Balasar, 27 de Janeiro de 1939
Carta da Deolinda
Viva Jesus!
Meu Paizinho,
Estou muito doentinha: estou com febre: piorei
esta noite: vamos a ver o que irá dar. Deu-me com a costumada dor do lado e
agora tenho todo o corpo numa dor só. Pela manhã recebi o meu Jesus. Meu Deus
que trevas, que noite! Parecia-me que Nosso Senhor estava amarrado ao meu
coração e bradava-me muito do íntimo:
— Ai, ai, ai, tem dó de mim! Ai, ai, ai,
tem dó de mim, minha esposazinha, tem dó de mim que sou Jesus.
Com que dor o meu Jesus me dizia isto. Mas
parece-me que não me compadeci d’Ele. Estava dura, mais que um rochedo. Mas
falei assim:
— Meu Jesus, mandai sofrimento a mais não
poderes a este corpo e a esta alma. Esmigalhai-me, mas alegrai-Vos,
consolai-Vos, salvai o mundo.
Estou na mesma dureza, na mesma escuridão. Já
vai para as 11 horas, espero com profunda tristeza o momento da minha crucifixão.
Que o meu Jesus seja a minha força.
Senhor Padre Pinho, vai estranhar por esta
carta ser principiada a ditar pela Alexandrina e acabada por mim. Ontem, antes
da paixão, já ela estava muito doentinha, já tinha passado a noite muito mal e
com bastante febre. Ainda deu princípio à carta, mas já não lhe pôde dar fim.
Envio-lhe as palavrinhas que Nosso Senhor lhe
disse no princípio da paixão.
— Ó minha querida crucificada é chegada a
hora, aceitas? O teu Jesus sempre ao teu lado e o teu Paizinho, são os que com
mais ternura te assistem.
Depois disto seguiu-se a paixão. Os açoites
eram acompanhados dum grande rancor. Sexta-feira passada e esta quando ia para
o Calvário passou ambas as mãos pelo rosto. Eu não sabia o que significava: mas
pensei se seria a cena da Verónica. Depois perguntei-lhe e ela disse que sim
que era.
O Senhor Cónego Vilar veio ontem, mas quando
chegou, já ela estava na cruz. Como ela estava com muita febre, pensamos que
não havia nem roupa, nem agua quente capaz de aquecer. Tremia continuamente.
Depois esteve a falar com ele até as 4 horas e 5 minutos. Coitadinha!
Custava-lhe tanto!
Quando ele daqui saiu já a febre estava a 40°.
À noite, aos 40,5 e ainda estava a subir porque continuava o frio. Assim passou
a noite e assim continua o dia muito, muito doentinha. Também está com os
vómitos, mas ainda não vomitou sangue: só tem vomitado a bílis.
Vamos a ver o que dará.
Nosso Senhor tem-lhe falado todos os dias. Cá
está tudo anotado
Mas tudo é pouco para lhe dar coragem. Sofre
tanto interiormente! Custa-me tanto vê-la sofrer assim!
Eu continuo no meu posto de sempre, sempre ao
lado dela dia e noite. Alivio-a pouco, mas faço todo quanto posso. Quem me dera
poder consolá-la um pouquinho no meio de tanto sofrimento. Por caridade, não
nos esqueça junto de Nosso Senhor para que Ele seja a nossa força.
Cumprimentos da minha mãe e da Çãozinha e
muitas saudades da Alexandrina.
Sou esta que humildemente pede a bênção ao seu
Paizinho,
Deolinda
P.S. Ainda são 2 horas da tarde e a
Alexandrina já tem a febre a 40°. Quando for lá para a noite como estará ela.
Adeus, abençoe a pobre Deolinda.
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