UM DIA NA VIDA DA BEATA ALEXANDRINA
18 de
Maio de 1945 – Sexta-feira
Bendirei ao
Senhor. Recebi de Jesus, neste mês bendito da querida Mãezinha, mais um
miminho, que veio abrir-me a sepultura, e mais miminhos que vieram cravar-me na
chaga do meu coração sempre a sangrar, não a deixando assim cicatrizar. De vez
em quando é avivada fortemente. Bendirei sempre a Jesus e à Mãezinha, mas
confesso: se não fossem as forças do céu, teria desesperado e morrido. Que
grande amor o de Jesus!
— Quanto Vos
devo, meu Amor. Convosco venci e vencerei sempre.
Não pude ter uma
palavra de queixume; ainda mais mereço pela minha miséria. Estou como a
pombinha de bico aberto a bater as asas prestes a perder-se sem ter onde
pousar. Tenho sede de luz, tenho sede de conforto.
— Já que na
terra me tapam todos os caminhos, deixai-me, Jesus, deixai-me, Mãezinha, entrar
nos Vossos Corações amantíssimos. Ainda que nada sinta, deixai-me ao menos a
certeza que vivo n’Eles. Lá estou livre de ódios e perseguições, lá estou certa
de que Vos amo e não Vos ofendo.
Se o meu corpo
pudesse encobrir-se nas trevas para não ser mais visto nem lembrado, como nas
trevas foi encoberta a minha alma, assim morreria, não seria mais falada como
são os desejos do meu Prelado. É com todo o amor que aceito e obedeço às suas
ordens. Não nasceu dentro em mim a mais pequenina sombra de ódio contra ele e
contra os seus companheiros. Antes pelo contrário, dizia:
— Meu Jesus,
compadecei-Vos deles, não compreendem mais, não conhecem os sofrimentos duma
alma. Meu Jesus, se pudesse prostrar-me diante de Vós e de mãos levantadas
soubesse agradecer-Vos os miminhos que me dais!
Com o coração a
sangrar de dor, não pude com os lábios rezar a Magnificat, mas rezei-a com o pensamento.
— Dai-me
força, Jesus, para sofrer e não me condeneis Vós, porque a sentença dos homens
nada vale a não ser para meu maior martírio.
Foram os homens
que me prepararam o sofrimento de hoje, para mais me assemelhar a Jesus e
acompanhá-Lo no caminho do calvário. E lá vou eu, presa com cordas, mas com
amor abraçada à cruz. Sou vítima das opiniões dos homens, sou vítima das lágrimas
dos meus. Se eu pudesse sofrer sozinha… Bendirei ao Senhor, não quero perder um
momento. Os meus olhares continuam a não serem meus. Fitam-se cheios de ternura
num e noutro coração que mais se deixa compenetrar destes olhares tão cheios de
doçura e amor. Os olhares não vão para todos por igual; os corações, a sua
correspondência, é que fazem merecer tudo quanto estes olhares encerram. Tinha
tanto que dizer neste ponto! São tantos os que queria atrair e abraçar a mim!
— O que é
isto, meu Jesus?
É sempre a minha
cruz. Neste conjunto de sofrimentos, o meu calvário com o de Jesus, o coração
oprimido com o peso esmagador da dor abafava, não resistia.
— Poderei
vencer, Jesus? Resistirei a tanto? Só convosco. Valei-me, tenho medo.
Sentia tanto o
meu abandono e o de Jesus! O meu corpo sangrava, dava as últimas gotas de
sangue. Ele veio.
— Amo-te
tanto, minha filha! Assemelhei-te a mim e o teu calvário ao meu. Tem coragem.
Os espinhos que te ferem foram os meus. As varas que te açoitam e despedaçam
foram as minhas. Os maus-tratos e as cordas que te prendem eram minhas, e a
cruz minha foi também. Foi o amor a causa dos espinhos, dos açoites, da cruz,
do calvário e da morte. Prendeu-me o amor à cruz, prendeu-me ainda nos
sacrários até ao fim dos séculos. E tu, minha pomba bela, à minha semelhança
presa foste também; prendeu-te o amor ao meu Divino Coração, prendeu-te o amor
às almas. Deixa-te ferir, minha amada; cada espinho que te fere sai um dia da
minha sagrada cabeça e do meu Divino Coração. Vês como tenho tantos!
Jesus
apresentou-me a Sua sagrada cabeça e o Seu Coração Divino. Que grande sebe
agudíssima o feria! Enterneci-me tanto por Jesus e disse-Lhe:
— Aceito
tudo o que seja dor, mas quero tirar de Vós todos esses espinhos e não deixar
sinal algum de ferimento.
Principiei a
tirar espinhos de Jesus que tinha ao meu dispor. Em poucos instantes
desapareceram todos, e nem a sagrada cabeça nem o Coração Divino ficaram
chagados, nem com sinal de sangue. Tudo desapareceu.
— Vês, minha
esposa querida, como o teu novo sofrimento cicatrizou todas as feridas que eu
tinha? Coragem! Anima-te, eu não te falto. Duvidar de mim é ofender-me. Ainda
que te dissesse que o que te prometi vinha, não te enganava, ainda que levasse
anos, pois os anos em comparação da eternidade representam um já. Mas não
demoro, confia. Vou deixar-te, minha filha, um pouco mais libertada do demónio,
para poderes resistir. Preciso de operar milagre. Se soubesses com os combates
do demónio as almas que arrancaste dos abismos e conduziste a mim! Estão
firmes, não voltam a ofender-me gravemente, salvam-se. Para resistires ao teu
penoso calvário vou vir a ti frequentes vezes, as mais delas silencioso. São
êxtases de amor, mas deles receberás sempre, sempre, toda a abundância das
minhas graças, ternuras e amor. És rica de mim, és rica de virtudes. É por isso
que os teus olhares atraem, têm carinhos, têm doçuras, têm prisões, têm amor. É
por isso que o teu sorriso tem meiguices, tem tudo o que é do céu. Não vives,
vivo eu, são meios de salvação e de chamamento às almas. Não é verdade, minha
filha, que eu na minha vida, no meu calvário, possuía duas vidas, humana e
divina? Até nisso te pareces comigo. No teu calvário tens também a vida divina,
é Cristo que está em ti. Nada temas. Vem o jardineiro divino ao Seu jardim ver
as maravilhas que nele operou e o fruto de tantas canseiras. Vem o Rei ao
palácio da Sua esposa, o Redentor divino à Sua redentora, à nova salvadora da
humanidade. As minhas maravilhas em ti não ficam ocultas, não consinto no seu
escondimento, hão-de brilhar, são a minha glória, são a salvação das almas. Tudo será escrito, minha doutora das ciências divinas, tudo
será conhecido no livro da tua vida. És a heroína do amor, a heroína da dor, a
heroína da reparação, a heroína dos combates, a rainha dos heroísmos. Recebe
conforto, filhinha, recebe o meu amor divino. Quando vier a ti nos meus
colóquios, uno-me a ti com este amor. Venho dar vida e conforto ao teu coração,
ajudar-te nas tuas trevas. Conta sempre comigo mesmo no meu exílio, no meu escondimento
em ti. És minha sempre, e eu sempre em ti habito.
— Aceitai,
meu Jesus, o meu coração agradecido e entregai-o por mim à Mãezinha. Muito
obrigada pelo fogo divino que me fazeis sentir. Se todas as almas o sentissem!
Parece-me que tenho uma enorme fornalha no peito e no coração. Como sois
poderoso e bom para comigo! Aceitai o meu sofrimento como prova do meu amor e
dai-me por ele as almas. Lembro-Vos, meu Jesus, neste momento, todos os que me
são queridos. Lembro-Vos os sacerdotes e os pobres pecadores. Lembro-Vos o
Santo Padre e as suas intenções. Lembro-Vos toda a minha família e todos os que
se me recomendam. Lembro-Vos os que me ferem e lembro-Vos o mundo inteiro.
— Aceito,
filhinha, toda a prece saída dos teus lábios. Pede, pede tudo, pede, confia
sempre.
Voltei às trevas
e à minha dor, mas a arder em sede de consolar o meu Jesus e salvar o mundo.
Não há na terra maior alegria do que sofrer por Ele. (Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma)
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