Confesso que não podia mais...
Como o
meu coração sangra: ó meu Deus, como eu o sinto ferido; já não parece coração,
mas sim uma massa de sangue toda desfeita! E se a alma tivesse algum bocado de
carne, eu podia dela dizer o mesmo. Parece que a sinto toda golpeada. Que dor
quase insuportável! Vivo porque Jesus o quer; resisto, porque Ele resiste em mim. Ai de mim, se assim
não fosse; o que teria sido e seria o meu viver. Tudo é dor, tudo são espinhos
e espadas a cortarem-me, tudo é abandono, trevas e morte.
Vou
saindo, de vez em quando, fora do meu sepulcro; respiro, vejo todo o sofrimento
que me rodeia e sem ter nada que dar a Jesus, sem nada fazer em benefício das
almas, logo caio na mesma sepultura. Fica-me a dor e as ânsias de fazer bem e
imitar Jesus, de valer a todos e a todos socorrer. Que novo martírio Jesus
inventou para mim com estes sentimentos de praticar o bem, de não viver nem
pensar em mim, mas sim viver e pensar em toda a humanidade. Só por amor a Nosso
senhor e às almas eu recebo as visitas. Que podridão elas vêm ver e observar!
Meu Deus, que vergonha a minha, que doloroso tormento!
Tive três
combates com o demónio. Como ele vinha desesperado! Eu sentia tal raiva contra
mim, que a mim mesma me parecia morder toda. Ouvia uivos e ranger de dentes.
Que inferno desesperador e malicioso! Eu era toda demónio. Não queria ter
ouvidos para ouvir as suas malditas e feias coisas; mas tinha que ouvi-las e
tive que lutar. Sentia o meu coração preso ao demónio por fortes cadeias e
parecia-me que não podia deixar o pecado, queria até viver nele, sentia gosto em praticá-lo. Queria
tomar para os meus braços o crucifixo e A Mãezinha, mas não podia; era eu mesma
que O queria escarrar, escarnecer e calcar aos pés. Não deixei contudo de dizer
a Jesus que era a Sua vítima e do íntimo do coração Lhe dizia que não queria
pecar e só queria a Sua divina vontade. Confesso que não podia mais. Eram tão
fortes as palpitações do meu coração; parecia-me que ele rebentava. Nesta
altura, ouvi a voz de Jesus que disse:
― Aparta-te,
maldito, tenho domínio sobre ti, deixa a Minha vítima.
Os
demónios fugiram espavoridos, uivando e rangendo os dentes. E um Anjo formoso,
em tamanho natural, de asas brancas, no meio de uma luz luminosa, parou por uns
momentos à minha frente, a apontar-me para o Céu. Desapareceu a visão. Fiquei
dorida com o receio de ter pecado, mas com a alma forte, depressa fiquei em
paz.
Não tenho
a certeza, mas parece-me que, ao menos três vezes, vi passar Jesus, no meio de
uma grande multidão de vultos pretos, com a cruz aos ombros a ser maltratado.
Ele fitava-me e caminhava sempre, mas oh! como Ele ia desfigurado e triste!
Triste e em grande dor me deixava a mim também. Eu podia poder consolá-Lo,
tirar dos Seus Santíssimos ombros a cruz e passá-la para os meus. Lá O via
caminhar e desaparecer sem o poder conseguir. Queria desviar Dele a multidão
que O seguia para O maltratar, e não foi para mim, não tive força para me
aproximar de Jesus, para O libertar e suavizar a Sua dor.
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 19 de
Dezembro de 1947 - Sexta-feira).
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