Não sei se isto é queixar-me
demasiado…
Pouco vou dizer, porque nada posso dizer. Não
é só a minha ignorância, que não sabe falar, mas sim as minhas forças que nada
me permitem. Estou a braços com uma nova crise. Ai quanto sofre este pobre
corpo que nem farrapo é! Não sei e não posso falar para o meu bom Jesus e para
a querida Mãezinha. Olho para Eles com o fim do meu olhar Lhes dar e pedir
tudo. Ai, pobre de mim! Que penoso viver para o corpo e para a alma. Esta
agoniza a cada momento, vê tudo perdido, vê-se sem asas para voar, está mais do
que desfeito pela dor. De vez em quando, rompe em suspiros o meu coração. Ele
sabe o que quer e não pode chegar onde quer. O meu fim é Deus, o meu amor é só
para Deus. Parece que não existe e não chega lá. O amor, o amor foi sepultado
na mortandade imensa que tenho em mim e vejo fora de mim. Estou na cruz: nada
há no meu corpo que não esteja bem cingido a ela. Os cravos são-me apertados
muitas vezes. A coroa da cabeça mais cingida e os espinhos batidos para
penetrarem mais fundo. São tais as dores que muitas vezes me parece não
resistir. O coração feito em massa de sangue tem a lança, espinhos e setas;
está todo cheio de instrumentos que ferem. Estas feridas não podem cicatrizar:
são-me avivadas de vez em
quando. Nada digo, meu Jesus, e quem sabe se direi de mais e
se isto não é queixar-me demasiado. Ó meu Rei de amor, Vós bem sabeis que o meu
fim não é queixar-me, mas sim obedecer. Não posso falar de outra coisa, porque
outra coisa não tenho a não ser a dor e esta só para eu sofrer e não com vida
para Vo-la poder dar. Jesus deu-me um mimo que devia consolar-me; mas, como
todos os mimos que eu recebo, morreu, deixando-me apenas um pouco de conforto.
Fiquei no mesmo abandono sem estar no abandono, graças a deus. Só o Céu me pode
alegrar. Só o amor de Jesus e a Sua companhia para sempre me pode satisfazer.
Espero confiada, abandonada nos braços da Providência.
Ontem, quinta-feira, a minha alma bateu-se e
debateu-se no solo duro do Horto. Enquanto que o corpo sofria as dores
horríveis, ela transportou-se para lá. Não era mais que uma bola formada e
esmigalhada pela violência do martírio. Tinha nojo de me ver, tinha nojo de ver
o mundo. Sem entrar no Calvário, todo o sofrimento dele me feria e fazia
agonizar. Nesta manhã fui desencarcerada. Segui para os tribunais: recebi os
açoites, a sentença de morte e a cruz. Tive muitas quedas; fui arrastada. E a
alma no percurso da viagem quase não deixou de bradar. Bradava ao Céu, bradava
ao Eterno Pai, bradava na dor mais pungente. O coração amava, ansiava chegar ao
fim; o corpo cobria-se de suores, os olhos choravam lágrimas de sangue. No alto
do Calvário senti no meu corpo a renovação da crucifixão. Puxaram-me tanto os
braços, parece que todos os ossos se me desconjuntaram. No cimo da cruz não fiz
outra coisa a não ser oferecer ao Calvário, oferecer ao mundo o meu coração
aberto para a todos receber. Meu Deus, que ânsias infindas! Amava e perdoava.
Agonizei: separei-me de Jesus, separei-me da dor. Pouco depois, Jesus voltou,
renovou-me a minha alma. Do seu divino Coração saía uma forte chama que veio
penetrar no meu. Esta chama durou até ao fim do colóquio com Jesus. Iluminou-me
a alma e todo o ser.
Sentimentos da alma, 6 de Abril de 1951.
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