terça-feira, agosto 23, 2011

QUE TORTURA EU SINTO

Ó meu Jesus, como eu sou pequenina!


Estou sempre com medo do demónio; temo ceder às suas malditas seduções e temo ofender Jesus. Ele continua desesperado contra mim; ouço os seus uivos, sinto o seu ódio. Se ele pudesse derrotar-me, onde estaria eu. Queria levar a minha vida a praticar o bem, a fazer bem a todos. A todos queria consolar e confortar; a todos queria amar e levar comigo para o Céu. Não sei o que sinto; não é o meu coração que anseia isto; não é o meu coração que ama e a todos quer salvar. Que ternura eu sinto, ternura que não é minha! Foi nestas ânsias dolorosas de querer amar e não amar, de querer fazer bem e não fazer, de querer salvar e não salvar, que eu recebi o meu Jesus. Ele bem depressa transformou tudo, serenou-me, deu-me luz e acendeu mais fogo em meu coração, avivando o que já tinha.
― Minha filha, minha filha, hei-de abrasar-te, hei-de queimar-te e consumir-te no Meu divino amor. Tu amas-Me, tu amas-Me e dás às almas o Meu amor divino; criei-te para elas, para as salvares. São tantas a ofenderem-Me, mesmo aquelas consagradas a Mim. Custa tanto ser maltratado por aqueles que se dizem Meus amigos! Como está o mundo! Ai dele sem este calvário! Coloquei-te aqui, crucificada nesta cruz, para que, com esta crucifixão contínua, por ti as almas recebessem as Minhas Divinas graças e amor, por ti elas fossem salvas.
― Ó meu Jesus, como eu sou pequenina, como me sinto envergonhada diante da Vossa divina presença. Queria esconder-me, desaparecer de todos. Quem sou eu e quem sois Vós? Que vergonha terdes-me escolhido para as Vossas coisas, para a missão das almas. Não sei o que fazer, não sei o que dizer; sou a Vossa vítima.
― É assim pequenina e no escondimento, sem estares escondida, que Eu te quero. É nesta pequenez e escondimento que se encobrem as Minhas maravilhas. Minha filha, aqui tens o Meu divino coração e O da Minha bendita Mãe; quero uni-los ao teu; são teus. Os vossos corações são o depósito de todas as graças, de todas as riquezas e amor divino; o teu é o canal por onde elas passam às almas. Todo este amor, todas estas graças se irradiam em ti; transmite-as, infunde nos corações este amor, junta a ele a tua dor, salva, salva o mundo. Consola-Me, consola a Minha Bendita Mãe Oh! como Ela está triste!
― Como hei-de eu consolar o meu Jesus, como hei-de consolar a minha querida Mãezinha! Como pode a escrava consolar o seu Senhor! Eu prometo, Jesus, fazer actos de amor e reparação quantos me forem possíveis, para assim ver a alegria em Vossos Santíssimos Corações.
*****
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 7 de Junho de 1947 - Primeiro sábado)

PROMETE CONSOLAR-ME

Fiquei com os corações na minha mão


Que confusão a minha quando recebi das mãos de Jesus os Seus Corações a arder de amor e no mesmo instante o meu juntar-se a Eles. Estavam como a avezinhas no ninho, de biquinhos abertos, sequiosos e famintas. Fiquei com os corações na minha mão, dentro duma taça doirada.
― Diz, Minha filha ao teu Paizinho que todo este amor lhe pertence. Para grande mestre das grandes almas, ele terá sempre para tudo toda a luz do Divino Espírito Santo; e em tudo quanto fizer, não erra; será sempre iluminado e guiado por Ele. Dá-lhe o meu Divino Coração e O da Minha Bendita Mãe, cheios de amor, coragem e confiança. Diz-lhe que estou com ele, e não lhe falto e que é assim que Eu trato as almas que escolho inteiramente para Mim. Diz ao teu médico (que o fiz procurador da Minha divina causa. Que continue a desempenhar a sua missão. Estou contente com ele. Eu encaminho as coisas, guio seus passos, para ele em tudo fazer a Minha divina vontade. Dá-lhe todo o Meu amor com o da Minha Mãe Bendita, na certeza que terá sempre a Nossa protecção em todas as coisas, para ele e para todos os que mais ligados estão por laços de amor no seu coração. Diz-lhe que a prova de quanto o amo está em pô-lo à frente de cuidar daquele que tem na terra a mais alta e sublime missão.) O mesmo digo para aqueles que com ele trabalham, te rodeiam, amparam e cuidam de ti: isto é, para todos aqueles a quem tu mais amas e mais intimamente tens em teu coração. O sinal mais certo de que Jesus e Maria muito as amam é tu amá-los também. Vem, Minha Mãe Bendita, consolar com o teu carinho a nossa filhinha e desabafar com ela as tuas mágoas.
Veio a Mãezinha, na mão direita trazia o Seu Santíssimo Coração e na esquerda o manto; entregou-me tudo e disse-me:
― Minha filha, à semelhança do meu divino Filho, entrego-te o Meu Santíssimo Coração com a chave; abre e fecha dentro dele as almas, para que elas do meu passem ao de Jesus. Eu estou triste com os crimes da humanidade. Há tanta imodéstia! O pecado da carne leva tantas almas às portas do inferno! Há tantas infidelidades nos casados! Que desonestidade! E contra mim são proferidas tantas blasfémias! Negam a Minha Virgindade, negam a Minha dignidade de Mãe de Deus. Promete consolar-Me! Pega o meu manto, cobre com ele o mundo, salva-o que é Meu filho.
― Prometo, Mãezinha, com a graça de Jesus fazer tudo para consolar-Vos e reparar tão grandes crimes.
Veio Jesus, e eu fiquei entre os dois. A Mãezinha beijou-me, abraçou-me, acariciou-me com Jesus. Os nossos rostos e lábios estavam unidos, como unidos tinham estado os nossos corações. Recebi força, recebi amor. Jesus acrescentou: tudo isto farei que transpareça em ti.
― Vai, pomba branca; vai alma fiel, vai tesoureira das riquezas divinas; vai distribuir pelo mundo, vai semear as flores do jardim celeste, nascidas e florescentes em ti. Coragem, coragem!
― Obrigada, meu Jesus; obrigada Mãezinha.
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(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 7 de Junho de 1947 - Primeiro sábado)

quarta-feira, agosto 17, 2011

QUE PENA EU TENHO DE JESUS !

Por vezes, a minha alma vê Jesus

Não posso estar aqui; não vivo, não sei viver. Tenho medo do mundo; que horror ele me causa; não sei se é ele que me crava tantos punhais; não digo bem, sinto-me a ser o mundo e sou eu própria a cravá-los, a assassinar-me a mim mesma!
Por vezes, a minha alma vê Jesus, feito enfermeiro, a querer entrar a este mundo, que sou eu mesma. Rodeia, rodeia uma e outra vez este monstro mundial, para curar-lhe as chagas de entro e de fora. Jesus anda cheio de amor e doçura, mas não tem estrada. Esta rocha dura não quer ouvir o Seu convite de ternura, não quer deixar-se curar. Que pena eu tenho não consentir que Jesus seja o meu enfermeiro! Ele quer acariciar-me, e eu não deixo, revolto-me contra Ele, obrigo-O a afastar-se de mim. Apesar de ser eu que O não quero, nem quero a Suas bondades, ternuras e carinhos, a alma chora por não O querer, por não lhe dar entrada, por não O amar. Que pena eu tenho de Jesus! Sofro ao mesmo tempo com Ele. Sou o mundo e sou Jesus; peco e quero pecar; amo e quero amar; e este amor é louco, não tem limites, ama e não olha a quem; o que quer é ser aceite. Se este amor fosse eu, e minhas não fossem as maldades! Mas ai pobre de mim! O amor é de Jesus, as maldades são minhas. Abracei-me à minha cegueira com tal afecto, com tal amor, que não mais a largarei; ela só me causa sofrimento, só me mostra que sou lodo e lama, mas eu quero e neste estreito abraço mais me vou mergulhando nela. O que é bom, o que é de Jesus, não aparece nas minhas medonhas trevas. Mas o que posso eu esperar, o que posso eu ver, se nada há em mim de bom, nada tenho de encantador que a mim pertença. Sou miséria, só miséria; ó Jesus, compadecei-Vos de mim! Tenho recebido, nestes dias algumas, algumas graças, alguns mimos do Céu, que eu não mereço. Agradeço-as a Jesus e à querida Mãezinha, mas este meu agradecimento não chega.
Por não chegar o meu agradecimento e por temer ao máximo estes mimos, não chego a gozar da alegria e consolação que eles me possam dar. Bendito seja o Senhor. Tudo para Vós, meu Jesus. Estou a recordar, passo por passo, tudo o que se passou, dias antes da minha partida para a Foz. A coragem que pedia a Jesus e à Mãezinha, a confiança que neles depositei no meio de tanta amargura. Quatro anos são passados; nada esqueci, todos esses sofrimentos parecem ser de hoje. Meu Jesus, sou a Vossa vítima.
Sinto em mim o ódio do demónio; ele quer matar-me, a fogo e a espada. Ele vê-se agora forçado a deixar o trono do meu coração; teima, faz violência para não sair. Ao ver que não tem remédio senão retirar-se, odeia-me, uiva desesperado. Sinto os seus rancores, ouço o seu uivar.
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(Beata Alexandrina: “Sentimentos da alma”, 6 de Junho de 1947 - Sexta-feira)

LEVARAM-ME SEM PIEDADE

Hoje, cedinho ainda, lá me foram buscar

Na tarde de ontem, senti em mim um mundo de bronze, o qual tinha de ser regado com sangue de Jesus. Fui para a ceia com Ele e com os Apóstolos. Vi novamente a bênção do pão e do vinho que veio a ser o Divino Corpo e Sangue de Jesus. Encantou-me o seu Santíssimo Rosto no momento da bênção, a arder de amor, todo inflamado em fogo, de olhos fitos no Céu. Todos comungaram, até mesmo Judas, que logo ficou como um condenado do inferno, tal era o seu desespero. E quase logo saiu com a saca do dinheiro para O ir vender. Vi o discípulo amado, inclinado sobre o peito de Jesus e sentia os seus corações a palpitar de amor, um pelo outro. Se eu soubesse corresponder ao amor de Jesus e amar como aquele discípulo amado. Seguiu-se depois a despedida de Jesus da Bendita Mãezinha; foi a despedida mais dolorosa. Ficaram esmagados de dor os Seus Santíssimos corações. Foi neste esmagamento, nesta amargura que com Jesus segui para o Horto; com Ele fui lá ainda mais esmagada com a montanha do Calvário e a cruz que sobre nós veio cair. Fui espremida, suei sangue e assim segui para a prisão.
Hoje, cedinho ainda, lá me foram buscar. Levaram-me sem piedade, e logo, com furor rancoroso, me açoitaram e coroaram de espinhos. Com o rosto coberto de escarros assim segui ao Calvário; aqui e além caía, aqui e além, parecia morrer. Novas descargas de açoites, em viagem tão penosa, caíram sobre mim. Cheguei ao cimo do Calvário com todo o desfalecimento. Fui crucificada, e, ao ser a cruz voltada para revirar os cravos, foi meu rosto no solo muito ferido, e uma golfada de sangue me veio aos lábios. Custa-me tanto falar assim! Foi Jesus, não fui eu, que assim foi ferido; mas não sei exprimir-me doutra forma. Levantada ao alto da cruz, senti que Jesus estendeu os seus olhares divinos pelo Calvário, por toda a humanidade. Com esta visão tremi e senti o corpo gelar; não eram os meus que viam, eram os de Jesus, mas com Ele em mim tudo vi e senti. A vista de tanta ingratidão fez com que Jesus levantasse para o Pai os Seus olhares divinos, cheios de compaixão e pedir perdão para os que O feriam; não pediu vingança, desculpou-os. Ficou em extrema agonia e eu com Ele. Quando Jesus expirou eu senti morrer o meu corpo e sentia que uma vida estava separada de mim, mas não me pertencia.
Estive um pedaço sem Jesus me falar; demorou a chegar, ou melhor, a fazer que eu O sentisse e ouvisse. Quando Lhe aprouve, disse-me:
― Minha filha, Minha filha, Minha filha, demorei a chegar, venho desfalecido; fui maltratado, quero refugiar-me. Dás-me entrada no teu coração?
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(Beata Alexandrina: “Sentimentos da alma”, 6 de Junho de 1947 - Sexta-feira)

CONSOLASTE-ME, MINHA FILHA

― Ó meu Jesus, em que estado Vós vindes!

Vi que Jesus vinha como se não pudesse segurar-se, banhado em suor, a escorrer sangue e sem nenhuma beleza. Ao vê-Lo assim exclamei:
― Ó meu Jesus, em que estado Vós vindes! Entrai no meu pobre coração; esta morada não digna de Vos receber, mas já que assim o quereis, entrai e descansai.
― Eu sou a Vossa filha mais pobre e miserável, mas quero cuidar de Vós, quero limpar-Vos as lágrimas e os suores e curar-Vos essas feridas; quero curar-Vos e consolar-Vos, e não sei como. Sou a Vossa vítima. Não Vos digo que aceiteis que eu Vos cure com o meu amor, com as minhas ânsias.
E, com Jesus inclinado sobre o meu peito, fiquei como que a curá-Lo, e a limpar-Lhe o suor e as lágrimas, porque soluçava profundamente. Fiquei como que não soubesse o que mais fazer nem dizer a Jesus, tal era a minha compaixão. De repente vi-O curado, alegre e formoso.
― Alegraste-Me, consolaste-Me, minha filha, já não estou ferido, já Me sinto bem. Sabes quem assim Me maltratou? Foram os sacerdotes, foram os sacerdotes. Obrigaram-Me a descer do Céu à terra, às suas indignas mãos para Me crucificarem em seus sujos corações. Juntaram os seus crimes ao de toda a humanidade ingrata. Se não fossem os teus sofrimentos para quantos já se lhes tinha aberto o inferno e já estavam condenados. Coragem, confia em mim. Dá-Me dor, toda a dor, e não digas que os teus sofrimentos nada valem; valem tudo para as suas almas. Dás-Me tudo que te pedir? Dás-Me toda a dor que te exijo?
― Tudo, tudo, meu Jesus; nada Vos nego. Só Vos peço a graça e a força divina.
― São para o mundo, filha querida; o meu divino coração é amor, só amor, quer abrasá-lo, quer queimá-lo, quer salvá-lo. E é por ti que Eu o abraço, que lhe dou esse amor; e é de ti que Eu Me sirvo para o salvar. Pede, pede oração, pede penitência; diz que é Jesus a pedi-la, diz que é Jesus que pede com urgência. Depressa, depressa, a empregarem-se os meios, a aplicar-se a medicina por Mim indicada. Abre o meu Divino Coração; és senhora dele, tens a chave, dá-lhes entrada. Abre-se o meu divino Coração cheio de amor e misericórdia, para o receber. E abre-se a abóbada do firmamento para sobre a terra culpada, descarregar Meu Pai, a Sua justiça divina. Que escolha. Meu Pai não pode ver-Me ofendido. O que espera o mundo! As nações preparam-se falsamente com armamentos e artes venenosas. Estão a enceleirarem-se, à semelhança da formiga. Acode-lhe, acode-lhe, dá-Me a tua dor. E, com mais vida e coragem ma poderes dar, recebe a gota do Meu Divino Sangue, não mais deixarei de ta dar. Recebe-a por um tubo, formado do meu amor, que será para o teu coração fogo divino, uma transfusão de amor.
O tubo era cor de fogo, a gotinha de Sangue de Jesus caiu no meu coração e nele em todo o peito desfez-se aquele tubo como se fosse uma nuvem. Fiquei a arder e mergulhada naquele fogo doirado. Naqueles momentos tinha a minha alma toda a luz, Jesus não deixou o coração dilatar-se, acariciou-me e deu-me no rosto um ósculo divino.
― Vai sorridente para a tua cruz, vai espalhar este amor, vai infundi-lo nos corações. Tu és um portento de graças e maravilhas do Senhor. És e serás sempre a honra e a glória de Portugal, a luz e a salvação de todo o mundo. Confia, confia. Coragem, coragem.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus.
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(Beata Alexandrina: “Sentimentos da alma”, 6 de Junho de 1947 - Sexta-feira)

segunda-feira, agosto 08, 2011

SINTO-ME MORRER, MEU JESUS

Que trapo desfeito em lepra nojenta

Não sei o que é a minha vida; estou na terra e parece-me que não estou; vivo, e, por vezes, passo as horas, como se não vivesse; sofro, e sinto passar-se o tempo, como se não sofresse. Não vivo, nunca vivi; não sofro, nunca sofri; não amo, nunca amei. É o que eu sinto. Meu Deus, meu Deus, como é que eu existo, e a parecer-me não existir? A minha vida é lodo, é lama presa, são maldades vergonhosas. Que trapo desfeito em lepra nojenta. É o que eu sou, é o que eu vejo em mim, é a vida que vive e reina em todo o meu ser. Mas tenho sede, sede de pureza, sede de graça, sede de amor, sede das almas. Tenho tantas ânsias de possuir a Jesus, de enlouquecer por Ele, que, fitando o Seu divino Coração, digo-Lhe: deixai-me, Jesus, entrar nessa chaga divina, nesse Coração de amor; quero esconder-me, desaparecer, derreter nesse fogo, como gelo que derrete com o sol e desaparece escondido na terra. Dai-me amor, Jesus; escondei-me, não quero aparecer no mundo. Toda a terra Vos dá louvor, Jesus; e eu nada Vos dou. Quando chegará o dia que eu Vos possa louvar e amar eternamente e em Vós saciar todos estes desejos e ânsias que me consomem? Sinto-me morrer, meu Jesus, por não Vos amar, por nada ter que Vos dar e por não Vos salvar as almas. Vede até onde chega o meu desfalecimento.
A noite de sábado para domingo do Divino Espírito Santo foi noite de tormento, de penoso martírio para mim. Ainda cedo, cerca das dez horas, vi à minha frente uns grandes arcos guarnecidos de medonhas serpentes; eram elas que formavam esses arcos, pois outra coisa eu não via; eram elas que os guarneciam, pendentes para um lado e para o outro, uma e outra cabeça, uma e outra cauda. As cabeças tinham os olhos vivíssimos, medonhos, cheios de malícia. Até aqui não me assustei. Passado algum tempo, sentia essas serpentes, junto de mim; parecia-me ter a cama cheia. Ouvia o seu rastejar, como se fossem pelo chão, as suas grandes escamas pegavam-me na roupa, como grandes farpas. Queria desviar-me delas, e não podia. Tinha medo, mais que medo, grande pavor. Queria luz, queria chamar a minha irmã, mas não o conseguia. Não sei se sim se não, mas não me recordo de chamar por Jesus nem pela querida Mãezinha. Juntaram-se a estas uns bichos pequenos que eu desconhecia, mas eram assustadores. Não tinha lugar na minha cama que não estivesse ocupado pelas serpentes. Senti no meu corpo uma dor tão aguda, pareceu-me que fui por uma mordida; senti que esta mordedura me envenenou toda; o veneno espalhou-se em todo o meu ser, repentinamente. Disse para mim: vou morrer já, morro envenenada; esperava a morte. De um momento para o outro, senti uma força, uma coragem, tentei esmagar uma que passava ao meu lado; calquei-a; na minha mão direita, tinha como que um ferro agudo, como se fosse uma lança. Esforcei-me por trespassar com esse ferro a cabeça da serpente. Trespassei-a, calquei-a, mas ela ficou com vida; pode retirar-se de mim. Quando esta desapareceu, já todas as outras tinham desaparecido. Eu não morri, mas todo aquele veneno ficou em comigo; e tal veneno é que tudo pode envenenar.
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(Beata Alexandrina: “Sentimentos da alma”, 30 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

APARTA-TE MALDITO

Jesus, numa sede insaciável, bebia incessantemente

Passaram-se uns dias e noites sem que o demónio viesse com os seus ataques atormentar-me, embora, por vezes, tentasse assaltar-me. Mas sempre veio com três assaltos seguidos. Não sei como ele se fez senhor de todos os meus sentidos; olhos, ouvidos, tacto, sentidos. O meu coração era dele; era dele todo o meu ser. Principiaram os convites para o mal, as maldades, por fim a luta. Pude dizer a Jesus e à Mãezinha que me valessem, que não queria pecar, que era a Sua vítima. Não pude benzer-me, nem pegar, para as mãos no meu crucifixo. Parecia-me que ele conseguia de mim quanto queria e, de um combate para o outro, eu ficava presa a ele, presa pela malícia, presa pela maldade. Compreendi alguma da sua malícia. Por mais esforço que fizesse para não ouvir o que ele me dizia, tinha que ouvir. As bagadas de suor corriam; o coração batia aflitivamente. Não podia libertar-se dele. A voz de Jesus e a um sinal de retirada, ele fugiu. Jesus dizia: aparta-te, maldito, para o lugar que tu escolheste; já basta; deixa-a, que é a minha vítima. Fiquei libertada e pude tomar a minha posição. Mas ele, ainda ao longe, tentava seduzir-me e prender-me novamente a ele. Fiquei na dor e no receio de ter pecado. Só depois de Jesus ter vindo ao meu coração, sosseguei mais. Ele deu-me a Sua doce paz.
Ontem, perto do cair da tarde, vi dois rostos unidos: o de Jesus e o de Judas, que deu o beijo traidor em Jesus. Vi estes rostos, e eles estavam unidos ao meu. Foi tal a amargura que senti com aquela visão. Um rosto tão belo e tão puro e outro tão cruel e parecido com Satanás, que me levou ao Horto, no qual principiei a ver e a sentir Jesus, ora de uma forma, ora de outra. Quando Ele mais precisava dos Apóstolos, os seus amigos, companheiros de tanto tempo, menos os tinha, maior era a sua despreocupação; dormiam sossegados, a bom dormir. Jesus sofria com este afastamento, mas estava contente por eles dormirem. Prostrado por terra, em agonia, banhado em sangue, levanta-se depois. E eu sentia-O na minha alma, gravado bem profundamente, os Seus cabelos ensopados e as gotas do Seu divino sangue a correrem ainda mais, muito mais. Sentia os Seus divinos olhos abertos, levantados ao Céu. E em meu coração sentia os Seus lábios a repetirem, uma e outra vez: Pai, Pai, Pai, afasta-Me este cálice, se é possível; mas faça-se a Tua vontade; Eu quero morrer para dar a vida. Nestes momentos Jesus tinha a formosura de Jesus. A Sua calma estava jubilosa de tanto sofrer. Que alegria a de Jesus, por dar a vida por nós! Veio Judas de encontro ao Horto, ali beijou o rosto inocente, e, logo, todos os soldados caíram por terra. Jesus, entregue aos seus maus-tratos, mais ainda do que até ali, se viu dos seus amigos abandonado; fugiram, deixaram-No sozinho.
Hoje, pela manhã, caminhei para o Calvário. Por mais que eu queria desviar os sofrimentos de Jesus do meu pensamento, não por não querer pensar neles, mas sim para me livrar de ilusões, prende-se a eles o meu coração; desvia-se deles o espírito, mas o coração cola-se, a alma tudo sente. Caminhei com O meu Jesus; parecia-me caminhar, a passos de gigante. No meu desfalecimento, o Calvário não chegava, mas vinham-me, de encontro ao peito, todos os sofrimentos dele; feriam-me o coração. Quase sem vida cheguei ao cimo. Pregada na cruz, ondas de sofrimentos, vindas de mares e mares sem fim, levantavam-se sobre a cruz. Jesus, numa sede insaciável, bebia incessantemente, e, como num eterno abraço, as estreitava. Com que doçura Ele o fazia, sabia e via muito bem que Sua morte dava a vida; que a Sua dor era um maná, o bálsamo fecundo, a vida das almas. A esta bondade e amor de Jesus, veio levantar-se o mundo em grande revolta e ódio; parecia cair sobre a cruz uma chuva de instrumentos, que dilaceravam os restos das carnes de Jesus. Era o mundo lodacento, apodrecido, a atirar contra o sol mais brilhante a sua podridão, para encobrir seus raios. Eram estes os sentimentos da minha alma. Que sentimentos tão profundos! Jesus, ao ver que o mundo desperdiçava o Seu sangue divino e a tantos não aproveitava a Sua morte, agonizou, e eu com Ele.
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(Beata Alexandrina: “Sentimentos da alma”, 30 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

TENHO TANTO MEDO DO DEMÓNIO

Quero sofrer tudo, mas quero salvar as almas

Depressa voltou novamente a dizer-me:
― Minha filha, esposa querida, coração do Meu coração, luz dos Meus divinos olhos, vem saciar-te, vem ao amor, vem receber vida; recebe para ires espalhá-lo. Consola-Me, acode às almas; as tíbias arrefecem, gelam cada vez mais, os pecadores fogem-Me. Acode-lhes, pede-lhes que escutem a voz de Jesus, que atendam ao Seu chamamento. Tem dó de Mim, vê a Minha agonia. Dá-Me dor, dá-Me dor, a tua dor é de salvação.
― Ó meu Jesus, sofro tanto pelas almas e elas gelam, e os pecadores fogem-Vos? De que vale então os meus sofrimentos? Eu quero sofrer tudo, mas não Vos quero ver sofrer, quero sofrer tudo, mas quero salvá-las; e nada faço, e nada faço, meu Jesus.
― Ai do mundo sem ti, ai do mundo sem o teu martírio! O teu sofrimento vence o coração de Deus; o teu martírio é de redenção. Eu farei que tenhas todo o poder sobre as almas. Que maravilhas, que grandes transformações Eu por ti opero nelas! Que grandes prodígios, depois da tua morte! Tens todo o poder sobre elas, e poderosa és sobre os demónios. A visão que te dei das serpentes, foi para dar luz; estudem-na bem para bem a compreenderem. Escolhi a festa do Divino Espírito Santo; deixem-se iluminar pela sua luz. Os arcos levantados eram as torres maliciosas de Satanás. Ele envenenou tudo, a malícia subiu ao seu auge. As arcadas eram arcadas sedutoras. Tu não foste pela serpente envenenada; ela não te mordeu; foste apenas vítima. Não te disse Eu já há muito tempo que, à semelhança de Minha Bendita Mãe, serias poderosa sobre os demónios. Era um Anjo, à semelhança de outro anjo, a combater a serpente maligna. Uma virgem, à semelhança doutra virgem, Minha Mãe Santíssima, a calcá-la, a aniquilá-la. Ela gemia sobre o teu poder; mas sua vida continua, o veneno continua a envenenar e continuará sempre até ao fim. É o retrato do paraíso; luta e vencerás; combate e nada temas. Coragem, cofre riquíssimo, mar imenso das maravilhas de Jesus.
― Mas Jesus, tenho tanto medo do demónio e receio tanto enganar-me! Sou a Vossa escrava, confio na Vossa misericórdia.
― Não temas o maldito, Minha filha; ele não vence, nada poderá contra ti; tu não Me ofendes. O segundo ataque que te pedi, foi a reparação da família. Que crimes tão grandes se comentem entre os esposos! Confia em Mim; tu não te enganas. O teu sofrimento, mesmo quando estás em colóquios comigo, sou Eu que o permito; são colóquios dolorosos, é maior a reparação que Me dás, e o proveito é para as almas. Para veres que não te enganas, retira-te agora de Mim, deixa-Me ficar sozinho.
― Não posso, Jesus; estou presa a Vós, deixai-me então que eu vá.
― Compreendes então, filha querida, que não te enganas, que estás na verdade, que estás comigo?
― Sim, Jesus; agora compreendo, não tenho dúvidas. Não sei que luz e fogo é este; sinto o meu coração arder.
― É a luz do Divino Espírito Santo, é o fogo do Meu divino amor. Enche-te, toma conforto; e recebe juntamente a tua vida, a gotas do Meu Divino Sangue.
Jesus fez outra vez do Seu Coração uma canequinha, pela qual deixou cair no meu a gotinha do Seu Sangue divino; colocou-a novamente dentro do Seu Santíssimo peito, cerrou-o, cerrou o meu e disse-me:
― A cruz espera-te; vai para ela, abraça-a, beija-a, é a cruz da redenção. A tua dor, o teu amor salva as almas. A tua dor não ma negues. Vai para o mundo com o teu martírio, leva a minha graça, leva o meu divino amor. Semeia, semeia com canseira, semeia com o teu sorriso.
― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Sim, eu vou, mas fico convosco; eu vou, mas vinde comigo, sede a minha força.
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(Beata Alexandrina: “Sentimentos da alma”, 30 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

quinta-feira, agosto 04, 2011

MORRO À SEDE, SEM SAIR DA ÁGUA

O que os santos fizeram!


O que fizeram os santos, porque não o faço eu também? Tem sido esta a interrogação, que neste mês da Mãezinha tenho feito a mim mesma. O que os santos fizeram! Mas eu não sei o que foi. Eles certamente amaram muito a Jesus e tudo sofreram por Ele. Mas eu não sei amá-Lo, desconheço o amor; e nada sofro porque não sou quem sofre, mas sim Jesus em mim. O que hei-de dar então? Ai, pobre de mim! Nada tenho a não ser o mundo horroroso, o mundo vergonhoso das minhas maldades e misérias. Ó meu Deus, eu Deus, como eu me vejo e sinto num mundo de podridão; tenho nojo de mim mesma. Desfaz-se a minha carne na maior imundice. Mas tenho sede, sede abrasadora, sede insaciável de amor a Jesus. Sinto-me como se estivesse mergulhada no mar sempre a beber, sem dele sair, sem nunca me saciar. Estou como o peixinho; quanto mais nada, mais quer nadar; quanto mais me mergulho, mais necessidade tenho de me mergulhar. Morro à sede, sem sair da água, sem deixar de beber. Queria dar-me a Jesus, queria dar-Lhe a as almas, todas, todas as almas. Quando falo de Jesus, do Seu divino amor e das Suas almas, não sei que sinto, sinto-me a desaparecer. Que loucura o amor de Jesus! Que valor têm as nossas almas! Não posso pensar que alguma se perca, que para alguma fosse inútil o Sangue de Jesus derramado. Não tenho coração nem espírito que aguente com estes pensamentos. O amor de Jesus, o amor de Jesus por nós! Sinto um não sei quê, dentro de mim, que me obriga a querer ir a Roma. Não é para ver sua Santidade; não é para ver os lugares santos nem para contemplar tantas maravilhas, se bem que tudo isso seria para mim motivo de grande alegria. A minha necessidade não é essa. Eu queria de sua Santidade um não sei quê, que mais ninguém me pode dar. Eu queria lançar-me a seus pés, beijá-los, regá-los com as minhas lágrimas. Estou convencida que isto o fazia compadecer de mim; estou certa que assim a minha alma recebia o que ela anseia e eu desconheço. Ó meu Jesus, Vós sabeis bem que isto eu não posso fazer; supri Vós, por misericórdia, doutra forma, a minha falta.
Continuo a ter grande medo, grande horror ao demónio. E continuo ainda a senti-lo no meu coração, sentado em trono como rei; tem mesmo na cabeça coroa como de rei e na mão direita um pau ou ferro preto, de meio para cima, com duas grandes galhas. Ele está em grande sossego; sabe que Ele é o Senhor; não teme que o deite fora; está orgulhoso como senhor de si mesmo. Meu Deus, que grande horror! O demónio dentro de mim! E agora, nestes últimos dias, sinto em mim Jesus, mas fora do coração, e a alma vê-O com o peito aberto, de cada lado da abertura, as suas divinas mãos para melhor mostrar a chaga do Seu Divino Coração profundamente aberta e a sangrar. Jesus aponta o Seu Coração divino; com os Seus olhares ternos e meigos, cheios de amor, convida o meu coração a entrar. Ele quer-me inteiramente, esquece o meu passado. Que convite tão enternecedor! Faz-me doer tanto o coração! Jesus, de pé, sempre a chamar-me com doçura a entrar nele. Eu faço-me surda, desvio dele os meus olhos, não faço o mais pequenino esforço por deitar fora o demónio. E Ele nem sequer estremece, no seu grande orgulho, está sossegado. Que quadro doloroso! O demónio dentro e Jesus fora! O amor a enfrentar a maldade. E eu preferir o demónio a Jesus! Que horror, que horror de morte!
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(Alexandrina de Balasar: Sentimentos da alma, 23 de Maio de 1047 - Sexta-feira)

QUE PENA EU TIVE DE JESUS

Como Jesus foi desfalecido para a prisão!


Na tarde de ontem, senti que no meu pescoço me foram lançadas grossas cordas, e todas as mãos humanas por elas me arrastaram até me conduzirem ao Horto. Esta mesma força de maldades obrigaram o Céu com toda a justiça divina a descer lá sobre mim a esmagar-me. O peso foi tanto, que me rompeu todas as veias; o sangue regou a terra, a larga distância. Ali vi Jesus com antecipado sofrimento, com o Seu divino coração aberto, a dar de beber às almas. Umas arrumavam-se Dele, com aborrecimento; desprezavam tudo, nem no sangue de Jesus queriam tocar; outros bebiam-no friamente, com indiferença, como se nada fosse; vinham outros, que o bebiam com mais amor; iam outros que bebiam com loucura e não queriam deixar de beber; veio outra que passou sobre todas, e, numa sede insaciável, bebeu, bebeu, entrou pela chaga do Coração divino de Jesus, perdeu-se Nele e não apareceu mais. Depois subi ao Horto, ou subiu-o Jesus em mim, atropelada debaixo de uma chuva de empurrões e pontapés. Eu sentia no meu corpo os vestidos colados com o sangue já seco. Na grande sala de Anás, vi a multidão que seguia Jesus, eram homens, só homens com armas e paus. Quando o malvado deu a bofetada em Jesus, foram tantas as gargalhadas e o bater de palmas, como se fosse praticada a mais bela das acções. Como Jesus se fazia pequenino e estava humilhado! O príncipe na sua vaidade, elevou-se às alturas; via-se como que adorado por quantos o rodeavam. Como Jesus foi desfalecido para a prisão! Que tristeza a Sua! E ali sozinho! Que pena eu tive de Jesus! Lembrei-me então Dele, preso nos sacrários, pois agora na terra outra prisão não tem. Fiz um sacrifício, fiz alguns actos de amor; pedi à Mãezinha para ir comigo a todos os sacrários e os entregar a Jesus por mim, e lá me deixar para sempre prisioneira com Ele.
Hoje de manhãzinha, sem nisso pensar, senti a alma ir ao cárcere, ao encontro de Jesus; encontrei-O triste, na mesma tristeza que eu senti e sem ter as belezas de Jesus; estava desfiguradíssimo, era já quase um cadáver. Desci com Ele, com Ele fui coroada de espinhos, com Ele fui açoitada, com Ele ouvi as algazarras dos que se regozijavam de O ver sofrer. Com Ele segui o Calvário. Ao cimo dele vi despirem Jesus; não O vi crucificar. Mas pouco depois, o meu corpo era a cruz, onde Ele estava pregado. Os espinhos da Sua sagrada cabeça feriam-me a mim também. Sentia o Seu divino Coração cercado de miudinhos, mas agudos espinhos, que me cingiam e feriam também o meu. Quando Jesus movia os Seus lábios, para bradar ao Pai eu sentia-os e via-os mover. Quando a esponja lhe foi por eles passada, no coração senti como Ele saboreava não por si, mas em sinal de agradecimento, como se lho tivesse feito por amor. Bem intimamente na alma se gravaram também os olhos de Jesus, quando Ele os levantava ao Pai, e via que eram uns olhares mais ternos. Perto de Jesus agonizar, fez-se noite no Calvário, e reinou um profundo silêncio; só se ouviam os Seus suspiros divinos. Quase tudo se retirou, apavorado, e já a tomarem qualquer acontecimento. Era o temor e não o amor a causa desse pavor. Ficou a Mãezinha com a Sua dor e agonia a acompanhar Jesus. Como Ela sofria e Ele com Ela! Indizível é a dor. Sofri tudo e nesta dor expirei.
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(Alexandrina de Balasar: Sentimentos da alma, 23 de Maio de 1047 - Sexta-feira)

DÁ-ME DOR, DÁ-ME AMOR

Minha filha, coração de fogo
Veio Jesus, chamou-me:
― Minha filha, coração grande, coração ardente, coração de fogo, sacrário da minha habitação; és o meu Céu na terra, paraíso das Minhas delícias. Sim, aqui delicio-me; posso dizer que ainda há corações na terra, mas bem poucos, que Me amam e onde Eu tenho a Minhas delícias. O teu é um desses, permite-Me que te diga; confia em Mim, que sou O teu Jesus: o teu coração é o que Me ama sobre todos, e sobre todos no que mais Me delicio. O teu amor delicioso, Eu o coloco na taça da tua dor; é uma oferta contínua, dia e noite, sem parar um momento, que Eu ofereço a Meu eterno Pai. Esta taça de dor e de amor delicioso é escora que sustenta o braço da Sua justiça pendente a cair sobre a terra. Dá-Me dor, dá-Me amor, dá-Me tudo, Minha filha. O Meu eterno Pai ao aceitar e contemplar a oferta, que Lhe dou, vai esquecendo como sou ofendido. Oferece-Me, filha querida, todo o teu martírio, une-o ao Meu sangue Divino e às dores da Minha Bendita Mãe, e nesta união, na renovação contínuo da Minha paixão, tu receberás do Céu toda a força, todas as graças, todo o poder, para acudires às almas. Salva-mas, salva-mas, que são Minhas. E vê o trato que Me dão.
Quando Jesus levantava para o Seu Eterno Pai uma taça formosíssima, era belo, cheio de luz. Quando me disse para eu ver o mau trato, que Lhe davam as almas, caiu por terra, feito um mendigo, sem formosura, sem luz e sem nada. Caiu de repente com os maus-tratos, que Lhe davam, como uma árvore, que num rápido momento é cortada. Quando vi Jesus caído, lancei-me a Ele, deitei-Lhe as minhas indignas mãos e bradei-Lhe:
― Levantai-Vos, levantai-Vos, meu Jesus: quero cair eu, debaixo desta chuva de maldades, mas não quero ver-Vos sofrer. Dizei-me, Jesus, o que posso dar-Vos, o que posso fazer.
― Dor, dor Minha filha; dor e amor. Pede, pede aos que cuidam da Minha divina causa; diz-lhes que Jesus pede: quero oração, quero penitência, quero vida pura, quero vida nova. Que não cessem de pedir isto aqueles, a quem confiei aquilo que mais caro tenho na terra.
― Meu Jesus, tudo Vos dou sem ter que Vos dar; não sei amar-Vos, não sei sofrer, dou-Vos tudo o que é Vosso; sou a Vossa vítima.
― Amas-me, filha querida; sabes sofrer e comigo tudo vences. Vou pedir-te alguns combates do demónio; dá-mos, confia que não Me ofendes. Eu queria que a tua vida, esposa querida, fosse espalhada, depressa chegasse aos confins do mundo como chuva de Formosas rosas caídas do Céu. Que chuva de maravilhas, bálsamo de salvação para as almas. Recebe a gota do Meu sangue Divino; corre o sangue de Jesus nas tuas veias, é a tua vida, é a vida que espalha, é a vida que infundes nos corações e nas almas. Deixa-Me unir o centro dos dois; não deixo que o teu se dilate.
Jesus uniu os nossos corações, a gotinha do Seu divino sangue caiu no meu e Ele logo os separou; acariciou-me e disse-me:
― É a vida é a força do tua dor. Vai, esposa, vai, amada, vai para a cruz que te espera; leva a graça, leva o sorriso, leva o conforto, beija-a abraça-a, não Me deixes mais. Eu opero milagres sobre a tua vida; sem este milagre não resistirias a tanto sofrer. Quando deixar de o operar, a tua alma voará ao Céu como pomba branca, saída da prisão. Está bem perto, tem coragem! Vai dar-te às almas, vai salvá-las. Vê quanto Eu faço por elas; mesmo assim ofendido, abro-lhes o peito, ofereço-lhes o coração; e elas como demónio em seus corações não Me dão aceitação, recusam a entrada, preferem-na a ele. Não és tu que possuis em ti o demónio; é o mundo, é o mundo; tu és vítima. Coragem, coragem! Leva amor, leva a tua cruz. O mundo é teu; confiei-to; acode-lhe, salva-o com a tua dor, com o teu amor, com o teu calvário.
― Obrigada, meu Jesus
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(Alexandrina de Balasar: Sentimentos da alma, 23 de Maio de 1047 - Sexta-feira)

quarta-feira, agosto 03, 2011

PEREGRINAÇÃO FATIMA-BALASAR

10 de Agosto de 2011

Organizada pelos Adoradores Noturnos de Fátima, os quais serão acompanhados pelo R. P. José Granja, ex-pároco de Balasar e recentemente nomeado Reitor da Basílica dos Congregados, na cidade de Braga, e Director do Departamento da Pastoral da Mobilidade Humana, ao qual desejamos desde já os maiores sucessos no seu próximo cargo. 
Chegada a Balasar:
Visita da Capela do Senhor da Santa Cruz
11H30: Eucaristia
Almoço
14H00: Adoração ao SS. Sacramento
15H00: Visita á Casa da Beata Alexandrina
A seguir a esta visita:
Via-Sacra
Retorno a Fátima 
É bom notar que esta é a segunda peregrinação assim organizada em Fátima pelos mesmos Adoradores Noturnos e com destino a Balasar.
A última realizou-se em 6 de Julho passado e também era acompanhada pelo R. P. José Granja que “durante o caminho lhes foi falando da vida e obra da Beata Alexandrina”, o que de novo irá acontecer desta vez.
Esta iniciativa vinda de Fátima, vem provar uma vez mais, se isso fosse necessário, que Fátima e Balasar são verdadeiramente “duas terras irmãs”.

terça-feira, agosto 02, 2011

EM MIM VIVE OUTRA VIDA - Parte I

Quero abraçar a minha cruz
Quero subir na escada do amor, e não consigo; sinto que desci ao último degrau. Jesus nada pode esperar de mim; não sei amá-Lo, não tenho forças para O amar. Quero abraçar a minha cruz, a cruz que Ele me dá, e não posso; este meu abraço é cair com ela, desfalecida, sem jamais poder levantar-me. Quero fazer tudo o que é bom e santo, e nada faço; pobre de mim! Quero ser só de Jesus, da Mãezinha e das almas, e não sou de ninguém nem para ninguém. Não sou eu, não vivo, não existo; existe, vive em mim o mundo cheio de maldade, cheio de crimes, todo revoltoso contra o Senhor; é uma vergonha de morte. Sinto-o a crucificar Jesus. Em mim vive outra vida a enfrentar este mundo. Com que dó, com que com compaixão o enfrenta, o contempla! É por forçado a castigá-lo e não quer. Esforça-se, faz tudo para não bater, não punir. Eu que não existo, sou, ou estou no meio destas duas vidas; a vida do mundo quero moderá-la, transformá-la para ser outra. E na vida de Deus, nada mais faço; imploro misericórdia, abro os braços, levanto as mãos, curvo-me diante desse poder supremo para receber todos os golpes, para ser esmagada por toda a Sua divina justiça. Meu Deus, não vivo e sou mundo, não vivo e possuo a vida de Deus, não existo e vivo para o mundo e vivo para Jesus, não sou nada e tenho que aguentar sobre mim toda a maldade humana e todo o poder, todo o amor e toda a justiça de Deus. Se eu soubesse dizer este teatro doloroso que ora sinto, ora vejo em minha alma! O amor do Céu não pode enfrentar a maldade da terra.
Apoderou-se de mim tão grande medo do demónio, que é por vezes um grande pavor. Não tenho tido combates com ele, mas sinto-o em trono, no meu coração; é rei absoluto de todo o meu ser; sou toda demónio, sou toda inferno. Repetidas vezes, sinto cheiro ao queimado; parece-me estar a cama, a roupa e eu toda a arder. Que gemidos tão dolorosos e tão horrorosos tormentos deste inferno! Não posso consentir ser eu inferno e ser demónio. E tudo isto às cegas, em trevas tão profundas; e eu sempre a correr a mergulhar-me nelas, a atirar-me, louca, para elas, como se fosse um poço sem fundo. São dolorosas estas trevas; e tremenda esta cegueira; mas não sei pelo quê, eu quero-as, tenho sede delas; quero-lhes tanto, como se elas fossem feitas só de consolação e amor. Tenho sede e não me sacia de beber nelas e sempre nelas me mergulhar. Como pode ser, meu bom Jesus, querê-las e temê-las; sofrer nelas e amá-las. Bendito sejais por tudo, meu Senhor; sou a Vossa vítima.
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(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 16 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

ATÉ NO CÉU ERA NOITE - Parte II

Minha filha, escola das maravilhas

O dia da Ascensão de Jesus ao Céu foi para mim cheio de noite escura; foi uma morte total de todas as coisas. Até no Céu era noite e reinava a morte. Não pude ansiar pela minha Pátria, nem recordar o que se passava lá. Caminhei para o Horto sempre arrastada pela maldade. O meu coração tornou-se uma bola, um entretenimento dos homens; em tão curta viagem, recebeu todos os maus-tratos. Os caminhos eram ladrilhados de agudos e variados espinhos para o ferirem. Vi ao lado, em visão bem clara, o Calvário, e, no cimo, a cruz. A cruz era a minha, não digo bem, era a de Jesus. Quando assim falo, é dele e só dele, porque é Ele a sofrer em mim, eu só O acompanho. Senti que Ele se queria refugiar, e para uma gruta me refugiei com Ele. O que ali sofreu Jesus! O sangue que Ele soou! O sangue que caiu do Seu Divino Coração duramente espremido, enquanto o cálice da amargura, transbordou fora. Ofereceu-o ao Pai; Este mandou o Anjo, a confortá-Lo. Ela desceu e colocou-se, ao lado de Jesus, como para O levantar. O Calvário com a cruz não desapareceu. O mundo com a sua maldade continuou a agravar os Seus sofrimentos. Depois, o beijo de Jesus e nada mais. Hoje, de manhãzinha, entrei nas ruas do Calvário. Quase no princípio, caiu Jesus, pela primeira vez; caiu sobre a cruz, feriu gravemente o Seu santíssimo rosto e peito. Desfalecida, oprimida por tão grande peso, segui com Ele o caminho do calvário. Caiu, segunda vez, e eu caí também. Senti e ouvi os estalos das pancadas que despedaçavam o Seu santíssimo corpo. Cheguei ao cimo, vi a esponja, que de nada valia para a sede, em que ardia Jesus. No alto da cruz, de todas as feridas dos espinhos saíam raios doirados; formavam um só brilhante. Estes raios, este sol resplendoroso enchiam a terra, mas este levantou sobre eles negras muralhas, para deles se esconder; rejeitou-os. Daqui nasceu o brado e a agonia contínua de Jesus. Sofri com Ele até ao último momento, até que agonizei e deixei o coração mais duro que a dura pedra. Veio, pouco depois Jesus; transformou-o de dureza para luz e bondade.
― Minha filha, escola das maravilhas, de todas as maravilhas de Jesus, rainha do mundo o qual eu quero e é urgente que a esta escola venha todo aprender. És escola de maravilhas, porque em ti há do mais alto e sublime; em ti há tudo o que é do Céu, tudo o que é de Deus. És rainha do mundo, porque to entreguei e confiei para o salvares. Quero que em ti aprenda; e quanto tem que aprender! Em ti aprende a amar, a sofrer, a cumprir em tudo a lei do Senhor; em ti pode admirar as maravilhas, que o mesmo Senhor em ti depositou. Não foi para ti, Minha esposa querida, que assim te fez rica e poderosa; foi para as almas, foi para as almas, foi para as salvar.
― Ó meu Jesus, ó meu Jesus, como eu sou pequenina, como me sinto humilhada, queria desaparecer de diante de Vós. A minha humilhação não é por ouvir-Vos falar assim, porque falei das Vossas coisas, mas sim por me teres escolhido para depositária das Vossas graças, preferindo-me a tantas criaturas. Que vergonha, meu Jesus!
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(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 16 de Maio de 1947 - Sexta-feira)

MUITO OBRIGADA, MÃEZINHA - Parte III

Um bando de Anjos

Jesus continuou:
― Criei-te para esta vida, para a salvação das almas, para a missão mais sublime. Eu encontrei em ti, na mais tenra idade, o que não encontro nas outras criaturas. Digo-te, não para elogio, porque sem Mim nada podes, mas sim para tua força e conforto. Tem coragem! Tu serás para o mundo uma nova arca de Noé. Tu serás para toda a humanidade o sol, que a ilumina. Coragem, Minha redentora, Minha crucificada. O teu amor, o teu sofrimento é a arca de salvação. Confia, confia; são tuas as almas. Vou dar-te com a gota do Meu Divino sangue uma efusão do meu amor, sabes para quê? Para o dares, para o distribuíres; e para que em teus olhares e vida transpareça tudo o que é celestial. Desce o Céu a assistir.
Um bando de Anjos mais vasto que a chuva miudinha desceram, a baterem as asas, cheios de luz. Mais atrás, um bando sem número de pombas brancas. Por último desceu a Mãezinha, coroada de rainha, num grande trono; colocou-se à minha frente; senti como se o meu peito fosse aberto, e a Mãezinha colocou no meu coração as Suas Santíssimas mãos. Do coração divino de Jesus saiu para o meu, fogo, muito fogo; e por último a gotinha de sangue. Com este calor ardente e o sangue de Jesus, o coração dilatou-se, fiquei sem poder respirar. A Mãezinha fazia do coração uma bola que ela acariciava; com estas carícias e beijos, que ela me dava, aguentei o amor de Jesus.
― Minha filha, coragem, coragem ― disse-me Ela.
O peito cerrou e a Mãezinha com os Anjos e o bando das pombas brancas principiou a subir. Ao vê-La partir, disse-lhe:
― Muito obrigada, Mãezinha; levai-me convosco para o Céu.
― Espera, Minha filha, mais um pouco; tem coragem! Depressa virás para a tua Pátria.
― Não demora, não demora o teu Céu, Minha filha ― continuou Jesus, que ficou comigo. Viste o bando das pombas brancas? Foram de almas que estão no Céu já salvas por ti. Diz-Me muitos actos de amor; tens por cada um uma alma. É a troca; vê que vale a pena. Mas olha; quem muito dá muito quer receber. Eu tudo te dou; enriqueço-te, mas quero dor, sempre dor, dor sem igual; é com o amor a moeda das almas. Confia em Mim, estrela do mundo, flor mimosa do Paraíso. Vai para o teu posto, vai para a tua cruz; saboreia tudo o que é dor, que é um sorriso contínuo para o teu Jesus.
Fiquei com tantas saudades da Mãezinha e tantas saudades do Céu e tão grande horror e aborrecimento do mundo!
― Quem poderá aqui viver, meu Jesus, só com a Vossa graça, a Vossa vítima. Tende sempre diante de Vós o meu pobre coração agradecido.
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(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 16 de Maio de 1947 - Sexta-feira)