segunda-feira, dezembro 23, 2019

ENTREVISTA VIRTUAL


O segundo aniversário da consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria em 1942 tinha sido comemorado; pouco tempo se passara depois da festa da Imaculada Conceição...
Alexandrina — o “instrumento” de que se servira o Senhor para essa consagração — estava ali, deitada no seu leito de dor, quando a visitei...
Foi no dia 25 de Dezembro de 1944, no fim da tarde... quase à noite...
Parecia dormitar, visto que as suas pálpebras cobriam quase por completo os seus olhos negros. Aproximei-me, pé ante pé, para a não acordar — pensava eu que dormia — mas logo abriu os olhos, olhou e sorrio, um sorriso que põe o coração em festa, sorriso maviosa e cheio de ternura e carinho...
Quis desculpar-me por incomodá-la, mas fez-me sinal que me sentasse ali, à beira da cama, ao mesmo tempo que o seu dedo indicador direito se posava sobre os seus lábios. Compreendi que rezava e, sem precipitação sentei-me na cadeira que a Deolinda amavelmente me proponha.
Olhei-a demoradamente e, quanto mais a olhava, mais o meu coração parecia galopar, como se quisesse ultrapassar aquela alma simples e pura que falava com Deus; ultrapassá-la, não para chegar primeiro, mas para lhe ir na frente e poder assim melhor admirar aquele rosto que as cores do Paraíso adornavam, aqueles olhos que reflectiam a luz divina, aqueles lábios estáticos que não precisavam de mover-se para falar com o Senhor... Como era bela naquela postura de oração, naquele colóquio com Jesus ou Maria, não sei!...
Depois, como se acordasse dum sonho que a arrebatara, olhou com ternura, sorrio e, com um aceno da cabeça, fez-me sinal que poderia começar a interrogá-la, visto que sabia para o que eu vinha...
— Alexandrina, obrigado por ter aceitado de me receber neste dia de Natal, dia de festa...
— « Os dias de festa são sempre para mim de profunda tristeza! »
Como notasse que fiquei surpreendido, acrescentou:
— « Esforço-me sempre para consolação dos que me rodeiam mostrando-me alegre : a minha alegria é fingida.
Ia fazer um comentário, mas os seus olhos rasos de lágrimas, impediram que lhe dissesse qualquer palavra. Ela, com carinho e doçura, explicou:
— « Fito Jesus, a Mãezinha, elevo o meu pensamento ao Céu e por amor aceito a dor. É por amor que a tristeza para mim é alegria. Não olhando a terra, firmo no Céu, só no Céu, os espinhos são rosas, a dor é doçura. »
Surpreendido ao ouvir tais paradoxos, não resisti e perguntei:
— Mas, na noite de Natal, a noite passada, foi certamente para si uma noite de alegria, uma noite em que Jesus Menino desceu ao seu coração...
— « À meia noite do dia de natal, não falando da noite que me ia na alma, dores agudíssimas pareciam retalhar-me todo o corpo. Não chorava, mas gemia ; só Jesus sabe quanto eu sofria. Principiei a ouvir fogo e repique de sinos. Pedi que me trouxessem umas imagensinhas do Menino Jesus. Colocadas sobre o meu peito queria aquecê-las. O calor que lhe dei não era o que eu queria dar-lhes ; queria queimá-las com fogo de amor. Queria dizer-lhes muitas coisas e não sabia. Estreitei-as ao meu peito docemente e continuei os meus gemidos. — Estou certa que Jesus os aceitou e não ficou triste. Ninguém como Ele via quanto eu sofria ; ninguém como Ele sabe que mesmo gemendo é por amor que gemo e quando mais não posso. »
— E esse seu estado durou toda a noite? Perguntei eu admirado e surpreendido.
— « Não sei os minutos que se passaram, o que sei é que passei a outra vida e ouvi Jesus no meu coração. »
— Viva! Ao menos uma boa notícia: Jesus veio visitá-la... E que lhe disse Ele? Perguntei, cheio de curiosidade.
— “Nasci no presépio do teu coração, minha filha. É o Esposo que vem à sua esposa, é o Rei que vem à sua rainha. Sou Rei do Céu e da terra. Como estou bem aqui, ó rainha do amor. O presépio que Me dás não é áspero como o de Belém, é fofo com as tuas virtudes. No te presépio não sinto os rigores do frio ; sou aquecido com o amor mais puro e abrasado. Tu és a minha estrela, estrela que guias o mundo como outrora guiou os Reims Magos no caminho de Belém. Diz, minha filha a todos os que cuidam de ti, aos que te são queridos, amam e rodeiam que lhes dou abundância das minhas graças, um enchente do meu divino Amor, um lugar reservado em meu divino Coração com a promessa do Céu”.
— E viu mesmo o Menino Jesus, viu o presépio, Nossa Senhora e São José?
A minha curiosidade tinha ares infantis... Eu sentia-me extasiado diante de tanta simplicidade, da tanta humildade e tanta fé...
Alexandrina respondeu:
— « Não vi o Menino Jesus, mas enquanto que Ele me falou estava junto a mim uma grande palmeira de Anjos, centos ou milhares de Anjos, muitos deles com seus instrumentos desciam do alto e rodeavam-me. Tinha graça a pressa com que desciam. No meio deles estava uma grande escada ; de todos os degraus desciam para mim numerosos raios dourados. Eram como setas a penetrarem no meu peito... »
E os olhos negros da Alexandrina pareciam iluminados ainda por aqueles raios de que falava: eles brilhavam como se milhares de estrelas neles se espelhassem.
— E, durante esse tempo, Jesus falava-lhe, perguntei eu, cada vez mais atiçado pela curiosidade.
Ela olhou-me, compreendeu que eu “bebia” as suas palavras, e disse:
— « Jesus dizia-me :
— “São as tuas virtudes, são raios de amor divino. Recebe, é a tua vida”. »
Ao explicar-me o que vira e sentira, Alexandrina parecia sentir-se feliz, pois o seu sorriso era mavioso. Quanto aos seus olhos, fixos em mim, pareciam ler o meu pensamento, descobrir na minha alma os mais profundos recônditos — o que me atemorizava um pouco! —, descortinar a minha curiosidade crescente e, sem que precisasse que algo mais lhe perguntasse, ela continuou:
— « Aqueles raios fortaleceram-me, davam mais luz do que o sol mais brilhante. Vi tudo claramente. Não sei o tempo, mas foi demorada esta visão. Desprendi-me a custo, ia como os que caminham e olham para traz, dando a conhecer que querem alguma coisa. Eu desejava voltar ao mesmo. Não voltei à visão, mas voltei à dor. »
Ao terminar o que acabava de me dizer, pareceu-me aperceber-lhe uma lágrima, como se a recordação desta visão da noite de Natal a tivesse deixado numa grande nostalgia, numa tremenda saudade.
— Mas, depois da noite vem o dia, disse eu, como se quisesse consolá-la do inconsolável. Como foi então a sua aurora, como foi para si o despertar deste dia de hoje, dia de Natal?
— « Veio o dia ; dia sem luz e vida sem vida. Sempre a querer guardar com toda a segurança o mundo dentro em mim continuei a minha alegria fingida. Todos os mimos que recebi e carinhos de pessoas de tanta estima passavam como se não fossem para mim. »
— Alexandrina, não vou abusar da sua extrema bondade, visto serem já passadas as oito horas da noite... No entanto, se me permite uma última pergunta, qual o balanço, se assim posso dizer, deste dia de Natal, como foi ele para si?
— « Ao terminar o dia digo para mim : “Onde passei este dia ? Parece-me que estive morta para Jesus e para todos quantos me rodeiam. Vivi mas não senti a vida. Sofri, mas não foi minha a dor. Não vivi para Jesus, não senti que O amava.”
Não sei dizer melhor e nada digo do que me vai na alma. Ó minha triste vida tão mal compreendida ! »
Assim foi, para a Alexandrina o dia de Natal de 1944.
*****
Escusado é dizer, claro está, e cada um compreenderá, esta entrevista é virtual, visto nunca ter visitado a Alexandrina. Quando ela faleceu, tinha eu apenas 9 anos.
Todavia, as respostas da Beata Alexandrina não o são: foram tiradas dos “Sentimentos da Alma” do dia e ano referidos, ou seja 25 de Dezembro de 1944.
Afonso Rocha

sexta-feira, dezembro 20, 2019

ALEXANDRINA E O NATAL


Como todos nós, a beata Alexandrina conheceu as festas de Natal e de fim de ano.
Da sua meninice e juventude, nada ou pouco sabemos como se passaram estas festas.
Na sua Autobiografia encontramos notícia de uma oferta que lhe fez sua mãe e que causou grande alegria à pequena Alexandrina, mas não sabemos se isso aconteceu no período do Natal. Ela explica:
«Uma vez minha mãe deu-me uns soquinhos. Eu fiquei tão contente com eles, porque eram lindos!... Para ver a figura que fazia com eles, preparei-me como se fosse à Missa, calcei-os e depois ajoelhei-me, pondo-os à minha frente, fingindo que estava na igreja. Como era vaidosa!»
Bem mais tarde, no seu Diário espiritual, com a data de 25 de Dezembro de 1942, tinha ela já 38 anos, ela fala da noite do Natal desse mesmo ano, nestes termos:
«Depois de fazer os meus pedidos a Jesus ― e tinha tanto que lhe pedir ! ― disse-lhe : Não vos peço para vos ver no presépio, pois sei e confio que estais no presépio do meu coração, mas peço-vos para me alcançardes o que vos peço.»
Não sabemos o que ela pediu a Jesus, mas Ele dignou-se responder-lhe e mesmo anunciar-lhe como seriam as festas que ela viveria no Céu:
«Minha filha, minha filha, sempre firme na tua fé, sempre firme na tua confiança, Jesus não te engana e tu não te enganas que é Jesus. As tuas festas estão concluídas na terra; vais vê-las no Céu com todo o brilho, com todo o amor.»
E, como se não fosse suficiente esta promessa, Jesus afirma ainda:
«O Céu está aberto para ti, minha amada, já quase podes entrar. Recebe todo o amor e toda a graça do Menino Jesus com todo o direito de o destribuires àqueles que te rodeiam, que te amam, que te são queridos.»
E como sempre, com humildade, ela agradece todos estes carinhos de Jesus para com ela:
«Ó meu Jesus, queria palavras para vos agradecer como Vós sois digno, mas não as sei; queria dar-vos toda honra, glória e amor, queria dizer-vos tudo. Como nada sei, apenas vos digo: Obrigada, para sempre obrigada, meu Jesus.»
Dois anos depois, no mesmo Diário ela explica como são para ela os dias de festa, mesmo os religiosos:
«Os dias de festa são sempre para mim de profunda tristeza. Esforço-me sempre para consolação dos que me rodeiam mostrando-me alegre: a minha alegria é fingida.»
Mas este “fingimento” trás com ele virtudes incalculáveis, como ela explica logo a seguir:
«Fito Jesus, a Mãezinha, elevo o meu pensamento ao Céu e por amor aceito a dor. É por amor que a tristeza para mim é alegria. Não olhando a terra, firmo no Céu, só no Céu, os espinhos são rosas, a dor é doçura.»
E ela continua a explicar:
«À meia-noite do dia de natal, pedi que me trouxessem umas imagensinhas do Menino Jesus. Colocadas sobre o meu peito queria aquecê-las. O calor que lhe dei não era o que eu queria dar-lhes; queria queimá-las com fogo de amor. Queria dizer-lhes muitas coisas e não sabia. Estreitei-as ao meu peito docemente e continuei os meus gemidos.»
Esta simplicidade e humildade comovem o Coração do Deus Menino que lhe afirma:
«Nasci no presépio do teu coração, minha filha. É o Esposo que vem à sua esposa, é o Rei que vem à sua rainha. Sou Rei do Céu e da terra. Como estou bem aqui, ó rainha do amor. O presépio que Me dás não é áspero como o de Belém, é fofo com as tuas virtudes. No te presépio não sinto os rigores do frio ; sou aquecido com o amor mais puro e abrasado. Tu és a minha estrela, estrela que guias o mundo como outrora guiou os Reis Magos no caminho de Belém.»
Um ano mais tarde, em 28 de Dezembro de 1945 Alexandrina dita para o seu Diário espiritual:
«Noite de Natal! Ao nascer Jesus, disse-Lhe muitas coisas, sem saber dizer-Lhe nada. Pedi-Lhe muitas graças, muita luz, sem nada sentir, receber nem ver. Acompanhei-O no presépio sem ter vida, sem ter nada para poder fazer-Lhe companhia. Entreguei-me assim ceguinha ao Seu Coraçãozinho e bracinhos pequeninos. De manhã, ao recebê-Lo, tive com Ele os meus desabafos.»
E assim foram passando os anos e os dias de Natal…
Antes do último Natal que passaria na terra, ela conta o que viu no dia 17 de Dezembro de 1954:
«De repente, vi o Menino Jesus, sentado no presépio, em palhas de prata. Ele era mais lindo e brilhava mais que o sol.»
Em 31 de Dezembro do mesmo ano, ano em que ela vivia o grande sofrimento das dúvidas e de falta de fé – segundo ela – podemos ler no seu Diário espiritual:
«O Menino Jesus para mim não nasceu. Não dei conta do Seu nascimento. Só após uns momentos da meia-noite é que me recordei que o fogo que se dava era a comemoração do Seu nascimento. Sofri muito com isso. Foi em grande dor que Lhe fiz os pedidos que desejava fazer.»
O Natal de 1955, já ela o festejou no Céu junto do seu divino Esposo, da Mãezinha que ela tanto amava e de S. José para o qual ela tinha um carinho muito particular.
Resta-me agora desejar a todos vós um Feliz Natal e um ano novo cheio das maiores bênçãos divinas.
Afonso Rocha

sábado, dezembro 14, 2019

CONSAGRAÇÃO DO MUNDO A MARIA


Vou-vos falar da consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria, da qual a Alexandrina foi a iniciadora, como o prova um documento editado pela Santa Sé a quando da instrução do processo de beatificação, no qual se pode ler o seguinte:
Pio XII, o Papa da consagração
“Foi ela que em 1936, por intermédio do seu director espiritual escreveu ao Santo Padre para pedir esta consagração”.
De facto, no dia 30 de Julho de 1935, Jesus fala, pela primeira vez à Alexandrina na Consagração do mundo a Maria, nestes termos:
“Manda dizer ao teu pai espiritual que, em prova do amor que dedicas a Minha Mãe Santíssima, quero que seja feito todos os anos um acto de Consagração do mundo inteiro, num dos dias das suas festas, escolhido por ti: Assunção, Purificação ou Anunciação, pedindo à Virgem sem mancha de pecado que envergonhe e confunda os impuros, para que eles arredem caminho e não me ofendam. Assim, como pedi a Santa Margarida Maria para ser o mundo consagrado ao Meu Divino Coração, assim peço-te a ti para que seja consagrado a Ela uma festa solene.”
O Padre Mariano Pinho, não se apressou, preferiu a prudência e esperou mais de um ano, antes de escrever ao Papa Pio XI, a 11 de Setembro de 1936. A carta foi enviada ao Secretário de Estado do Papa, o Cardeal Eugénio Pacelli, futuro Pio XII.
Esta iniciativa motivou um inquérito da Santa Sé e foi encarregado deste um sacerdote Jesuíta, o Padre António Durão que visitou a Alexandrina e lhe fez muitas perguntas, a fim de julgar o bem fundado do pedido enviado ao Papa. Ficou muito bem impressionado com a Alexandrina.
Um pouco mais tarde, em Maio de 1938, o Padre Mariano Pinho foi escolhido para pregar o retiro dos Bispos portugueses reunidos em Fátima. O zeloso sacerdote aproveitou desta excelente ocasião para motivar os Bispos portugueses a solicitarem a Consagração mundo a Maria, conforme o pedido de Jesus, o que foi feito no fim do retiro, em Junho de 1938. O Padre Mariano Pinho escreveu ele mesmo o pedido em Latim e todos os Bispos presentes assinaram o dito pedido.
Este novo pedido resultou em nova investigação por parte da Santa Sé que enviou junto da vidente um eminente professor co colégio português de Roma, o Cónego Manuel Pereira Vilar.
O encontro entre a Alexandrina e o Cónego Vilar foi um sucesso. Neste período encontramos um Bispo açoriano (depois Cardial) que teve papel de relevo: D. José da Costa Nunes.
Mas porque as coisas tardavam e alguns eminentes eclesiásticos pareciam pouco susceptíveis aos dizeres de uma simples camponesa, Jesus permitiu um sinal: a vivência da Paixão pela “doentinha de Balasar”.
No dia 3 de Outubro de 1938 Alexandrina começou a viver a Paixão de Jesus de maneira visível todas as sextas-feiras. Esta vivência da Paixão durou até 20 de Março de 1942, ano da consagração, continuando depois de maneira invisível.
Nesses momentos — durante os “êxtases” da Paixão —, a Alexandrina readquiria milagrosamente os movimentos de todo o seu corpo, e normalmente rezava ajoelhada na sua cama, em direcção à Igreja paroquial de Balasar.
Entretanto o Papa Pio XI faleceu e ocupou o seu lugar o Cardeal Eugénio Pacelli, com o nome de Pio XII.
Em 20 de Março de 1939, Jesus prediz à Alexandrina: «É este Papa que consagrará o Mundo ao Coração Imaculado de Minha Mãe».
Em 16 de Junho de 1939 — festa do Sagrado Coração de Jesus — a Alexandrina escreve pela última vez ao Papa, a pedir novamente a Consagração do Mundo ao Coração Imaculado de Maria.
Em 3 de Outubro de 1942, Jesus voltará a insistir:
— Depressa, depressa a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria.
Finalmente Pio XII decidiu consagrar o mundo a Maria, concretizando assim o pedido feito por Jesus por intermédio da Alexandrina.
No dia 31 de Outubro de 1942 ela recebeu de Fátima um telegrama do Padre Mariano Pinho, anunciando-lhe que, em Roma, o Santo Padre Pio XII fez, finalmente, a Consagração do Mundo ao Coração Imaculado de Maria, em língua portuguesa, com especial menção à Rússia.
E foi precisamente após essa mesma Consagração do Mundo que a vivência da Paixão de Cristo deixou de ser visível e tão dolorosa, passando a ser vivida apenas no seu íntimo.
Afonso Rocha

quinta-feira, dezembro 12, 2019

“GRAVA-ME COMO UM SELO NO TEU CORAÇÃO”


Esta frase que se pode ler no Cântico dos Cânticos aplica-se maravilhosamente bem à Beata Alexandrina que, bem nova ainda se consagrou a Deus e a Ele se ofereceu para ser vítima pelos pecadores, porque o seu amor era “forte como a morte”. Por isso mesmo, também ela poderia dizer desse amor, que “os seus ardores são setas de fogo, chamas do Senhor”.
Na sua autobiografia, podemos ler o que ela escreveu sobre esta acto heróico:
“Sem saber como, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo. Com este amor à dor, toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me preocupava”.
Mais adiante, na mesma Autobiografia, a Beata escreveu ainda:
“Meu Jesus, quero amar-Vos, quero abrasar-me toda nas chamas do Vosso amor e pedir-Vos pelos pecadores e pelas almas do Purgatório”.
Antes mesmo de ouvir aquelas três palavras que foram o lema de toda a sua vida – amar, sofrer, reparar –, já ela toda se entregava, já ela toda era oferta, já toda ela era amor e, “amor forte como a morte”! Eis porque razão ela “não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo”, porque este sofrer era amor, “amor que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente”, amor que nem “as águas torrenciais podem apagar”, amor que “nem os rios o podem submergir”.
Este amor brotava do coração da Beata Alexandrina e transformava-se em cântico mavioso, o cântico da esposa ao Amado, que num crescendo subtil e poético transbordava de alegria:
“Ó Jesus, eu Vos ofereço o dia e a noite, o calor e o frio, o vento, a neve, a lua, o luar, o sol, a escuridão, as estrelas do firmamento, o meu dormir, o meu sonhar, como actos de amor para os vossos Sacrários”.
“Sentada aos pés de Jesus, [ela] ouvia as suas palavras”, diz-nos o Evangelho, referindo-se a Maria Madalena.
O mesmo se poderia dizer da Alexandrina, cujo único prazer era ouvir a voz do Senhor, a voz do Esposo celeste que tantas e tantas vezes a visitou, por isso mesmo se pode pensar e deduzir que a Beata Alexandrina “escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada”, porque ela sabia que “uma só coisa é necessária”: amar e que este amor se declinava para ela em amar, sofre, reparar.
Afonso Rocha