UM DIA DO DIÁRIO DA BEATA ALEXANDRINA...
19 de Junho de 1953 – Sexta-feira
A minha natureza,
o meu pobre corpo vai falhando, falhando, vai desfalecendo. Sinto até que nem
corpo tenho. Sou um sopro, que tem vida e nada mais. Reina a dor, a dor aguda
que me mói todo o ser. Mas este sopro tem uma vida, tem um eco que parece ecoar
no mundo, penetrar nele todo até nos rochedos, até ecoar no Céu e morrer no
Céu. Eu não vivo. Nada disto é meu. Dizer o que sofro, exprimir o que sofro é
impossível. Tenho a necessidade de expandir-me, de saber exprimir-me e gravar
bem aos olhares de todos o que é a dor e quanto custa a dor. Não posso. Não
sei. Foi tal a ignorância, foi tal a cegueira que me envolveu que até parece
que nunca vi e que nada soube compreender e raciocinar. São tão grandes os segredos
da minha dor, são incompreensíveis. Meu Deus! Meu Deus, que tormento o da minha
vida. Duvido de tudo. Eu nada me acredito. Como hei-de acreditar os outros? Eu
não quero enganar-me, nem enganar ninguém. Esta é a pura verdade apesar de
sentir que até nisto minto. As minhas ânsias são tão grandes, tão grandes, são
infinitas!... São tão grandes como Deus. Digo minhas, mas são d’Ele, pois só
Ele é infinito. Esta grandiosidade não é da terra. São ânsias de me dar, dar e
consumir em amor. São ânsias de pegar no mundo numa mão fechada e introduzi-lo
todo no Coração do meu Jesus. por maior que seja o meu desfalecimento, a minha
prostração, o motor que tenho dentro do peito não deixa de trabalhar. É motor a
vapor. Não há nada que o possa matar. É grande, muito grande, é indizível a
minha humilhação. Com a aproximação do povo, sem fugir à cruz, sem deixar de
fazer a vontade de Nosso Senhor, eu gostava de me encobrir debaixo da terra sem
ver ninguém, até mesmo a luz do dia. Como não quero outra coisa, a não ser a
vontade santíssima de Jesus, submeto-me a tudo, tudo sofro pelas almas.
Duas noites
seguidas, inesperadamente, sentia e ouvia choros e gemidos na minha alma.
Tormentosa agonia! É impossível dizer quanto me custou este tormento. O que
será, meu Jesus? Sou a Vossa vítima, seja o que for. O dia de ontem foi muito
tormentoso. Duro horto! Foi horto de lágrimas e de profunda dor. Não foi mais
que o rochedo sobre a terra. Não quis saber, não quis compreender o que era o
horto, não quis viver dele, nem aproveitar-me dele. A agonia foi para Jesus.
Hoje a viagem do calvário assemelhou-se ao horto. Sabia que alguma coisa de
misterioso havia, mas fugi sempre à luz, sempre à verdade. Fechei os olhos a
tudo, enquanto o coração e a alma morriam de dor. No tempo da agonia da cruz
foi tal a aflição que senti no corpo que me parecia, ou melhor, sentia que o
coração vinha a todas as veias do corpo apanhar todo o sangue que elas
continham, para o derramar e regar a cruz. Uma agonia indizível da alma e um
tormento indizível do corpo me levavam a dar a vida. Expirei no maior abandono.
Não tive a companhia de Jesus. bem depressa Ele veio a dar-me a Sua vida para
eu viver e falou-me assim:
— “Desceu do
Céu, veio nas nuvens Jesus para o coração da Sua esposa. Veio Jesus. O que veio
Ele fazer? Estai atentos, estai atentos. Vem chamar-vos, vem convidar-vos a
entrar no Seu Divino Coração. Desceu do Céu, veio nas nuvens Jesus e fala-vos
do coração da vítima deste Calvário. Que vos há-de dizer Jesus? Diz que vos
ama, ama, ama e quer o vosso amor, todo o vosso amor. Escutai, escutai. Aceitai
o meu convite. Vinde ao meu Divino Coração. Sois meus filhos. Sois meus filhos.
Atendei, atendei ao Pai que vos convida. Deixai a terra, deixai o mundo. Pensai
no Céu, vivei para o Céu. Estou triste, muito triste. Há tantas almas, tantas
almas que deviam ser mais minhas, unirem-se só a Mim, pensarem só em Mim.
Prenderam-se a tudo, ambicionam tudo, menos o que é meu, menos a Mim mesmo.
Chama-vos o Senhor, filhos meus, filhos meus. É grave a hora, é grave a hora!
Avante, avante, minha filhinha, esposa minha. Falo em ti e não para ti. Não
tenho mais a pedir-te nem tu mais para me dar. Peço-te a mesma imolação. As
almas, as almas!... Continua, continua a tua missão encantadora. Continua,
continua a tua missão de salvação.”
— Ó Jesus, ó
Jesus, ai o que eu sou! Continuo com as minhas maldades, continuo a
ofender-Vos. Quero a perfeição e não a tenho. Quero amor e não o tenho, e a
Vossa graça, a Vossa graça, meu Jesus, parece que a perdi. Não sei como,
Senhor, continuar a minha missão! Levai-me para onde quiserdes. Eu não posso
caminhar. Eu estou pronta, Senhor, pronta a seguir-Vos, pronta a sofrer, pronta
a fazer a Vossa divina vontade.
— “Fala,
minha filha, fala às almas. Estou sempre no teu coração a falar pelos teus
lábios. Se não fossem as tuas faltas, viam-me a Mim e não a ti. Viam a minha
grandeza e não a tua pequenez. Quero a conversão do mundo. Quero as almas para
Mim. Calvário glorioso! Portugal, ditoso Portugal! É o Portugal das
predilecções de Jesus e de Maria. É o Portugal dos encantos do Céu, dos
encantos da Trindade Divina.”
— Ó Jesus,
já há duas noites, tantas vezes a minha alma chora. Sinto em mim tantos
suspiros e não sei o que é.
— “São
suspiros, são suspiros meus, florinha eucarística, esposa amada. Choro com os
pecados do mundo. Choro com as ofensas daquelas almas, daquelas almas que tu
bem sabes. Se tu visses quanto eu choro!... Os crimes com que sou ofendido!...
Se tu visses quanto eu suspiro, as maldades daquelas almas que Eu escolhi para
Mim, morrias de dor, morrias de dor, e hás-de morrer de amor.”
— Sou a
Vossa vítima, Jesus. Sempre a Vossa vítima. Não as condeneis ao inferno.
Esperai, esperai até que se convertam. Perdoai-lhes, perdoai-lhes. Imolai-me a
mim, sempre.
— “Vem
receber a gota do meu Divino Sangue. Os nossos corações uniram-se. A gotinha do
Sangue passou com efusões e efusões de amor. Maravilha! Maravilha! Vives a vida
do Sangue de Cristo. Vives a vida de Cristo. És a vítima de Cristo. Dá às almas
este amor, dá às almas esta vida. És das almas. Dá-te às almas. És de Jesus.
Vais para Jesus. Ditosas, ditosas todas as minhas ovelhinhas que se abeiram de
ti. O Céu é para elas.”
Jesus, não Vos
separeis de mim. Ficai sempre a ser a minha força. Lembro-Vos os que me são
queridos. À frente, Jesus, sempre a minha primeira intenção, as minhas
intenções. Lembro-Vos a todos os que me pedem orações. Lembro-Vos essa
qualidade de almas de que me falais. Lembro-Vos o mundo inteiro, meu Jesus.
— “Pede
tudo, pede sempre, filha querida. O Céu atende, o Céu cede às tuas preces. Fica
na tua cruz. Ficai na vossa cruz. Fica no teu calvário. Ficai no vosso
calvário. Ditosos, ditosos aqueles que vos auxiliam, suavizam a vossa dor.
Alegra-te, alegra-te. Coragem, coragem! Jesus está contigo. Jesus está
convosco.”
— Obrigada,
Jesus. Obrigada, Jesus. O meu eterno obrigada. Confio em Vós.
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