A beata Alexandrina, como em geral todos os santos — e
muitos de nós! — viveu vários estados da alma e todos eles dolorosos e que
parecem à primeira vista impossíveis, quando se singra o caminho de Deus.
Estes estados têm nomes diversos: Aridez, trevas, secura,
frieza, noite escura da alma e deserto espiritual.
Para melhor compreendermos estes estados, nada melhor do
que deixar a própria Alexandrina falar-nos deles.
No dia 12 de Maio de 1942, ela escreveu no seu Diário,
falando de dois destes estados: a aridez e as trevas:
«Meu Jesus, Mãezinha, vede a aridez da minha alma, vede o abandono
que ela sente do Céu e da terra. Lançai sobre mim vossos divinos olhares de
compaixão. Acudi-me, acudi-me, não me deixeis morrer de susto no meio das trevas.»
A aridez parece privar a alma do amor de Deus que parece
ter-se escondido quando mais precisamos d’Ele, o que obrigatoriamente causa à
alma uma sensação de densas trevas e de abandono total.
Mas, apesar desta aridez e destas trevas, a alma deseja o
seu Senhor e Esposo celeste e este desejo se transforma em secura e numa sede
ardente de O amar mais e mais.
É isso mesmo que ela explica em 28 de Maio de 1942:
«Pobre de mim! Digo que amo e não tenho
coração para amar, não tenho corpo senão para a dor, sou como uma bola de
espuma que depressa se desfaz. Que trevas,
meu Jesus, que securas, que
amarguras, que agonias as da minha alma.»
Estas trevas e esta secura levam a alma a julgar-se como
que abandonada e a pensar que sua alma está morta, que mais nada se pode passar
nela.
Eis como que uma queixa da Alexandrina a esse respeito,
ditada para o seu Diário em 28 de Dezembro de 1944:
«O cadáver não ama nem sente o amor com que é amado. Ó
morte, ó morte, que tremenda és. Que tristeza ! Morte do corpo e morte da
alma.»
Nem mesmo quando o Senhor, pela
Comunhão, vem visitá-la:
«Ao receber o meu Jesus, fiquei na mesma secura, nas mesmas trevas.» (S. 08-09-1944)
Daí a pergunta angustiosa a Jesus:
«Meu Jesus, que delícias podeis Vós encontrar neste pobre
coração? Que conforto podeis tirar em tanta miséria? Que sede podeis saciar em
tanta secura e frieza?» (S. 15-06-1945)
E depois esta constatação motivada pelo
seu estado da alma:
«E eu não sei consolá-Lo, não tenho para Ele uma palavra
amiga, a não ser: “sou Vossa, amo-Vos, sou a Vossa vítima”. Mas isto com frieza, com secura, com cegueira mortal.» (S. 30-07-1945)
Mas Jesus não a deixa sem explicação e diz-lhe para a resserenar:
«Minha filha, bebo na tua secura, sacio-Me na fonte do teu coração. A tua sede de amor é
amor. Quero beber, deixa-Me beber, mata-Me a sede, que tenho de ser amado.» (S.
18-07-1947)
Outro estado da alma e não dos menores é o “deserto
espiritual” que perturba a alma e a deixa como desamparada, como podemos ler no
seu Diário de 18 de Janeiro de 1952, tempo em que ela viveu intensamente este
sofrimento:
«Quando, no meio do deserto
imenso, o meu coração e a minha alma bradam ao céu a pedir socorro, sem o
receber de Deus nem dos homens, fico como que desorientada e perdida.»
Menos de um mês mais tarde, ela volta a falar deste
estado tão doloroso:
«São tremendos os meus dias. É pavorosa a minha
existência neste exílio. O corpo, a pobre natureza, não tem força para mais. A
alma está na maior das agonias. Brada num deserto
imenso, não há quem se compadeça dela. O que será de mim, meu Deus? Como
vencer, se me abandonais? Vejo perdida toda a minha vida. Sinto como se nada
adiantassem tantos anos de sofrimentos.» (S. 01-02-1952)
Mas, para melhor compreendermos, tentemos explicá-lo, o
melhor que possa ser:
O deserto espiritual é algo que se assemelha ao deserto,
no verdadeiro sentido da palavra: uma imensidão de nada onde vivem apenas o
vazio, a secura e a aridez.
Quando vivemos este estado de espírito, perdemos o gosto a
tudo, para não dizer que tudo nos causa repugnância.
Queremos amar, mas não encontramos amor em nós; queremos
acreditar, mas parece-nos não acreditar em nada; queremos rezar, mas temos a
impressão de dizer palavras que perderam todo o sentido; queremos oferecer, mas
não encontramos nada para oferecer; queremos reagir, mas não encontramos a
força de reacção; queremos pedir ajuda, mas não temos ninguém ao nosso redor
para ouvir os nossos gritos, então temos a impressão de que tudo se está
desmoronando ao nosso redor, que ninguém nos ama, que somos vítimas de todo o
tipo de maquinações, inclusive daqueles que nos amam...
Estado terrível onde até mesmo Deus parece surdo, onde
até Deus parece não estar interessado em nós e nos deixa lutar sozinhos, se é
que tentamos lutar...
Que fazer quanto a este estado da alma? Desanimar? Desistir de tudo?
Não, não e não! Deus não deixou de estar presente; Deus
não deixou de nos amar, Deus não deixou de cuidar de nós, porque este é
certamente o momento em que Ele mais trabalha em nós e para nós, por isso confiemos
n’Ele e ajudemo-lo a ajudar-nos, através da nossa oração – mesmo que nos pareça
inútil – através do nosso amor – mesmo que não sintamos nenhum sentimento no nosso
coração – através da nossa fé – mesmo que pensemos que a perdemos: Deus está em
nós e nos ama; Deus está em nós e cultiva o jardim das nossas almas; Deus está em
nós e, com ele, venceremos.
Imaginai apenas quando o deserto das nossas almas se
tornar o mais belo jardim, o nosso “Jardim do Paraíso!”
Esperemos, esperemos sempre, porque Deus é fiel no amor.
Assim fez a beata Alexandrina. Imitemo-la.
Afonso
Rocha
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