A quarta-feira de cinzas acaba de passar e com ela entrámos no período da
Quaresma, deixando atrás de nós o período particular do carnaval.
Hoje vou falar-vos de cinzas…
Perguntareis talvez qual a relação entre a Beata Alexandrina e as cinzas, o
que é perfeitamente plausível…
As cinzas têm muito a ver com a Beata de Balasar, visto ela ter vivido
misticamente a sua morte e ter visto e sentido o seu corpo desfeito em cinzas,
como explicarei a seguir. Este foi um carisma muito particular da Beata
Alexandrina; um carisma muito especial que nos interpela pela sua profundidade
mística.
Foi numa sexta-feira Santa, dia 3 de Abril de 1942 que ela falou pela
primeira vez de cinzas. A Paixão da “Doentinha de Balasar” tinha terminado. Ela
explica que a cruz caiu, mas que ela ainda ficou presa a ela por alguns cravos:
«Não deram
sepultura ao meu corpo — escreveu ela —; vinham as aves nocturnas e, apesar das negras trevas, viam para comer o
meu corpo. Fiquei sempre neste sofrimento e agora sinto essas aves a enterrar o
bico nos meus ossos e reduzirem tudo em cinzas.»
Depois, empregando um termo tipicamente nortenho, ela diz ainda:
«Agora essas
aves ainda têm muito que escabulhar no meu corpo.»
Esta operação estranha vai demorar um certo tempo e muitas mais vezes ela
nos falará deste estado da sua vida íntima. Por agora ela adquiriu uma certeza:
«Agora sinto que
só depois dessas aves nocturnas reduzirem os meus ossos a cinzas é que poderei
partir.» Entenda-se: para o Céu.
Um mês mais tarde, a 12 de Maio do mesmo ano, ela vota a falar deste estado
particular da sua alma:
«As aves vão
mexendo e remexendo as poucas cinzas que me restam.»
Dois anos mais tarde — veja-se o tempo que a Beata Alexandrina viveu este
estado doloroso — ela queixa-se a Jesus:
«Meu Jesus, nem cinzas tenho,
tudo desapareceu. Ó me»u Deus, que morte a minha, lede na minha dor: é por Vós,
é pelas almas.
E esta exclamação que traduz bem o estado doloroso da sua alma:
«A noite não tem estrelas, não há
sol.»
Depois uma sensação estranha: a de ter sido depositada, sem sepultura, no
meio de um grande cemitério, cuja área ela não pode avaliar por ser muito
grande. Ela brada ao Céu, mas este parece fechado e não ouvir as suas súplicas,
por isso ela se queixa de novo:
«Parece-me, Jesus, quando Vos
chamo, quando invoco o Vosso divino amor e da querida Mãezinha, que não sou
ouvida.»
E as cinzas são a causa de tudo isto:
«Sinto o meu brado ficar abafado
no montão de cinza do meu pobre corpo que já não é um cadáver como há pouco
sentia, mas cinzas, só cinzas, meu Jesus.»
E, esperando ser ouvida, ela persiste no seu clamor:
«Parece-me estar já num cemitério
e quando, no meio da agonia da minha alma, imploro o auxílio do Céu, esse
brado, em vez de subir ao alto, perde-se abafado nesse montão de cinza e na
cinza de outros cadáveres que jazem no cemitério em que me encontro, cuja
extensão eu não sei medir.»
Como para lhe mostrar que fora ouvida, Jesus vai vir, mas não como ela o
esperava. Todavia antes disso é bom ler o que ela escreveu pouco antes:
«A minha dor estava como que
coberta de cinzas, lembrando-me aqueles bichos que nos pinhais fazem a sua casa
sob os montezinhos de terra... e de madeira moída…»
***
«Nesta manhã veio Jesus
baixar a esse cemitério, juntou-se aos bichos, cobriu-se com as mesmas cinzas.
Tudo era morte dentro de mim. Morte que se misturava como que a um gemido de
toda a humanidade. Jesus não deu em mim sinal de vida. Fiquei em travas tristes,
numa dor amargurada. As almas, as almas, o amor de Jesus obriga-me a tudo
sofrer.»
“Estranha forma de vida”, podeis pensar e com justa razão, porque estes
estados de alma não são frequentes nas almas-vítimas como a Alexandrina: são
excepções que confirmam uma só regra: a divina vontade.
Em 6 de Outubro de 1944, ela fala novamente destas cinzas e do seu destino.
Como sempre, a sua aceitação da divina vontade é a palavra-chave do seu viver,
tanto mística como humanamente.
«Uma força invisível
vai-me arrastando sem eu dar sinal algum de vida por entre as cinzas deste
cemitério imenso. Vou baixando, vou profundando ao fundo, muito ao fundo,
levada não sei por quem. Estou morta, não tenho vida. Mas, ah ! Bem
sei : é o Vosso divino amor que me leva, sois Vós, são as almas, nada
mais. Confio, Jesus, confio !
Pouco depois do meio-dia,
uma onda de frescura passou por mim, refrescando a minha alma e todas as cinzas
do meu corpo. Gozei duma grande paz e suavidade. Não sei bem ao certo, mas
talvez por espaço de duas horas.»
Esta destruição das cinzas, era algumas vezes acompanhada por uma chuva de
sangue que as purificava. Este carisma vai agora terminar, como podemos ler no
Diário da Beata Alexandrina, com data de 26 de Outubro de 1944:
«A chuva de sangue vinda
do alto continua a cair sobre o cemitério, mas já não encontra cinzas para
lavar: tudo desapareceu. Bendito seja o amor de Jesus, benditas sejam as suas
invenções para salvar as almas!»
Na realidade só terminou em 1947…
Resta-me, para terminar, falar doutras cinzas: aquelas que fazem parte do
Testamento dela e que passo a citar:
«Balasar,
14 de Julho de 1948;
Para a
minha campa.
Pecadores,
se as cinzas do meu corpo podem ser-vos úteis para vos salvar, aproximai-vos,
passai sobre elas, calcai-as até que desapareçam, mas não pequeis mais, não
ofendais mais o nosso Jesus!
Pecadores,
tantas coisas quereria dizer-vos! Não me chegaria este grande cemitério para
escrevê-las todas.
Convertei-vos!
Não ofendais a Jesus, não queirais perdê-Lo eternamente! Ele é tão bom!
Basta de
pecar!
Amai-O!
Amai-O!»
Sigamos o conselho da Beata Alexandrina.
Afonso Rocha
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