A alma vítima vê-se coberta e responsável de todos os crimes
Ontem, não sei dizer como foi dolorosa a minha
viagem para o Horto. A noite era escuríssima, e eu fui tão ligada aos
sofrimentos; não digo a este nem àqueles; foi a todos; era um mundo deles,
sentir mesmo que arrastava o mundo, que ele me esmagava. Era tal a minha união
à dor, eram tão inquebráveis as prisões que a ele me prendiam, que nem um só
momento dela me podia libertar, nem um só membro, nem um mínimo bocadinho de
carne podia ser da dor, dos espinhos libertada. Que dureza tinha para mim a
humanidade! Senti e vi Jesus a tremer, a chorar e a suar sangue, e até pelos
ouvidos o derramava. Senti-O a estender os braços, e a oferecer ao Pai o cálice,
amargurado. E dali fui com Ele, de mãos atadas, para a prisão; e, de novo,
levei comigo o mesmo mundo e arrastava-me, a esmagar-me.
Esta manhã, não podia respirar; não podia
viver estava tomada de pavor; sentia os olhos colados pelo sangue, que brotava
do grande capacete de penetrantes espinhos, que me cingiam à cabeça. Assim
segui às escuras e estreitas ruas do Calvário, e sempre a cair sobre mim uma
chuva de maus-tratos e de ferros cortantes, que me dilaceravam as arnês. Vi
tantos pedacinhos com grandes rastos de sangue perdidos por entre as lajes. Oh!
como foi dolorosa a viagem! Quanto me custou chegar ao Calvário! E quanto me
custou ver feras, medonhas feras, em tão grande número, a beberem o sangue, que
de Jesus corria; eram com certeza feras só na aparência, porque Jesus murmurou
e deixou gravado na minha alma: melhor era para Mim, não sofria tanto, se o Seu
divino sangue fosse, na realidade, bebido pelas feras; são piores do que elas.
Senti que em muitos corações aumentava o ódio, o aborrecimento contra Jesus, um
desejo de O ver desaparecer dos seus olhares venenosos, fosse como fosse, custasse
o que custasse. Jesus, que via e penetrava no íntimo de todos mais sofria, e
mais aumentava a Sua agonia; e num brado fortíssimo chamou pelo Pai. Ao ver-se
por Ele abandonado, aumentou a amargura e o Seu desfalecimento. Como homem, já
não podia viver, era mortal, eu sentia-O em mim, a dar os Seus últimos
arrancos. Mas como era suave e doce a agonia do Seu espírito, os últimos
momentos de Jesus na terra. Expirei com Ele. Ah! Se com a mesma doçura, a mesma
semelhança, eu expirasse na morte verdadeira, na morte que será a vida, que se
dará a vida Eterna! Veio Jesus, deu luz a toda a minha alma e disse:
― Minha filha, Minha filha, Minha
Alexandrina, Alexandrina das dores, deixa-Me que te dê mais este título de
Minha esposa, Alexandrina das dores. Tem coragem! A alma pura posso compará-la
à água pura, à água cristalina, em vidro de cristal fino, posta aos raios de
sol a ser observada. Quantas coisas aparecem; o que descobrem esses raios de
sol! A alma és tu; o sol, observador sou Eu que tudo em ti descubro, e a Meus
divinos olhos, tudo aparece. Esse tudo que Eu vejo e faço que tu vejas é o meio
de que Me sirvo para purificar a tua alma para poderes passar deste Calvário,
deste leito de dores ao Céu. Faço que vejas em ti todas as manchas, para delas
te purificares, para te ver tão pura, tão pura, Minha pomba querida, para que
esta pureza em ti transpareça e a possas comunicar às almas. São tuas as
manchas que ao sol da Minha pureza e grandeza aparecem mas não são tuas, filha
querida, atende bem ao que te digo, as maldades, os crimes, esse mundo de
horrores, que em ti sentes e descobres. Ó maravilhas, ó maravilhas, tão pouco
conhecidas e compreendidas! A alma vítima vê-se coberta e responsável de todos
os crimes, e, ao mesmo tempo, possuidora do Seu Deus com todas as Suas
grandezas. Quanto ela sofre ter que aguentar e enfrentar o imundo com o que há
de mais puro e santo! Confia, filha querida; és vítima, mas não são teus esses
crimes. Entreguei-te o mundo, para o salvares, mas não é tua a maldade dele.
Acode-lhe, acode-lhe.
Sentimentos da alma, 9 de Maio de 1947 - Sexta-feira.
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