Vejo cada vez mais profundo o abismo da minha dor. Meu Deus,
que universo sem fim de martírio! Perdi o meu Jesus. São estes os sentimentos
da minha alma. Já não O vejo diante de mim de mão no Seu santíssimo rosto, como
há dias O via e sentia. Agora apenas sinto a perda d’Ele e o Seu poder e a Sua
justiça sobre mim. Perder a Deus, perder a Deus, oh! que desgraça, oh! que
martírio! Sinto a perda de Jesus e de todas as criaturas; sou sozinha, sem
ninguém, ninguém por mim. A luz, que sobre mim sentia, foi subindo no cimo da
torre que em mim se levantou. A torre subiu, subiu, chegou ao céu. A luz, que
era do céu, para dentro do céu entrou, deixando ficar seus raios luminosos
sempre no cimo da torre. Esses raios fazem que eu lá do alto continue a ver a
humanidade desgraçada, a humanidade perdida. Pobre do meu coração estala de dor
continuamente. Ai o mundo que eu tanto queria salvar.
— Ó meu Jesus, dizei-me o que posso fazer em favor
dele.
Não posso lembrar-me que Jesus vai deixar de me falar. Não
posso resistir! Atormenta-me ter de escrever o que se passa na minha alma,
atormentam-me os colóquios que tenho com o meu Jesus, com o receio de mim
mesma, de entrar alguma coisa minha. Mas oh! o que será de mim, quando Jesus se
esconder deveras! Ah! se me dessem a escolher, se eu tivesse o meu querer,
escolheria, quereria a primeira parte: os colóquios e escrever tudo, até dia e
noite sem parar, se fosse possível. Sofro por vir Jesus falar-me e sofro
horrivelmente por ir deixar-me.
— E quando será, meu Jesus? Eis aqui a escrava do
Senhor. Meu Deus, quando e como quiseres. Sede comigo.
Em horas de grande amargura, quando sofria com essa perda de
Jesus, uma voz me segredava:
— Mas já não tens de escrever, já não recebes as
visitas do teu Jesus.
— Ó meu Deus, parece que preferia todos os sofrimentos
e não ser privada do meu Jesus, do meu Amor, que é tão meu. É necessário que eu
sofra? Estou pronta, meu Jesus. Consolai-Vos, salvem-se as almas. Quando me
será dado o meu paizinho? Já é tarde para consolação da minha alma. Que ele
venha, meu Jesus, para a realização das Vossas divinas promessas, para honra e
glória Vossa e Maior consolação.
Lá vou para a morte, ela vai-se avizinhando.
— Oh! quando chegará o meu grande dia, o maior dia da
minha vida?
A minha alma sente que o meu nome é tão falado. Pobre de
mim, que tanto tenho procurado viver escondida e nada consigo. Sinto que sou
falada e por tantos com desdém e até com rancor. Sinto que os nomes de pessoas,
que me são tão queridas, sofrem por minha causa, são até enxovalhadas.
— Meu Jesus, tudo por Vosso amor. Que eu seja calcada,
extremamente desprezada, para serdes Vós glorificado, amado e louvado.
O dia de hoje foi dia de grandes saudades, de tristes
aniversários para mim. Três anos sem me alimentar e sem a minha querida
crucifixão. Chorei com saudades dela e com saudades da alimentação. Não pude
conter as lágrimas. A minha alma estava em paz, contente com os destinos e
miminhos de Jesus. Com o todo o amor estreitei tudo ao meu coração, mas a minha
pobre natureza não pôde resistir a tanta dor; as lágrimas deslizaram-se pela
face, as quais aumentaram ainda mais a minha dor, por me lembrar que o meu
Jesus se entristeceu com elas.
— Meu Deus, meu Deus, meu Jesus, as minhas lágrimas não
são de desespero, são de amor, são lágrimas de resignação. Conformo-me com a
Vossa vontade divina. Posso com esta dor e saudades pensar e sentir mais ao
vivo o que são as Vossas saudades, as ânsias e fome das almas, a dor que elas
Vos causam com a sua perda. Quero, Jesus, e amo tudo quanto Vos aprouver
enviar-me.
O demónio veio, nesta manhã, tão malicioso e raivoso! Dizia
ele que nada satisfazia as minhas paixões; para as satisfazer, chamou por mais
demónios, para pecarem comigo em diversos pontos. Ó meu Deus, que grande
horror! Obrigava-me a eu dizer: não quero orar, não quero o céu, quero pecar,
quero gozar. Gritei com toda a força da minha alma, no momento do grande
perigo, da grande dor, a dizer a Jesus: pecar não, não quero pecar. Neste
transe, veio o meu Jesus:
— Sossega, filhinha, coragem, não pecaste. A cadeia
mais forte e que mais almas prende a Satanás é a carne, é a impureza. Só a
cadeia do maior amor e da maior pureza pode quebrá-la e arrancá-las das suas
garras. É por isso que de ti exijo esta grande imolação e sacrifício. Lancei as
minhas mãos divinas ao teu amor, à tua pureza. Repara, repara, consola-me,
salva-me as almas. Confia, confia, não pecaste, não te deixo pecar.
No remate de todo o sofrimento deste dia, rezei o Magnificat como sinal do meu grande
agradecimento a todos os miminhos de Jesus.
(Sentimentos da alma, 27 de Março de 1945)
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