Não sei como, não sei se
aguentarei a minha vida tão dolorosa e triste. Eu não quero duvidar da
protecção do Céu, porque nunca, nunca, nas horas mais amargas e difíceis me
faltou o conforto, mas agora, meu Deus, perdoai-me, agora, que tenho a tentação
tão viva, tão viva de a eternidade não existir, receio vacilar. É uma luta eu
repetir o meu “creio”, é uma luta o pensar que o Céu me espera, é uma luta
recordar todas as verdades, porque no meu sentir tudo é uma mentira. Minto-me a
mim e aos outros, é falso, falso todo o meu viver. Como triunfar, Senhor? Mesmo
no sentimento da mentira hei-de acreditar e confiar. Espero, espero em Vós!
Parece-me que, de cada vez, o meu coração se torna mais sensível à dor e a
todas as coisas que surgem. Eu não devia sofrer pelas calúnias que de mim
dizem, como podem acreditar os outros quando eu em nada acredito. Não devia
sofrer com as dúvidas que têm de mim, pois se eu mesma as tenho todas, todas!
— Ó Jesus, ó
Mãezinha, só Vós me podeis valer. No meio dos meus desânimos, como são
profundos os espinhos que me ferem! Todas as coisas me ficam presentes, como se
eu as quisesse ver e recordar. Ó Jesus, só Vós sabeis compreender. Perdoai-me
todos os meus desfalecimentos; mesmo sem eu querer, recordo-os.
Nasci para a dor; não
nasci para mais nada. Quantos segredinhos ocultos, quantas coisas eu não
esclareço. O Céu, o Céu tem a visão de tudo. Na minha grande inutilidade, não
deixo de oferecer aos meus queridos Amores, causa da minha loucura e para a
salvação das almas.
— Oh, se o meu
coração falasse, se o meu livro estivesse aberto, nunca, nunca na terra seria
terminada a leitura. Que virá mais, Jesus? E quando chegará o meu Céu tão
imerecido?
Parece que não posso
esperar, não posso esperar mais, não posso sofrer mais. Está pronta a vontade,
sempre pronta a dar-se ao Senhor, mas a natureza apavorada não pode, não pode
mais. Todos, todos os sofrimentos se vão repetindo em mim. A visão do mundo, a
visão das almas causam-me dor infinita. Meu Deus, sou a Vossa vítima.
Por não poder, resumo
assim o que se passou em minha alma dou já entrada ao Horto e ao Calvário que
eu vivi numa amargura indizível. Sempre a ser a mesma massa da terra, sempre a
sentir os meus nervos a desconjuntarem-se e mais ainda uma coisa semelhante,
que sofria há anos, a ser comida, lentamente, com a diferença: há anos era o
corpo a ser devorado por todos os bichos e aves, e agora é a alma. Custa mais,
ainda mais. Meu Deus, meu Deus! Neste sofrimento, nunca fui capaz de repetir o
meu “creio”, nem de me recordar de o repetir, tal era o meu martírio.
Por o senhor Abade não
estar, estava há quatro dias sem receber Jesus. Perdi tudo e não aguentava a
fome de Jesus. Depois de três horas, não sei quantos minutos, Ele veio, deu um
pouco de luz à sala do meu peito, levantou-me e docemente me chamou:
— Vem, minha filha,
vem, minha filha. Coragem, tem coragem. É o auge da tua dor, para o auge dos
vícios. Jesus espreme-te em toda a variedade de prensas para toda a variedade
de pecados. Coragem, coragem. Vais-Me agora receber. Tenho tirado mais proveito
para as almas das tuas ânsias, da tua pena por não Me receberes, das tuas
comunhões espirituais do que se me recebesses sacramentalmente. Confia! Jesus
não mente.”
— Ó Jesus, não tive
a pena verdadeira. Parece que as minhas lágrimas de saudade não foram
verdadeiras. Não sei como vivi. Perdoai-me, perdoai-me.
— Tu és louca, tu és
louca, a louca da Eucaristia, a louca das almas. Oh, como és louca! Como a tua
loucura alegra o meu Divino coração e o de minha Bendita Mãe, e vai reparando a
justiça de meu Pai.
Nesta ocasião, Jesus
desapareceu. Abriu-se uma ala de anjos do Céu para o meu quarto. Eles eram
tantos que estavam dispostos em duas alas. Do Céu uniam-se e vinham-se
separando, formando cá em baixo a largura duma estrada. Batiam todos as suas
asinhas brancas e alguns tocavam instrumentos harmoniosos. Por essa estrada
entraram três anjos em tamanho natural. O do meio trazia a píxide com Jesus. Os
dos lados traziam nas mãos de fora uma vela e as mãos do lado de dentro
apanhavam o manto do que conduzia Jesus. Com as palavras que o sacerdote
costuma pronunciar ele deu-me a Sagrada Hóstia, e foram recuando até que
desapareceram. Os que estavam nas alas tocavam e cantavam:
Glória a Deus na terra e no Céu! Glória a Deus,
nosso Rei e Senhor! Glória, glória, glória a Deus, amor, amor, todo o amor!
Calvário de prodígios, calvário de dor, calvário de glória e reparação ao
Senhor! Glória, glória, glória a Deus, amor, amor, todo o amor.
Todos desapareceram,
deixando de se ouvir ao longe as vozes e sons celestes. Abeirou-se Jesus
novamente de mim, introduziu-me no coração o tubo e fez passar a gota do Seu
Sangue, lentamente:
— Recebe vida, mais
vida, minha filha. Recebe conforto para todo o estrago da dor. Vives a minha
vida, vives só de mim. Tem coragem. Não te ofereceste tu a Mim por tudo e por
todos? És a vítima reparadora de todos os crimes e de toda a variedade de
coisas. Fala às almas, porque para elas pelo Céu foste escolhida. É a mais
difícil, mas a mais sublime missão. Eu estou contigo. Falo pelos teus lábios. O
Divino Espírito Santo em tudo te instrui e ilumina. És amparada por minha
Bendita Mãe.
Fala ao mundo. Pede-lhe a
sua conversão. Sofre, sustenta o braço de meu Pai. Avisa o mundo do que o
espera. Coragem, coragem!”
Desapareceu rapidamente.
Fiz-Lhe os meus pedidos, repeti-Lhe muitas vezes o meu “creio” e com a alma
mais forte não podia queixar-me de que O não tinha recebido. Voltei à dor, a
muita dor, mas mais confortada para a suportar. (Sentimentos da alma: 17 de setembro de 1954)
Sem comentários:
Enviar um comentário