, mais cedo ou mais tarde, a verdade fosse claramente estabelecida, o que de facto aconteceu.
Exigiram também que a “Doentinha de Balasar” entregasse à Companhia as cartas que recebera do seu Director espiritual, o que ela fez com grande mágoa. Estas, depois de controladas, foram-lhe devolvidas alguns meses mais tarde.
Tempos depois destes incidentes pouco “católicos”, se me posso assim exprimir, o Padre Mariano Pinho foi enviado, ou melhor, exilado para o Brasil, onde exerceu como professor de latim e francês no Colégio Nóbrega de Recife, onde faleceu em 1967.
Uma tentativa para pedir a sua beatificação foi feita e uma oração composta para esse fim, mas como em tantas outras coisas em Portugal, não passou dum piedoso desejo, sem amanhã, o que é verdadeiramente pena, sobretudo para aqueles que conhecem bem a vida e as obras deste santo sacerdote.
O Padre Mariano Pinho e a Alexandrina nunca mais se voltaram a ver. Todavia ela escrevia regularmente ao seu antigo Pai espiritual — que carinhosamente chamava de Paizinho — e recebia deste igualmente correspondência que pode hoje ser lida em grande parte nos dois Sites que criei para a fazer conhecer e amar no mundo inteiro.
Estes dois Sites são poliglotas, pois neles existem documentos — a mais do português — em francês, espanhol, italiano, alemão, polaco e até mesmo em japonês, hindi e árabe.
Agora, que os dois vivem na Mansão Celeste, podemos invocá-los nas nossas necessidades de cada dia e ter esperança nas suas intercessões junto de Deus.
Afonso Rocha