Fazem-me tremer e arrepiar de pavor
– Dai-Me forças, dai-me graça, meu Jesus, se quereis que eu dite o que me vai na alma, se quereis que eu cumpra o meu dever de consciência. Não tenho forças, Jesus, e ditar os sentimentos da minha alma causa-me tanta repugnância!
Parece-me que não só morri, mas que nunca existi no mundo. Mas existe agora e existiu sempre a minha negra ingratidão, as minhas maldades e horrorosos crimes; fazem-me tremer e arrepiar de pavor. Desejo tanto os sofrimentos, sinto que os quero tanto, parece-me que estou louca por eles. Quanto mais sofro mais quero sofrer, mas sofro apavoradamente. Amo a dor e quero a dor e tenho dela o maior medo, o maior pavor. Corro para os sofrimentos numa alegria doida de os abraçar e ao mesmo tempo parece-me que com eles choro lágrimas de sangue e deles me queria esconder. Ó horror, tremendo horror! Quero sofrer, quero fugir à dor.
Nestes dias, em que tanto tive de dar a Jesus, não pude ter um momento de alegria ao oferecer-Lhe os meus sofrimentos. Muitas vezes repetia: por Vós tudo, meu Jesus, e pelas almas. Esse tudo, que oferecia a Jesus, não era meu, não era nada. Passei dias, passei noites neste estado, a dar, a oferecer, sem ter que dar, sem ter que oferecer. O que fiz eu? Entreguei-me à cruz, de mãos e pés cravada nela, dizia:
– Aceitai-me, Jesus, tal qual me sinto. Não sofro? Aceitai os desejos que tenho de sofrer! Não amo? Aceitai as ânsias que tenho de amar. Não sou eu, não vivo. Não tenho que oferecer? Aceitai tudo de quem é como se eu vivesse, se eu sofresse, se tudo me pertencesse. Estou na cruz, dei-me à cruz, espero da cruz passar à Vossa glória, ao Vosso amor, ao Vosso céu. Confio, confio, meu Jesus. Sinto na minha alma tantos maus tratos! E sinto também remorsos ou não sei quê de várias pessoas que me têm feito sofrer. O que é isto, meu Jesus? Não bastam os sofrimentos que me causaram, ainda tenho de sofrer a traça que lhes rói a alma! Sou a Vossa vítima, Jesus. Pecar não, mas tudo o que seja para eu Vos amar e Vos dar glória: quero tudo, aceito tudo, meu Jesus.
O demónio não veio ainda com os seus ataques tremendos. Tem-me aparecido, sim, em forma de tremendas feras, feios esqueletos, a fazer-me gestos maus e a dizer-me se ainda não estou restabelecida das minhas forças para continuar a minha vida de vícios, de gozos e de crimes. Nesta noite, apareceu-me em forma de homem, de pé junto da minha cama. A altura dele era quase a do meu quarto. Na cabeça tinha um chapéu grande, parecia-me de ferro. Vestia três cores: vermelho-encarnado, verde e preto. O rosto parecia um monstro, olhos muito feios. Demorou-se junto de mim, mas não me tocou. A visão foi assustadora, ele podia engolir-me inteira. Que mais poderá ele pintar!
Sou sempre a vítima de Jesus. Os espinhos não cessam de cair sobre mim, caem com tanta força! Ferem-me o corpo, ferem-me a alma. E, há dois dias, sem receber o meu Jesus! Onde hei-de ir buscar a força para os suportar? Estão sempre gravados diante de mim os quadros tristíssimos que Jesus desenhou na minha alma: o mundo, o limbo, o inferno. Quantas vezes nem posso respirar, para nada vejo remédio, nada posso fazer por eles. Só agora, caminha para dois dias que a minha alma sente uma chuva miudinha, chuva de nevoeiro, uma chuva de sangue que orvalha a humanidade inteira. Sofro incessantemente com isto, não por ver e sentir esse orvalho de sangue, porque é orvalho de amor, é orvalho que dá de tudo, mas sim porque esse sangue que orvalha sai de mim mesma, sai do meu coração, das veias do meu corpo.
– Ó que dor, ó que dor, que só ela tirava a vida ao mundo! Ó tarde de quinta-feira que me trazes tudo; que mar de sofrimento! Estou tão manchada, causa-me tanta repugnância ver-me assim! Tenho tanta vergonha que o Eterno Pai me veja e observe a traição que me preparam! Se pegassem em mim e me pusessem à boca duma fera, não teria tanto medo, não me causariam tanto horror os sofrimentos de lá como me causam estes e a sexta que se aproxima. Ó sofrimento que por tão poucos és compreendido! Aumentai em mim, Jesus, amor, só amor. (Sentimentos da alma: 1º de Fevereiro de 1945)
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