quarta-feira, novembro 27, 2019

ALEXANDRINA EXPLICA...


Meu Paizinho,
Então, quer Vossa Reverência que eu lhe diga quando foi que senti mais vivamente Nosso Senhor? Estou pronta a fazê-lo o melhor que souber. Esta união íntima com Nosso Senhor comecei-a a sentir poucos dias depois da estadia de Vossa Reverência aqui, por ocasião do tríduo em Rates. Foi pouco mais ou menos a 5 de Setembro do corrente ano. Desse tempo até agora tenho tido dias de O sentir mais vivamente do que na ocasião em que o senti pela primeira vez. As carícias que Nosso Senhor me faz são assim: para falar a verdade, eu mal sei explicar o que sinto, quando Nosso Senhor me fala. Parece-me que sinto qualquer coisa que me passa pela cara, mas não são mãos. Além disto, parece que me abraçam, falando-me docemente. Como Vossa Reverência já sabe, pelo que lhe tenho dito, já, durante o inverno do ano passado, eu senti Nosso Senhor, embora não desse nenhuma importância porque ignorava tudo isto. Foi por isso que, na ocasião do nosso tríduo, não falei nisso a Vossa Reverência. Se o apanhava cá hoje, muito teria que lhe dizer! Assim, vou dizendo o que puder, por escrito.
Já fez quinze dias, na quinta-feira passada, que não tornei a ouvir a voz de Nosso Senhor. Penso que não seria por coisa muito grave que eu fizesse a Nosso Senhor. Mas, bem sabe que eu não sou mais que miséria; tenho-me resignado o mais que tenho podido; não digo que não tenho momentos de desânimo, mas confio em Nosso Senhor, que há-de tornar a falar a esta miserável pecadora, porque Ele não pode faltar àquilo que promete. Senti-Lo, parece-me que já algumas vezes o tenho sentido, mas falar não; espero até quando for da Sua S.S. Vontade. Nessa mesma quinta-feira, dia 8, das quatro às cinco horas da tarde, mesmo sem estar a rezar, senti um calor enorme, parecia-me que me abraçavam e depois ouvi dizer assim:
— Minha filha, és um trono adornado com o teu Jesus, com o teu esposo, com a S.S. Trindade, sim como o Padre, o Filho e o Espírito Santo. Que beleza a da tua alma! Escolhi-te para tão alto cargo.
Assim como Ele me adornava a minha alma, queria que eu adornasse os sacrários com o meu amor, com as minhas orações e com a minha presença de espírito.
— Pede-me pelos pecadores: Eu preso e tão desprezado. Eu preso e tão ofendido e tão horrorosamente escarnecido. Sabes o que tem valido a esses infelizes, são as almas que eu escolhi para reparar. Se não fosse isso, onde estavam esses desgraçados. Desgraçados, sim, pois se não se convertem são condenados eternamente.
Prometeu-me Nosso Senhor que me voltaria a falar naquela noite, e assim foi: das 10 às 11 horas da noite. Parecia-me sentir os efeitos de Nosso Senhor em minha alma mas não ouvia a Sua Divina Voz. Pensava que ficaria só assim e que eu nem tanto merecia, mas sempre me lembrava que se fizesse a Vontade de Nosso Senhor. Mas principiei por ouvir que me falavam, mas parecia-me que era uma coisa diferente, mais forte do que o costume, e dizia-me:
— Nem te fala, nem te tem falado, nem te falará; andas a enganar o teu director.
Tomei água benta e disse como costumo fazer em casos semelhantes: Ó meu Jesus eu não vos quero ofender e formo minha intenção de ser por não duvidar nem por dizer coisas que assim não sejam. E então falou-me Nosso Senhor:
— E queres consolar-me? E queres consolar o Santificador da tua alma? Sabes quem é? É o teu Jesus, anda para os meus sacrários. Anda passar algumas horas da noite à sombra dos meus sacrários. Passarão como a voar, anda praticar uma obra de misericórdia. Anda consolar os tristes. Estou tão triste! Sou tão ofendido. Anda para o teu cargo, sofrer, amar e reparar!
Depois um forte calor me abrasava e dizia-me Nosso Senhor:
— Estou contigo, sou o teu Jesus, o tudo da tua alma.
E disse-me que o demónio estava raivoso mas que o não deixaria vencer-me.
Tenho dias em que o demónio me consome muito, trazendo-me à cabeça coisas tão fracas e tantas e tantas dúvidas, que, se não fosse a muita bondade de Nosso Senhor, e quem sabe, as orações de Vossa Reverência já ele me teria vencido.
Cá tenho pedido muito pelos pecadores que Vossa Reverência me tinha recomendado e, agora mais particularmente, por esse que me disse que vive em muito perigo de pecar. Por ele, tenho oferecido muitos dos meus sofrimentos, apesar de ser muito indigna de receber favores de Nosso Senhor.
Adeus, por hoje. Por caridade, não me esqueça junto de Nosso Senhor, que eu, também, todos os dias me ofereço a Nosso Senhor para que Vossa Reverência participe em todos os meus sofrimentos e orações. Muitos cumprimentos da minha mãe, da Deolinda e da Dª Conceiçãozinha.
Alexandrina Maria da Costa.

terça-feira, novembro 26, 2019

ESTADOS DA ALMA


A beata Alexandrina, como em geral todos os santos — e muitos de nós! — viveu vários estados da alma e todos eles dolorosos e que parecem à primeira vista impossíveis, quando se singra o caminho de Deus.
Estes estados têm nomes diversos: Aridez, trevas, secura, frieza, noite escura da alma e deserto espiritual.
Para melhor compreendermos estes estados, nada melhor do que deixar a própria Alexandrina falar-nos deles.
No dia 12 de Maio de 1942, ela escreveu no seu Diário, falando de dois destes estados: a aridez e as trevas:
«Meu Jesus, Mãezinha, vede a aridez da minha alma, vede o abandono que ela sente do Céu e da terra. Lançai sobre mim vossos divinos olhares de compaixão. Acudi-me, acudi-me, não me deixeis morrer de susto no meio das trevas
A aridez parece privar a alma do amor de Deus que parece ter-se escondido quando mais precisamos d’Ele, o que obrigatoriamente causa à alma uma sensação de densas trevas e de abandono total.
Mas, apesar desta aridez e destas trevas, a alma deseja o seu Senhor e Esposo celeste e este desejo se transforma em secura e numa sede ardente de O amar mais e mais.
É isso mesmo que ela explica em 28 de Maio de 1942:
«Pobre de mim! Digo que amo e não tenho coração para amar, não tenho corpo senão para a dor, sou como uma bola de espuma que depressa se desfaz. Que trevas, meu Jesus, que securas, que amarguras, que agonias as da minha alma.»
Estas trevas e esta secura levam a alma a julgar-se como que abandonada e a pensar que sua alma está morta, que mais nada se pode passar nela.
Eis como que uma queixa da Alexandrina a esse respeito, ditada para o seu Diário em 28 de Dezembro de 1944:
«O cadáver não ama nem sente o amor com que é amado. Ó morte, ó morte, que tremenda és. Que tristeza ! Morte do corpo e morte da alma.»
Nem mesmo quando o Senhor, pela Comunhão, vem visitá-la:
«Ao receber o meu Jesus, fiquei na mesma secura, nas mesmas trevas.» (S. 08-09-1944)
Daí a pergunta angustiosa a Jesus:
«Meu Jesus, que delícias podeis Vós encontrar neste pobre coração? Que conforto podeis tirar em tanta miséria? Que sede podeis saciar em tanta secura e frieza?» (S. 15-06-1945)
E depois esta constatação motivada pelo seu estado da alma:
«E eu não sei consolá-Lo, não tenho para Ele uma palavra amiga, a não ser: “sou Vossa, amo-Vos, sou a Vossa vítima”. Mas isto com frieza, com secura, com cegueira mortal.» (S. 30-07-1945)
Mas Jesus não a deixa sem explicação e diz-lhe para a resserenar:
«Minha filha, bebo na tua secura, sacio-Me na fonte do teu coração. A tua sede de amor é amor. Quero beber, deixa-Me beber, mata-Me a sede, que tenho de ser amado.» (S. 18-07-1947)
Outro estado da alma e não dos menores é o “deserto espiritual” que perturba a alma e a deixa como desamparada, como podemos ler no seu Diário de 18 de Janeiro de 1952, tempo em que ela viveu intensamente este sofrimento:
«Quando, no meio do deserto imenso, o meu coração e a minha alma bradam ao céu a pedir socorro, sem o receber de Deus nem dos homens, fico como que desorientada e perdida.»
Menos de um mês mais tarde, ela volta a falar deste estado tão doloroso:
«São tremendos os meus dias. É pavorosa a minha existência neste exílio. O corpo, a pobre natureza, não tem força para mais. A alma está na maior das agonias. Brada num deserto imenso, não há quem se compadeça dela. O que será de mim, meu Deus? Como vencer, se me abandonais? Vejo perdida toda a minha vida. Sinto como se nada adiantassem tantos anos de sofrimentos.» (S. 01-02-1952)
Mas, para melhor compreendermos, tentemos explicá-lo, o melhor que possa ser:
O deserto espiritual é algo que se assemelha ao deserto, no verdadeiro sentido da palavra: uma imensidão de nada onde vivem apenas o vazio, a secura e a aridez.
Quando vivemos este estado de espírito, perdemos o gosto a tudo, para não dizer que tudo nos causa repugnância.
Queremos amar, mas não encontramos amor em nós; queremos acreditar, mas parece-nos não acreditar em nada; queremos rezar, mas temos a impressão de dizer palavras que perderam todo o sentido; queremos oferecer, mas não encontramos nada para oferecer; queremos reagir, mas não encontramos a força de reacção; queremos pedir ajuda, mas não temos ninguém ao nosso redor para ouvir os nossos gritos, então temos a impressão de que tudo se está desmoronando ao nosso redor, que ninguém nos ama, que somos vítimas de todo o tipo de maquinações, inclusive daqueles que nos amam...
Estado terrível onde até mesmo Deus parece surdo, onde até Deus parece não estar interessado em nós e nos deixa lutar sozinhos, se é que tentamos lutar...
Que fazer quanto a este estado da alma? Desanimar? Desistir de tudo?
Não, não e não! Deus não deixou de estar presente; Deus não deixou de nos amar, Deus não deixou de cuidar de nós, porque este é certamente o momento em que Ele mais trabalha em nós e para nós, por isso confiemos n’Ele e ajudemo-lo a ajudar-nos, através da nossa oração – mesmo que nos pareça inútil – através do nosso amor – mesmo que não sintamos nenhum sentimento no nosso coração – através da nossa fé – mesmo que pensemos que a perdemos: Deus está em nós e nos ama; Deus está em nós e cultiva o jardim das nossas almas; Deus está em nós e, com ele, venceremos.
Imaginai apenas quando o deserto das nossas almas se tornar o mais belo jardim, o nosso “Jardim do Paraíso!”
Esperemos, esperemos sempre, porque Deus é fiel no amor.
Assim fez a beata Alexandrina. Imitemo-la.
Afonso Rocha

terça-feira, novembro 19, 2019

PRIMEIRA MISSA NO QUARTO


Hoje vamos falar da primeira Missa celebrada no quarto da Alexandrina.
Como já foi dito, ela vivia acamada desde já há alguns anos, não podendo por isso mesmo deslocar-se à igreja paroquial, ao menos ao domingo, para assistir à Santa Missa.
Foi neste altar que ainda hoje se encontra no quarto dela que foi celebrada a primeira Missa.
No dia 2 de Setembro de 1933 o Padre Mariano Pinho escreveu-lhe e enviou-lhe uma imagem da então Beata Gema Galgani, prometendo explicar-lhe quem ela tinha sido.
Nesse mesmo mês e, porque a Alexandrina lhe dissera a pena que sentia por não assistir à Santa Missa, o bom jesuíta teve uma ideia luminosa: perguntou-lhe se ela estava inscrita na Obra das Marias dos Sacrários-Calvários.
Esta Obra fundada por S. Manuel Gonzalez Garcia, bispo de Valença, na vizinha Espanha, era já bastante conhecida em Portugal e, a Alexandrina que nela estava inscrita, confirmou ao Padre Mariano Pinho este facto.
É bom saber que esta Obra beneficiava de um privilégio concedido pelo Papa S. Pio X ao Santo fundador: a possibilidade de celebração da Santa Missa nos domicílios dos membros doentes, o que era o caso da Alexandrina.
Em carta enviada à sua dirigida a 12 de Novembro de 1933, o Padre Mariano Pinho escreve:
«Então é Maria do Sacrário? Ainda bem; por conseguinte para ter Missa aí [em casa], basta só mandar dizer ao Senhor Arcebispo de Braga. Ele está para Lisboa. Como há-de ser? Não se aflija, que antes de sair de Braga fui falar com ele e já lhe pedi a licença precisa. Por isso no dia 20, se Deus quiser, aí me tem depois do tríduo em Outis — paróquia vizinha de Balasar — a dizer-lhe Missa no seu quarto. Tratem de arranjar tudo o que é preciso: pedra de altar, com as três toalhas, crucifixo, 2 velas, missal, paramentos (brancos), alva, cordão, (amito e sanguíneo não é preciso que eu levo o meu), cálix, galhetas, vinho puro de missa, hóstia grande para mim e pequena para si e para as outras pessoas que aí quiserem comungar. Suponho que terão maneira de arranjar isso tudo facilmente.»
Claro que arranjaram, tão grande era a alegria causada por esta boa notícia.
Na carta em que responde ao bom sacerdote e que tem como data 6 de Novembro de 1933, a Alexandrina diz:
«Senhor Padre Pinho, perguntava-me na última carta se eu era Maria dos Sacrários-Calvários. Sim, sou. Se queria a Missa... Já há muito que tenho grandes saudades disso.»
Mais adiante, na mesma carta ela conclui:
«Se isso se puder conseguir, para mim era uma grande alegria, que me não é possível explicar-lhe.»
Todavia, esta alegria que ela sente não a impede de pensar no sacrifício que o bom jesuíta terá de fazer: vir em jejum de Braga a Balasar para ali celebrar a Santa Missa:
«Mas apesar dessa alegria — escreve ela —, custa-me imenso o grande sacrifício que vai fazer em ter de vir em jejum, estando umas manhãs tão frias.»
***
– E foi assim que, no dia 20 de Novembro de 1933, foi celebrada, pelo Padre Mariano Pinho, a primeira Missa no quarto da Alexandrina.
Depois desta, muitas outras foram celebradas, não só pelo Padre Mariano Pinho — até princípios de 1942 — como por outros, entre os quais, o seu segundo director espiritual, o salesiano italiano, padre Humberto Maria Pasquale.
Digno de notar também: um dos filhos do médico da Alexandrina, o Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, que se tornou sacerdote, celebrou uma das suas primeiras Missas no quarto da Alexandrina que era também sua madrinha.
Afonso Rocha

PADRE MARIANO PINHO


Na última emissão falei-vos do primeiro encontro da Alexandrina com o seu primeiro director espiritual, o Padre Mariano Pinho, jesuíta.
Por ter sido na vida dela uma personagem importante e marcante, penso ser útil falar-vos um pouco dele.
A curta biografia que vou ler é da autoria do Padre Fernando Leite, meu amigo, agora falecido e que a meu pedido a escreveu par o Site da Beata Alexandrina Maria da Costa, do qual sou Webmaster há mais de 20 anos.
***
Padre Mariano Pinho nasceu no Porto a 16 de Janeiro de 1894. Entrou na Companhia de Jesus a 7 de Dezembro de 1910. Não sendo ainda sacerdote, os superiores destinaram-no ao Brasil onde, no Colégio António Vieira, Baía, leccionou e fundou a revista Legionário das Missões.
Regressado a Portugal, em 1923, partiu para Innsbruck, na Áustria, onde estudou Teologia e graduando-se depois na Universidade de Comillas, Espanha.
Na sua Pátria foi notável conferencista, pregador e Promotor incansável das Congregações Marianas e Cruzada Eucarística, exercendo ao mesmo tempo o cargo de Director dos seus órgãos de comunicação.
Em 1933 teve o seu primeiro encontro com a Alexandrina Maria da Costa, a carismática de Balasar. No ano seguinte começou a direcção espiritual, tendo-lhe o Senhor dito: «Obedece em tudo ao teu pai espiritual. Não foste tu que o escolheste; fui eu que to mandei». Exerceu este cargo até 1942.
Tendo recebido a Alexandrina o encargo de pedir ao Papa a Consagração do mundo ao Coração de Maria, o Padre Pinho prestou-lhe a melhor colaboração.
Em 1938 pregou o Retiro ao Episcopado Português. Por sua sugestão os nossos Bispos dirigiram uma súplica colectiva ao Papa Pio XI, em ordem à consagração.
Endereçou mais duas missivas do mesmo teor ao Secretário de Estado do Papa, o Cardeal Eugénio Paccelli. A 2 de Março de 1939, foi eleito Papa, assumindo o nome de Pio XII. Dezoito dias depois a 20 de Março de 1939, o Senhor comunica à sua confidente: «Será este o Papa que fará a Consagração. O Papa de coração de oiro, está resolvido a consagrar o mundo ao Coração de Maria… Todo o mundo pertence ao Coração Divino de Jesus; todo o mundo vai pertencer ao Coração Imaculado de Maria».
Efectivamente, a 31 de Outubro de 1942, Pio XII, dirigindo-se a Portugal e falando em português, fez esta consagração, que renovou a 8 de Dezembro seguinte, na Basílica de São Pedro.
Devido a uma série de calúnias e informações maldosas, a 1 de Outubro de 1942, o Padre Mariano Pinho recebe uma ordem terminante do seu Superior de cortar toda a relação com a Alexandrina «directa ou indirecta, pessoal ou escrita». Com um intuito punitivo, foi mandado para um Seminário menor da Companhia de Jesus. O seu Superior assim escreveu à Santa Sé: «Sofreu, como os santos, as piores calúnias e tribulações, sem um lamento e sem quebra da sua alegria espiritual». E o Cardeal Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, assim o qualificou: «Era um santo!».
Para poder exercer doravante o apostolado, em Fevereiro de 1946, voltou para o Brasil, onde continuou a sua actividade espiritual.
Faleceu no Recife a 11 de Julho de 1963.
Afonso Rocha

AMAR, SOFRER, REPARAR


Na última emissão falei-vos da entrega total da Alexandrina a Deus, da sua oferta como vítima pela salvação dos pecadores e da bela oração que ela compôs aos Sacrários.

Hoje vou falar-vos das “consequências desta mesma oração, na vida da beata Alexandrina, que estão na origem do seu lema de vida.


Ela explica na sua Autobiografia que todas as vezes que recitava esta oração, sentia no seu corpo um grande calor e uma tal ligeireza que este se levantava no ar, ou melhor dito, levitava.

De facto o seu corpo elevava-se acima do leito e ela ficava suspensa no ar. Chama-se a isto levitar.

Por lhe parecer estranho, perguntou à irmã e à professora Çãozinha, sua amiga e confidente se elas também sentiam aquele calor quando rezavam, visto ela pensar que fosse comum a todas as pessoas que rezam.

Como lhe dissessem que não, ela não insistiu, mas explicou que cada vez que rezava o Hino aos sacrários, sentia aquele calor que ela não sabia explicar. Mas, mais ainda, quando terminava esta oração, na sua humildade e inocência perguntava a Jesus o que mais poderia fazer e, a resposta divina era invariável:

AMAR, SOFRER, REPARAR.

Isto aconteceu em 1931.

Assim ficou delineado o seu lema de vida, o que significa que Jesus tinha aceitado a sua oferta como vítima e que agora lhe indicava como iria ser a sua vida doravante: uma oferta contínua e uma vigilância constante sobre todos os sacrários da terra onde Jesus está tantas e tantas vezes sozinho.

Tendo provavelmente compreendido que o caso da irmã se tornava muito sério, a Deolinda falou a um sacerdote Jesuíta, seu director espiritual e pediu que este a visitasse quando lhe fosse possível, visto o dito sacerdote morar longe de Balasar.

Este encontro vai acontecer no dia 16 de Agosto de 1933.

O Padre Mariano Pinho — é este o seu nome — gozava de grande fama de pregador e pregava tríduos do norte a sul de Portugal. O Pároco de Balasar — Padre Leopoldino Mateus — convidou-o a fazer um tríduo na sua paróquia durante o mês de Agosto, mais precisamente de 16 a 20 desse mês.

Logo que o bom Jesuíta chegou à aldeia e, depois de saudar o Pároco, foi visitar a Alexandrina, como prometera à Deolinda.
A Alexandrina não sabia o que era um director espiritual, mas recebeu de bom grado aquela visita que iria pacientemente transformar o seu modo de entender a sua vida interior.

Ela contou-lhe tudo, ou quase tudo, pois ela, cientemente ou não, omitiu de lhe falar do calor que sentia quando rezava o Hino aos sacários e das palavras que ouvia quando perguntava a Jesus o que devia fazer…

Parece provável que o Padre Mariano Pinho a tenha visitado de novo no dia 20 de Agosto, antes de voltar para Braga, visto que na primeira carta que a Alexandrina lhe escreve a 28 de Agosto desse mesmo ano, ela pergunta:

«Então como tem passado desde o dia 20 até hoje?»

O Padre Mariano ter-lhe-á enviado um livro — não se sabe qual — visto que na mesma carta ela agradece:

«Agora tenho a agradecer a Vossa Reverência o livrinho que me mandou. Não é fácil imaginar como fiquei contente!»

Entre estas duas almas de excepção vai estabelecer-se uma harmonia de sentimentos espirituais que vão elevá-las progressivamente, segundo os desígnios divinos, ao mais alto nível da espiritualidade cristã e, coisa extraordinária, vão aprender um do outro, estabelecendo-se entre eles uma complementaridade exemplar, uma complementaridade cheia de recato, toda emprenhada no amor divino de Jesus e Maria, porque ambos são loucos pela Eucaristia e por Paria, nossa Mãe do Céu.

Na mesma carta já citada e em previsão de nova visita do bondoso sacerdote, a Alexandrina escreve:

«Marcará a [hora] que melhor lhe convier: se for de manhã, fazemos gosto que Vossa Reverência jante aqui.»
Quanto a nós, também ficará novo encontro marcado para breve.

Afonso Rocha

quinta-feira, novembro 14, 2019

HINO AOS SACRÁRIOS


Na última emissão comecei a falar-vos do amor da Alexandrina pelos sacrários e pelo “prisioneiro do amor”.


Em 1930 ela escreveu esta bela oração que é, sem qualquer dúvida, um grito do seu coração amoroso de Jesus e dos sacrários onde Ele habita por amor por nós:

«Ó meu querido Jesus, quero ir visitar-Vos aos Vossos sacrários mas não posso, porque a minha doença obriga-me a estar retida no meu querido leito de dor. Faça-se a Vossa vontade, Senhor, mas, ao menos, meu Jesus, permiti que nem um momento se passe sem que à portinha dos Vossos sacrários eu vá em espírito dizer-Vos:

Meu Jesus, quero amar-Vos, quero abrasar-me toda nas chamas do Vosso amor e pedir-Vos pelos pecadores e pelas almas do Purgatório.»

É também nesta ocasião que, abrasada pelo amor aos sacrários que ela escreveu o Hino aos Sacrários, que é uma das mais belas orações da Igreja católica em honra de Jesus sacramentado.

Ei-lo, na sua íntegra:

Ó meu Jesus, eu quero que cada dor que sentir, cada palpitação do meu coração, cada vez que respirar, cada segundo das horas que passar, sejam actos de amor para os vossos Sacrários.

Eu quero que cada movimento dos meus pés, das minhas mãos, dos meus lábios, da minha língua, cada vez que abrir os meus olhos ou os fechar, cada lágrima, cada sorriso, cada alegria, cada tristeza, cada atribulação, cada distracção, contrariedades ou desgostos, sejam actos de amor para os vossos Sacrários.

Eu quero que cada letra das orações que reze, ou oiça rezar, cada palavra que pronuncie ou oiça pronunciar, que leia ou oiça ler, que escreva ou veja escrever, que conte ou oiça contar, sejam actos de amor para com os vossos Sacrários.

Eu quero que cada beijinho que Vos der nas vossas santas imagens ou da vossa e minha querida Mãezinha, nos vossos santos ou santas, sejam actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, eu quero que cada gotinha de chuva que cai do céu para a terra, toda a água que o mundo encerra, oferecida às gotas, todas as areias do mar e tudo o que o mar contém, sejam actos de amor para os vossos Sacrários.

Eu Vos ofereço as folhas das árvores, todos os frutos que elas possam ter, as florzinhas oferecidas pétala por pétala, todos os grãozinhos de sementes e cereais que possa haver no mundo, e tudo o que contêm os jardins, campos, prados e montes, ofereço tudo como actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, eu Vos ofereço as penas das avezinhas, o gorjeio das mesmas, os pêlos e as vozes de todos os animais, como actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, eu Vos ofereço o dia e a noite, o calor e o frio, o vento, a neve, a lua, o luar, o sol, a escuridão, as estrelas do firmamento, o meu dormir, o meu sonhar, como actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, eu Vos ofereço tudo o que o mundo encerra, todas as grandezas, riquezas e tesouros do mundo, tudo quanto se passar em mim, tudo quanto tenho costume de oferecer-Vos, tudo quanto se possa imaginar, como actos de amor para os vossos Sacrários.

Ó Jesus, aceitai o Céu, a terra, o mar, tudo, tudo quanto neles se encerra, como se esse «tudo» fosse meu e de tudo pudesse dispor e oferecer-Vos como actos de amor para os vossos Sacrários.

Que bom seria que muitos recitassem esta extraordinária oração!

Afonso Rocha

UM RELIGIOSO APARECIDO... POR ACASO


No seu livro “Alexandrina”, o Padre Humberto Maria Pasquale conta o seu primeiro encontro com aquela que iria ser, pouco tempo depois, a sua dirigida. Para contar este facto ele utiliza a terceira pessoa, o que demonstra a sua humildade. Ouçamo-lo.

«Em Junho de 1944, por convite insistente de pessoas movidas de compaixão pelo abandono em que a Alexandrina tinha sido deixada, através de circunstâncias estranhas, chegava a Balasar um Padre Salesiano, que havia evitado, voluntariamente; quer notícias sobre o caso, quer repetidos convites a visitar a enferma.
Conduziu-o gentilmente no seu automóvel, o médico assistente, a quem ele havia pedido, com antecedência, a licença escrita para ser recebido pela Alexandrina.
Não tinha nem conhecimentos pormenorizados sobre a doente nem estudos profundos sobre assuntos místicos, e menos ainda a intenção de aprofundar os poucos conhecimentos que possuía nesta matéria.
Haviam-lhe pedido para ir levar um pouco de conforto a uma alma, e ele não pretendia outra coisa, na medida em que as circunstâncias lho houvessem consentido.
Se tivesse dado fé às vozes discordantes, ou até contrárias, que chegavam aos seus ouvidos, especialmente nos dias precedentes, nas terras distantes de Balasar onde se encontrava em pregação, não haveria chegado até lá. Mas talvez tenha sido essa mesma discordância de pareceres, expressos e propalados com tão pouco escrúpulo, que o tenha decidido a partir.
Para fazermos uma ideia de como ele tenha podido ser admitido ao conhecimento íntimo da Alexandrina sem premeditação nem quaisquer planos, seria preciso haver conhecido a natural reserva dela. Disso nos dá fé o seguinte depoimento.
O Padre Alfredo Alves da Silva, numa sua lembrança pessoal, escreve:
“Comecei a visitar Balasar perto de 1937. Nunca soube nada sobre os colóquios que Nosso Senhor tinha com a Alexandrina, talvez desde 1934. Aquela casa lembrava-me uma Betânia… Admiro agora a humildade e a prudência da Alexandrina e da família, a irmã e a mãe, que nada me disseram sobre assuntos tão importantes.
Passados depois alguns anos, creio que em 1939, soube que a Alexandrina reproduzia, na sexta-feira, a Paixão e Morte de Jesus. Eu julgava tão importantes e delicadas estas coisas que, por mais dum ano, não ousei aludir a elas, mas ninguém na família nunca me disse nada sobre o assunto.”
Se pensarmos que esta era a atitude da Alexandrina com um sacerdote amigo da casa, que a visitava muitas vezes, como poderia pretender a abertura da sua alma o Salesiano chegado a Balasar, inesperado e quase por acaso?
Seja como dor, as coisas passaram-se assim. O Religioso, nos dois dias que lá esteve hospedado, compreendeu que naquela alma se passava alguma coisa de excepcional, e que, à volta dela, existia uma série de problemas, dignos do mais sério Estudo.
Aproximou-se, portanto, com o desejo de bem e com a devida delicadeza, mas subitamente se viu envolvido nos interesses dela. Eram tão delicados e graves, que lhe causaram perplexidades, coragem e sobretudo muita oração.»
Como ele recorramos à oração e peçamos com fé a intercessão poderosa da beata Alexandrina, sobre nós e nossas famílias.
Jesus prometeu-lhe que do Céu ela enviaria para a terra “uma chuva de graças”. Não tenhamos medo de nos molharmos!

Fonte: Padre Humberto Pasquale: “Alexandrina”.

terça-feira, novembro 12, 2019

PRESENTES E PROMESSAS À ESPOSA FIEL


Os caminhos de Deus são para nós imensos, ocultos no mistério. É talvez a prova mais dolorosa da vida: caminhar para o ignoto. É por isso que a Providência pôs em nós a esperança como sustentáculo da nossa vida; por isso é que Jesus nos fez as suas promessas e com elas não se cansa de nos mostrar o Céu, objecto da virtude da esperança.
Quanto mais a alma lhe é fiel, tanto mais cativantes e frequentes são as suas promessas de prémios e de privilégios e tanto mais próximo lhe mostra o Céu, ainda que, para exercitá-la e aperfeiçoá-la na fé ― fundamento da salvação ― lhe reserve aquelas dolorosíssimas provas divinas, cheias de trevas e dúvidas, que os místicos nos descrevem. Deste modo, aumenta-lhes o mérito e torna fecunda a sua missão.
Das maravilhosas graças pessoais com que o Senhor a enriqueceu, a Alexandrina fala ao Director nos seguintes termos: “Jesus disse-me que a minha peregrinação na terra, não seria longa, mas que grandes coisas me esperam” (27-9-1934), “... que me está modelando e preparando para coisas mais sublimes” (11-10-1934), “... que quer continuar em mim a Sua obra, que não quer parar aqui, que quer o acabamento” (1-11-1934).
Com simplicidade trepidante, pergunta a quem guia a sua alma: “Que acabamento será ainda? Pergunto a si, porque Jesus me disse que lhe dissesse tudo” (1-11-1934).
E em outro lugar, a Alexandrina revela as tarefas que o seu Esposo lhe confia: “Que sublime missão escolhi para ti!” (21-11-1938).
“Escolhi-te também para a felicidade de muitas almas” (4-10-1934). “Escreve que Eu quero que se pregue a devoção ao sacrários; quero que se acenda nas almas a devoção  para com estas prisões de amor; não fiquei aqui somente por amor daqueles que Me aman, mas por todos; em todo o trabalho Me podem consolar; que seja bem pregada e bem propagada a devoção aos sacrários porque são tantos aqueles que, embora entrando nas igrejas, nem sequer me sáudam e não paaram um momento a adorar-Me” (1-11-1934).
Eu quereria muitos guardas fiéis, prostrados diante dos sacrários, para impedirem tantos e tantos crimes” (1-11-1934).
Que abundância de messes para as alas que ajudan o Senhor na salvação da humanidade! Jesus promete-o à Alexandrina: “Por meio de ti, muitos serão salvos, muitos, muitos pecadores; não pelos teus méritos, mas por Mim, que procuro todos os meios para salvá-los” (20-12-1934).
Promessas reais sustentarão sempre, na dura cruz, a alma generosa que tudo deu a Jesus.
A Alexandrina, por obediência e com uma certa admiração do seu espírito, escreve ao Director: “Jesus disse-me que os meus sofrimentos e a minha reparação eram pérolas preciosas que iam concluir a minha coroa no Céu, mas que só seria terminada quando terminasse a minha vida na terra. Disse-me também que me queria no Céu, mas que precisava de mim na terra” (3-1-1935). Cada vez que me oferecia aos sacrários, me eram aumentados muitos graus de glória no Céu; e, quando eu Lhe pedia o aumento do Seu divino amor, me era embelezada, de dia para dia, a minha coroa no Céu, e que era Ele mesmo quem ma preparava” (14-9-1934), “... que se eu soubesse a glória que me foi preparada no Céu, morreria de admiração”.
“A tua coroa é mais rica que todas as pérolas preciosas do mundo. Está adornada com os teus sofrimentos e com as almas dos pecadores que salvaste. Está preparado um lugar muito alto para ti” (20-12-1934).
Mas o Céu mais belo, a promessa mais querida, a missão mais ambicionada por estas almas sedentas de amor, de sofrimentos, de almas, é a certeza que o Senhor lhes dá, depois de Lha pedirem com ânsias indizíveis: de poderem continuar também lá em cima o seu trabalho de salvação e de bem.
É impossível dizer quanto a Alexandrina tenha alcançado do Coração do seu Amado, com o seu heroísmo de imolação.
Recolhamos uma parte mínima destes poderes que Jesus lhe transmitiu: “Sobre aqueles que te são queridos e sobre quantos invocarem o teu auxílio, deixarei que tu mandes uma chuva de pedras preciosas. Dar-te-ei tudo aquilo que me pedires... Aquilo que serás no Céu, perto de Mim, Eu o sei, e a seu tempo, também tu o verás” (21-11-1938).
“Minha filha, anjo belo, pérola esplendorosa, estrela fulgurante que fazes brilhar toda a coroa do teu Esposo, dize ao teu Director que Eu quero que ele conheça bem o amor com que tu Me amas, para fazê-lo conhecer ao mundo, porque é de muita glória para Mim e proveito para as almas” (14-3-1938).
“Ele (Jesus) disse-me que sou um canal por onde hão-de passar as graças que eu hei-de distribuir às almas, e pelo qual hão-de ir as almas a Ele” (4-10-1934).
(Padre Humberto Maria Pasquale:
“Alexandrina”; cap. 4)

A SANTA MISSA NO HUMILDE QUARTINHO


Havia já algum tempo que a Alexandrina sonhava, com os olhos abertos, ter a Santa Missa no seu humilde quartinho. Parecia-lhe uma coisa tão grande e tão difícil de obter, que nunca ousou falar nela a ninguém. Mas, em 1933, ainda antes de conhecer pessoalmente o seu Director, sabendo que ele iria lá para uma pregação, manifestou à Deolinda este vivo desejo.
Combinaram fazer essa pergunta ao bom Religioso mas, no momento próprio, por timidez e para evitar que ele pregasse em jejum, não lhe falaram no assunto.
Foi o Padre que, numa carta, em Outubro, perguntou à Alexandrina se gostaria de assistir à Santa Missa. A resposta não tardou, mas de uma forma muito delicada: “Se é coisa que se possa alcançar, seria para mim uma alegria que nem posso exprimir, embora me custe muito o grande sacrifício que V. Rev.a teria de fazer para vir em jejum, com madrugadas tão rigorosas...”
A 2 de Novembro, teve a grande graça da Santa Missa no seu quarto pobrezinho. Este bem não durou sempre, muito pelo contrário... e foi precisamente uma das privações com que a Providência quis prová-la, e que muito fez sofrer. Quando muito mais tarde a obteve novamente, embora com intervalos, não lhe deu mais aquela alegria sensível dos primeiros tempos: desejada em ânsias torturantes, assistirá a ela nas mais espessas e profundas trevas do espírito.
Já aquela primeira Missa assinalara um ponto doloroso da sua ascensão espiritual. Sem saber o futuro que a aguarda, e ao qual se entrega generosamente, assim comenta aquele grande privilégio: “O Senhor começou desde aquele dia a aumentar as suas ternuras, para aumentar ao mesmo tempo o peso da minha cruz. Seja bendita a Graça que, por sua bondade, nunca me faltou”.
De facto, foi desde então que o Senhor a provou com a perda dos bens materiais e com novas dores do espírito.
Que teria ela feito sem a lição da Missa?
Mas, foi precisamente sobre o altar da Vítima augusta que se enxertou e floresceu esta nova imolação do Calvário de Balasar.
Padre Humberto Pasquale: “Alexandrina”; cap. 4.