Sente-se como se não amasse Jesus
Sinto na minha
alma como se me estivessem a preparar alguma traição. Estou cheia de medo e em
tantas trevas que me parece que até o sol foi encerrado numa nuvem negra para
nunca mais aparecer, para nunca mais brilhar.
– E o dia,
meu Jesus, o dia nunca mais raia para mim. Ah! E se mesmo assim eu Vos amasse!
Se eu fosse Vossa e vivesse só para Vós! Vede, meu Jesus, o meu coração
sequioso de Vós. Eu quero dizer ao céu que caia sobre mim e me esconda e guarde
e comigo esconda e guarde toda a humanidade. Ai o mundo, meu Jesus, o mundo que
tanto me preocupa. Queria mares, universos de sangue para derramar por ele.
Queria mundos e céus de amor para Vos amar por ele. Não cesseis, meu Jesus, a
minha imolação, para que não cesse para ele a Vossa graça e o Vosso perdão. Se
me permitissem, meu Jesus, queria penitenciar o meu corpo, queria fazer dele o
mais doloroso escravo para toda a humanidade salvar. Pobre de mim, temo fazê-lo
sem licença e não tenho um guia. Jesus, espero em Vós, em Vós confio, faça-se a
Vossa vontade; sede a minha luz, o meu caminho.
Que tremendas são
as manhas do demónio. Como posso eu dar honra e glória ao meu Deus! Parece-me
mentira, mas não quero duvidar das divinas palavras do meu Jesus. Sofro tanto
com estes ataques! Se o mundo soubesse o que é o inferno e a maldade e a fúria
do demónio, com certeza não pecaria tanto. Veio esta noite numa fúria
desastrosa contra mim. Maldades, mais maldades, palavras e lições feias. O meu
corpo parecia já estar desfeito de tanto cansaço. Ele queria que eu dissesse:
– Busco,
quero e amo os prazeres; troco tudo por um só prazer, até o próprio Deus. Não
quero o céu, quero o mundo, quero pecar.
– Pecar
nunca – disse eu.
– Quero o
inferno, meu Jesus, prefiro uma eternidade de inferno e não quero gozar um só
momento, não quero o prazer, não quero o mundo. O que eu quero é não perder um
momento de consolação e reparação para Vós e de salvação para as almas.
Valei-me, Jesus, dai-me o inferno, mas não me deixeis pecar. Amar-Vos, sim, só,
só amar-Vos.
Tudo isto disse a
Jesus só com o pensamento, porque não podia mais. Foi o bastante para a fúria
do demónio aumentar. Lutei, murmurando sempre, dizendo a Jesus que não queria
pecar. A minha luta era sobre um grande abismo, nem podia respirar. O meu
coração tinha a aflição da morte. O demónio fugiu à voz de Jesus, que disse:
– Desempenha,
anjo meu, a quem sempre obedeceste, desempenha a missão que eu dei sobre a
minha Alexandrina, o meu anjo em carne; leva-a ao seu lugar.
Senti-me levada
como por uma aragem suave para a minha posição. E Jesus continuou:
– Se
pudesses ver, minha filha, como sou ofendido nesta hora contra a virtude da
santa pureza, morrias de pasmo ou antes de dor. Mas a tua reparação
consolou-me, fez-me esquecer o muito que me ofendem. Esta consolação só podia
ser tirada duma de pureza angélica.
Dito isto, Jesus
estreitou-me com muito amor ao seu Divino Coração e repetiu por três vezes:
– Amo-te,
amo-te, amo-te, meu amor; não pecaste, não me ofendeste.
Fiquei confiada
nas palavras de Jesus, mas triste, tão triste, o coração em tanta dor, mais,
muito mais do que uma ferida dolorosa depois do tratamento.
– Jesus, já
que assim o quereis, seja a minha vida como Vos consolar e agradar mais. Aqui
me tendes pronta para tudo, meu Senhor.
Mal posso
confiar. Envergonha-me a minha vida. A virtude que eu mais amo e na que mais
sofro. Só por muita graça e misericórdia de Jesus não O tenho ofendido
gravemente.
– Ó meu
Deus, tenho vergonha de mim mesma, como a não hei-de ter de Vós? Perdão, meu
Jesus, perdão, meu Amor.
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