A luz que possuo, penetra tudo...
— Ai, como eu vejo o mundo correr no
caminho da perdição. Ó que dor tão tremenda, dor que é impossível explicar. Ser
mãe, mãe que ama, sem haver igual amor, e ver a humanidade fugir-me; morrem
todos os meus filhinhos. Morrem nos vícios, nos prazeres, nas loucuras do
pecado. Eles, loucos pelo gozo, e eu, louca de amor por eles para os salvar.
A luz, que possuo, penetra tudo e em todos. A
luz não é minha nem é para mim, mas com ela vejo a maior das desordens e
misérias. Esta luz vê tudo o que vai na terra, e sinto que ela mesma se quer
revoltar contra a mesma terra. Os seus raios não podem enfrentar o lodo e lama
nojenta que ela contém. A terra, que em mim se levantou, vai subindo, subindo,
caminha para o céu. Sinto que vai tão alta, mas os seus olhares não atingem o
seu fim. Ela vai subindo e, como remate, com ela sobe a luz; e lá das alturas
vê o mundo, ilumina o mundo, sobre ele espalha os seus raios, raios que tentam
subir a si, por não poderem pensar no mundo. Queria dizer tanto a respeito
desta luz, queria fazer-me compreender e não sei. E agora, pobre de mim,
sinto-me em abandono total e completo; não tenho ninguém por mim nem na terra
nem no céu. É o que sinto, mas confio que não é a realidade. Pela minha grande
miséria, miséria sem igual, bem sei que o merecia. Da minha parte não tenho
inimigos na terra, mas aqueles que me têm ofendido, embora sem o pensarem,
pouca diferença fazem daqueles que são meus amigos e tão queridos do meu
coração. Os que me feriram, sinto o seu desprezo e abandono, mas não os temo.
Daqueles que tantos cuidados, carinhos e amor me têm dispensado, o que nunca
pagarei aqui na terra, sinto o mesmo desprezo, abandono e uma indiferença que
não sei a que comparar; e junta-se mais ainda o medo, o grande medo, por vezes
aterrador. Sem encontrar amigos na terra, levanto os olhos para o céu; vejo-o
fechado, escusado é bater, lá não tenho ninguém por mim, os seus gritos
aflitivos não são ouvidos. Se até agora tinha medo de Jesus e ao seu chamamento
divino fugia cada vez mais, a pontos de não querer ouvi-lO e querer-me esconder
d’Ele, agora aterrada, sim, mas sinto-me obrigada a ir à sua santíssima
presença. Mas, oh! Ele está como que envergonhado de mim. Sou obrigada a estar
diante d’Ele; a minha alma sente-O e com os seus olhos vê-O diante de si. Mas
agora não tem, como quando eu Lhe fugia, aquele chamamento cheio de doçura e
amor. Agora é juiz recto, juiz que não revoga sentenças. Eu, cheia de medo, não
O posso ver, e Ele, como que envergonhado de mim, põe diante do seu santíssimo
rosto, como para encobri-lo, o seu braço divino. Que horror! Passo dias neste
sentimento, nesta visão. Já quase cheguei a dizer: “meu Jesus, se é possível, aliviai-me”.
Mas, sem terminar a frase, acrescentei: “meu Deus, ó meu Deus, a vossa divina
vontade”. Parece-me que nada posso esperar do céu nem da terra. Ontem, dia de
S. José, logo depois de receber o meu Jesus, desapareceram as trevas e a dor da
minha alma. Senti-me não em gozo mas sim com mais luz e mais confortada. Que
grande paz dentro de mim. Jesus falou-me:
— Minha filha, para provar quanto amo a
obediência e quanto amo o meu querido pai S. José, livrei-te estes dias dos
combates do demónio. Consentes que depois deste dia eles continuem? Necessito
tanto deles para as almas cegas nos prazeres, enredadas nos caminhos da
perdição!
— Sabeis, meu Jesus, que tudo quero e
aceito, só o que eu não quero é pecar. Fazei de mim o que quiserdes, contanto
que eu Vos dê o amor que desejais e salve as almas, todas as almas que ferem o
Vosso divino coração.
— Minha filha, a tua sede é a sede que
tenho delas. Tu corres para mim como o veado para a corrente da água. Quanto
mais me possuis mais desejos tens de me possuíres. Quanto mais longe me
sentires mais perto eu estou. Eu hei-de esconder-me em lugar, onde não me vejas
nem sintas; mas então estou em ti, sou teu, mais teu do que nunca. Mas para
isso é necessário um conforto assíduo. Dou o meu lugar, mas por pouco tempo; após
isto, depressa chega o céu. Coragem, filhinha amada! A tua vida é semelhante à
minha. É Cristo retratado na sua vítima amada. Salva-me as almas. Desejo tanto
que o meu querido pai S. José seja conhecido e amado! Anseio que todos os
esposos o imitem, as esposas imitem minha mãe santíssima, os filhos a mim.
Queria que todos os lares, todas as casas fossem semelhantes à de Nazaré.
Calou-se Jesus, e pouco depois nadava num mar
de dores que já estão ditas.
Hoje, quando fazia as minhas orações,
acabrunhada pelos sofrimentos de alma e corpo, veio o demónio, veio
desesperado. Insultou-me horrivelmente. Nomeou-me o nome de várias pessoas que
afirmava pecarem comigo juntas com ele:
— Não tens pecado, porque não tens
querido, agora queres. Não foi Deus que proibiu que eu viesse. Olha que Ele não
tem céu para te dar. O céu é neste mundo, o gozo e o prazer.
Durante a luta, sempre que me foi possível,
bradei ao céu. E, no tempo de maior perigo, repeti muitas vezes:
— Perdão, meu Jesus, perdão, meu amor,
sou a Vossa vítima, sou a Vossa escrava, mas pecar não, não, meu Jesus.
Serenou a tempestade, mas eu fiquei a ser um
verdadeiro inferno; via em mim todos os horrores que lá tem. E o maldito fez
como Jesus tem feito. Pareceu-me que ele estava sentado no meu coração, muito
encostado, descansadamente. E dizia-me:
— Habito aqui, pertence-me, é meu.
Que horror, que tremendo horror! Ser o demónio
o senhor do meu coração, da alma e de todo o meu ser. Veio Jesus e disse:
— Aparta-te daqui, maldito, o senhor
deste coração sou Eu, sempre fui, sou e serei. Sempre habitei nele, habito e
habitarei; é minha na terra, é minha no céu por toda a eternidade. É minha
esposa, é a minha vítima, é um cordeirinho imolado, é a minha pomba querida,
prisioneira à minha semelhança nos sacrários, por meu amor e pelas almas.
O demónio fugiu espavorido sem deixar em mim
sinais do inferno. Jesus transformou a minha alma; dos horrores, da escuridão
passei à luz, à suavidade. Foi só tempo de reviver mais um pouco, para poder
aguentar com o peso da cruz que tantas vezes vejo levantar à minha frente.
— Bendito seja, meu Jesus, tudo aquilo
que me dais; sede em tudo a minha força e alegria no sofrimento.
(Sentimentos da alma, 20 de Março de 1945).
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