Eu tenho sede dos corações
Os
estados percorridos pela alma da Alexandrina foram numerosos, porque também
numerosas foram as suas ofertas ao Senhor como vítima: vítima da Eucaristia,
vítima dos pecadores, vítima pelos sacerdotes, vítima pelo mundo e pela
humanidade, vítima pela consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.
A partir
do dia 31 de Outubro e, durante quase dois anos, viveu as penas do Purgatório,
estado místico dolorosíssimo que a obrigou a viver no seu corpo e na sua alma a purificação que o Senhor exige
das almas santas que ainda não tenha atingido o grau de santidade necessário
para poderem entrar na Casa do Pai.
Entre
esses momentos de trevas e de aridez espiritual, Jesus oferecia-lhe momentos de
autêntica felicidade, felicidade celeste, como ela o explica:
“Passou-se algum tempo, desapareceu toda a treva, o sol
dissipou para longe as nuvens, iluminou-se brilhante e claramente a minha alma,
um fogo abrasador me incendiou o coração, fazendo passar o calor das labaredas
a todo o corpo; gozava duma grande paz, mas sem ouvir ainda Jesus”.
Habituada
aos grandes sofrimentos, estes estados de felicidade espiritual, quase a
surpreendiam e Jesus, sempre atento à mínima solicitação da sua esposa de
Balasar, vinha explicar-lhe o porquê desses momentos de plena felicidade:
“Minha filha, até aqui bateram sobre ti as ondas do
mundo, as ondas horrorosas do pecado, de grandes maldades e crimes e cobriam-te
as suas trevas, porque és vítima. Agora veio a ti a paz e o amor do Meu divino
Coração e toda a luz do divino Espírito Santo”.
Mas estes
momentos eram passageiros, e de novo era necessário que ela voltasse à treva, à
aridez espiritual, aos combates com Satanás…
“Coragem! Eu quero ser amado; faz que as almas me amem.
Eu tenho sede dos corações; repara-Me, conduze-os a Mim. Coragem, minha filha,
nada temas. A dor e o amor são as moedas mais caras, são os selos com as quais
selo as almas roubadas a Satanás”.
Jesus não
cessa de pedir, mas também não cessa de oferecer. A sua conversa com a
Alexandrina, parece uma conversa de amantes, como aquelas que podemos ler no
Cântico dos Cânticos. Jesus ama-a e oferece-lhe o Seu Coração, faz-lhe
promessas, mas exige dela amor, amor sem retorno, amor fiel, tanto nos bons
como nos maus momentos. Jesus encoraja-a e previne-a. Ouçamos Jesus:
“Coragem, filha querida! Tu és o prado mimoso, onde
produzem as virtudes e desabrocham as flores plantadas por Mim. Levanta-te,
anima-te, não temas a cruz. No alto da montanha, no cimo dela, Eu farei cair
pelo teu coração todas as bênçãos e graças de salvação para as almas. A tua
vida será para elas o perfume das flores, o gorjeio das avezinhas duma manhã
primaveril. Custa-te subir? Custa-te chegar ao cimo do teu Calvário? Não
estranhes. O remate das obras, o seu enfeite são sempre o mais difícil”.
E para
que Alexandrina não possa ter qualquer dúvida, Jesus afirma:
“Mas, ó minha filha, a obra não cai, confia em Mim. Principiei
com alicerces tão firmes, que nada há que a faça estremecer, a pontos de vir a
terra. É a obra das obras, é a obra mais sublime, é a missão das almas”.
A
resposta da Alexandrina, é como sempre: suplicante e enternecida; humilde, mas
firme. Ouçamo-la:
“Meu Jesus, ó amor meu, quero e não posso, desfaleço e
caio; amparai-me Vós. Não me importo de caminhar de rastos e sempre de rastos
ser humilhada, o que eu quero é estar na verdade e em tudo fazer a Vossa divina
vontade. Dai-me graça, dai-me graça, meu Jesus, e fazei-me confiar cegamente.
Quero sofrer tudo pelo Vosso divino amor, mas custa-me, a mais não poder, ser
causa de grande sofrimento, de grande dor para os outros”.
Esta abnegação
constante da Alexandrina, este amor sincero e humilde que ela sempre demonstra,
enternece o Coração amante de Jesus, que com palavras cheias de amor, com ela
se congratula e lhe incute coragem, sempre coragem, mais coragem, para tudo
suportar por amor.
“Confia em Mim, alegra-te, Minha louquinha; estás na
verdade, és minha, vives de Mim. Que felizes e ditosos são aqueles que Eu
escolhi e associei ao teu martírio, ao teu grande, mas vitorioso Calvário.
Coragem, coragem!”
O
sofrimento da Alexandrina, livremente aceito, não é um sofrimento estéril, é um
sofrimento que alimenta outras almas, que contribui à vida espiritual de outras
almas, muitas vezes em dificuldades sem nome, por isso Jesus lhe afirma:
“A tua dor dá vidas, as tuas trevas são luz, que alumia
as almas e vão brilhar aos confins do mundo.”
Como é
sabido de todos, a Alexandrina viveu treze anos sem comer nem beber, o que
obrigatoriamente a enfraquecia. Mas Jesus velava por ela e, para que ela
permaneça com vida todo o tempo que Jesus quisesse “precisar” dela, Ele
alimentava-a com o seu próprio Sangue. Este alimento divino destina-se não só ao
sustento da sua alma, mas também do seu corpo. Algumas vezes este Sangue divino
chega ao coração da Alexandrina com uma tal força que ela morreria, se o Senhor
não estivesse atento ao derrame salutar. A Alexandrina várias vezes o explica
nos seus escritos. O “Sangue do Cordeiro” é alimento que dá vida da alma, é
alimento que mantém a vida do corpo.
Jesus
explica:
“Recebe agora a gota do Meu divino Sangue. Hoje não cairá
duma só vez; vais recebê-la, saboreá-la, como a abelhinha que sofregamente
saboreia nas florzinhas o néctar”.
Vejamos
agora, contado pela própria Alexandrina o que aconteceu:
“Jesus
tomou em Suas mãos o Seu divino Coração; pelo centro saíam labaredas que
formavam uma só labareda; uniu ao meu coração e fez que nele se introduzisse o
pequenino tubo; senti-me como que adormecer docemente. Assim demoramos, por um
pouco. Depois, Jesus retirou o Seu Coração divino, bafejou-me o peito e
passou-me sobre ele a Sua bendita mão como quem acaricia.”
Solicitude
divina do Senhor! Senhor, quão grande é o teu amor para com aqueles que
escolheste para participarem, de maneira mais íntima, de maneira mais realista,
ao pleno de Salvação previsto desde a eternidade!
A missão
da Alexandrina deve continuar, não só naquele momento preciso, mas pelos tempos
fora, não só “até aos confins do mundo”, mais até ao fim do mundo. Uma vez mais
Jesus explica à sua vítima de Balasar esta missão sublime:
“Vai, Minha filha, a ferida que te fez o amor já está
cicatrizada. Vai, leva para as almas estas chamas, abrasa os corações que têm
fome de Mim; por ti Me dou a eles. Leva estas chamas, arrasta com elas a Mim as
almas presas pelos laços infernais. Vai para a tua cruz, para a tua dor, não
deixes correr mais pelos rastilhos o fogo, que faz rebentar a bomba divina, a
justiça do Meu Pai. Coragem, coragem; nada temas, sorri a tudo!”
Alexandrina
não discute, não faz mais perguntas: ela compreendeu perfeitamente a vontade
divina. Ela sabe-se frágil, por isso ela diz apenas:
“Obrigada, meu Jesus. Sede comigo; tudo espero do Vosso
divino coração.”
Que
força, que carinho, que coragem!
Terminando
a página do seu diário espiritual (Sentimentos da alma, Alexandrina explica o
resultado desta visita de Jesus e o que se passou nela, pouco depois. É quase sobrerrealista:
“Passaram-se umas horas, o fogo de Jesus ainda me queima
o coração; custa-me, por vezes, a aguentá-lo sem saber ele deitar panos
frescos. Sinto-me mais forte; estou no fogo, mas em trevas, e o corpo num mar
de dores. Ó minha cruz, ó meu Amor, ó meu Jesus!”
Palavras
enternecedoras que fazem bater fortemente os nossos corações, que trazem aos
nossos olhos lágrimas de regozijo que fazem bem, que procuram paz e avivam o
nosso amor por Jesus e pela nossa querida Alexandrina, porque o que nela se
passa, “é a obra das obras, é a obra mais
sublime, é a missão das almas”.
Afonso Rocha
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 7 de
Novembro de 1947 - Sexta-feira)
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