A primeira referência ao Sagrado Coração de Jesus que encontramos nos escritos da Alexandrina, encontramo-la na sua Autobiografia, quando ela nos conta como aconteceu a sua primeira confissão geral, em Gondifelos a Frei Manuel das Chagas. Ela no-la descreve com a sua simplicidade habitual:
«Foi aos nove anos que fiz pela primeira vez a minha confissão geral e foi com o Sr. Padre Manuel das Chagas. Fomos, a Deolinda, eu e a minha prima Olívia, a Gondifelos, onde Sua Reverência se encontrava, e lá nos confessámos todas três. Levámos merenda e ficámos para arde, à espera do sermão. Esperámos algumas horas e recorda-me que não saímos da igreja para brincar. Tomámos nosso lugar junto do altar do Sagrado Coração de Jesus e eu pus os meus soquinhos dentro das grades do altar. A pregação dessa tarde foi sobre o inferno. Escutei com muita atenção todas as palavras de Sua Reverência, mas, a certa altura, ele convidou-nos a ir ao inferno em espírito. Para mim mesma disse: “Ao inferno é que eu não vou! Quando todos se dirigirem para lá, eu vou-me embora”, e tratei de pegar nos soquinhos. Como não vi ninguém sair, fiquei também, não largando mais os soquinhos».
A escolha do confessor não deve ter sido um acaso, mas uma escolha divina, visto que Frei Manuel das Chagas era naquele tempo muito conhecido, não só como um confessor atento e experimentado, mas ainda como um pregador de grande renome.
Nascido a 17 de Novembro de 1850, no lugar da Borralha, perto de Águeda, entrou na Ordem Franciscana a 22 de Maio de 1868, professou no ano seguinte, a 22 de Maio de 1869 e foi ordenado presbítero a 27 de Agosto de 1873.
Como dizíamos acima, Frei Manuel das Chagas foi um pregador de grande valor, muito prolífero. Vejamos:
Pregou o seu primeiro sermão durante a Quaresma de 1875, e o seu último a 15 de Abril de 1923, antes de falecer em Tuy, na Espanha, a 17 de Maio de 1923. Durante estes quarenta e oito anos de apostolado intenso, pregou 8.140 sermos. Sim, leram bem e, para que não hajam dúvidas, repetimos: 8.140 sermões.
Para ouvi-lo, a Alexandrina e as suas companheiras não hesitaram em ir a Gondifelos, paróquia vizinha de Balasar, onde se confessaram e depois esperaram “algumas horas” e, recorda-se ela anos mais tarde, que nem saíram “da igreja para brincar”.
Para não perder a mínima migalha do sermão do bom frade, Alexandrina foi postar-se, com a irmã e a prima “junto do altar do Sagrado Coração de Jesus”.
Esta é, como já dito, a primeira referência ao Sagrado Coração de Jesus. Depois desta, muitas outras virão e, será dessas referências ou alusões ao Coração divino do Senhor que iremos dissertar um pouco mais adiante.
Para já, e mesmo antes de qualquer outra afirmação ou comentário, como o Padre Mariano Pinho, podemos dizer que «da abundância do coração falam os lábios. Foi da abundância do coração, do seu intenso viver íntimo que brotaram todas essas páginas da Alexandrina e elas revelam-nos tantas coisas extraordinárias. Apesar da sua feição tão angelical, tão simples, tão verdadeira, tão serena, tão sem complicações: aprouve à divina Providência levá-la por vias nada vulgares e de autênticas maravilhas»[1].
O nosso intento é de mostrar, tanto quanto nos for possível, o lugar ocupado pelo Coração de Jesus na vida interior da Alexandrina.
Jesus falou-lhe muitas vezes, e muitas vezes lhe mostrou e explicou as características do seu divino Coração, como veremos. São estas características que nós iremos procurar e desenvolver, uma a uma, na sua ordem cronológica.
Todavia, antes de começarmos esse estudo, teremos de sobrevoar a história da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, o que nos ajudará a melhor compreender o percurso extraordinário da “Doentinha de Balasar” nos caminhos espinhosos da vida íntima com o Senhor.
[1] P. Mariano Pinho, SJ: No Calvário de Balasar, Introdução.
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