sexta-feira, maio 18, 2018

UM DIA NA VIDA DA BEATA ALEXANDRINA




18 de Maio de 1945 – Sexta-feira

Bendirei ao Senhor. Recebi de Jesus, neste mês bendito da querida Mãezinha, mais um miminho, que veio abrir-me a sepultura, e mais miminhos que vieram cravar-me na chaga do meu coração sempre a sangrar, não a deixando assim cicatrizar. De vez em quando é avivada fortemente. Bendirei sempre a Jesus e à Mãezinha, mas confesso: se não fossem as forças do céu, teria desesperado e morrido. Que grande amor o de Jesus!
— Quanto Vos devo, meu Amor. Convosco venci e vencerei sempre.
Não pude ter uma palavra de queixume; ainda mais mereço pela minha miséria. Estou como a pombinha de bico aberto a bater as asas prestes a perder-se sem ter onde pousar. Tenho sede de luz, tenho sede de conforto.
— Já que na terra me tapam todos os caminhos, deixai-me, Jesus, deixai-me, Mãezinha, entrar nos Vossos Corações amantíssimos. Ainda que nada sinta, deixai-me ao menos a certeza que vivo n’Eles. Lá estou livre de ódios e perseguições, lá estou certa de que Vos amo e não Vos ofendo.
Se o meu corpo pudesse encobrir-se nas trevas para não ser mais visto nem lembrado, como nas trevas foi encoberta a minha alma, assim morreria, não seria mais falada como são os desejos do meu Prelado. É com todo o amor que aceito e obedeço às suas ordens. Não nasceu dentro em mim a mais pequenina sombra de ódio contra ele e contra os seus companheiros. Antes pelo contrário, dizia:
— Meu Jesus, compadecei-Vos deles, não compreendem mais, não conhecem os sofrimentos duma alma. Meu Jesus, se pudesse prostrar-me diante de Vós e de mãos levantadas soubesse agradecer-Vos os miminhos que me dais!
Com o coração a sangrar de dor, não pude com os lábios rezar a Magnificat, mas rezei-a com o pensamento.
— Dai-me força, Jesus, para sofrer e não me condeneis Vós, porque a sentença dos homens nada vale a não ser para meu maior martírio.
Foram os homens que me prepararam o sofrimento de hoje, para mais me assemelhar a Jesus e acompanhá-Lo no caminho do calvário. E lá vou eu, presa com cordas, mas com amor abraçada à cruz. Sou vítima das opiniões dos homens, sou vítima das lágrimas dos meus. Se eu pudesse sofrer sozinha… Bendirei ao Senhor, não quero perder um momento. Os meus olhares continuam a não serem meus. Fitam-se cheios de ternura num e noutro coração que mais se deixa compenetrar destes olhares tão cheios de doçura e amor. Os olhares não vão para todos por igual; os corações, a sua correspondência, é que fazem merecer tudo quanto estes olhares encerram. Tinha tanto que dizer neste ponto! São tantos os que queria atrair e abraçar a mim!
— O que é isto, meu Jesus?
É sempre a minha cruz. Neste conjunto de sofrimentos, o meu calvário com o de Jesus, o coração oprimido com o peso esmagador da dor abafava, não resistia.
— Poderei vencer, Jesus? Resistirei a tanto? Só convosco. Valei-me, tenho medo.
Sentia tanto o meu abandono e o de Jesus! O meu corpo sangrava, dava as últimas gotas de sangue. Ele veio.
— Amo-te tanto, minha filha! Assemelhei-te a mim e o teu calvário ao meu. Tem coragem. Os espinhos que te ferem foram os meus. As varas que te açoitam e despedaçam foram as minhas. Os maus-tratos e as cordas que te prendem eram minhas, e a cruz minha foi também. Foi o amor a causa dos espinhos, dos açoites, da cruz, do calvário e da morte. Prendeu-me o amor à cruz, prendeu-me ainda nos sacrários até ao fim dos séculos. E tu, minha pomba bela, à minha semelhança presa foste também; prendeu-te o amor ao meu Divino Coração, prendeu-te o amor às almas. Deixa-te ferir, minha amada; cada espinho que te fere sai um dia da minha sagrada cabeça e do meu Divino Coração. Vês como tenho tantos!
Jesus apresentou-me a Sua sagrada cabeça e o Seu Coração Divino. Que grande sebe agudíssima o feria! Enterneci-me tanto por Jesus e disse-Lhe:
— Aceito tudo o que seja dor, mas quero tirar de Vós todos esses espinhos e não deixar sinal algum de ferimento.
Principiei a tirar espinhos de Jesus que tinha ao meu dispor. Em poucos instantes desapareceram todos, e nem a sagrada cabeça nem o Coração Divino ficaram chagados, nem com sinal de sangue. Tudo desapareceu.
— Vês, minha esposa querida, como o teu novo sofrimento cicatrizou todas as feridas que eu tinha? Coragem! Anima-te, eu não te falto. Duvidar de mim é ofender-me. Ainda que te dissesse que o que te prometi vinha, não te enganava, ainda que levasse anos, pois os anos em comparação da eternidade representam um já. Mas não demoro, confia. Vou deixar-te, minha filha, um pouco mais libertada do demónio, para poderes resistir. Preciso de operar milagre. Se soubesses com os combates do demónio as almas que arrancaste dos abismos e conduziste a mim! Estão firmes, não voltam a ofender-me gravemente, salvam-se. Para resistires ao teu penoso calvário vou vir a ti frequentes vezes, as mais delas silencioso. São êxtases de amor, mas deles receberás sempre, sempre, toda a abundância das minhas graças, ternuras e amor. És rica de mim, és rica de virtudes. É por isso que os teus olhares atraem, têm carinhos, têm doçuras, têm prisões, têm amor. É por isso que o teu sorriso tem meiguices, tem tudo o que é do céu. Não vives, vivo eu, são meios de salvação e de chamamento às almas. Não é verdade, minha filha, que eu na minha vida, no meu calvário, possuía duas vidas, humana e divina? Até nisso te pareces comigo. No teu calvário tens também a vida divina, é Cristo que está em ti. Nada temas. Vem o jardineiro divino ao Seu jardim ver as maravilhas que nele operou e o fruto de tantas canseiras. Vem o Rei ao palácio da Sua esposa, o Redentor divino à Sua redentora, à nova salvadora da humanidade. As minhas maravilhas em ti não ficam ocultas, não consinto no seu escondimento, hão-de brilhar, são a minha glória, são a salvação das almas. Tudo será escrito, minha doutora das ciências divinas, tudo será conhecido no livro da tua vida. És a heroína do amor, a heroína da dor, a heroína da reparação, a heroína dos combates, a rainha dos heroísmos. Recebe conforto, filhinha, recebe o meu amor divino. Quando vier a ti nos meus colóquios, uno-me a ti com este amor. Venho dar vida e conforto ao teu coração, ajudar-te nas tuas trevas. Conta sempre comigo mesmo no meu exílio, no meu escondimento em ti. És minha sempre, e eu sempre em ti habito.
— Aceitai, meu Jesus, o meu coração agradecido e entregai-o por mim à Mãezinha. Muito obrigada pelo fogo divino que me fazeis sentir. Se todas as almas o sentissem! Parece-me que tenho uma enorme fornalha no peito e no coração. Como sois poderoso e bom para comigo! Aceitai o meu sofrimento como prova do meu amor e dai-me por ele as almas. Lembro-Vos, meu Jesus, neste momento, todos os que me são queridos. Lembro-Vos os sacerdotes e os pobres pecadores. Lembro-Vos o Santo Padre e as suas intenções. Lembro-Vos toda a minha família e todos os que se me recomendam. Lembro-Vos os que me ferem e lembro-Vos o mundo inteiro.
— Aceito, filhinha, toda a prece saída dos teus lábios. Pede, pede tudo, pede, confia sempre.
Voltei às trevas e à minha dor, mas a arder em sede de consolar o meu Jesus e salvar o mundo. Não há na terra maior alegria do que sofrer por Ele. (Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma)

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