24 de Abril de 1953 – Sexta-feira
Sinto-me ora de joelhos
implorando, ora correndo, louca pela humanidade, de mãos postas, no mesmo brado
a implorar sempre, a querer não sei quê, mas sinto que quem implora não sou eu,
e este querer meu não é também; parece-me que é o querer de Jesus, que é Ele
que me leva, que me dá impulsos fortíssimos, até impulsos infinitos de pedir a
todas as almas para virem ao Seu divino Coração. Jesus quer, e a Sua ansiedade
divina não me deixa sossegar. Ai de mim! Jesus quer, e eu também quero dar-Lhe
as almas, dar-Lhe o mundo inteiro. Mas não passo além dos desejos, além desta
ansiedade. Que tormento, que angústia para a minha alma. Não sou nada e nada
dou. Sofro tanto, tanto, e a inutilidade tudo me rouba. Jesus e as almas nada
recebem de mim. Sinto a fadiga, o cansaço, como se pudesse correr o mundo
inteiro a cada momento. Tudo isto à conquista das almas. Parece que nada
adianta este meu tormento. É tal a minha pobreza, que empobreço a todos,
rouba-me a mim mesma. Não digo o que se passa em mim, porque não sei. É
indizível tal ignorância, são indizíveis tais sofrimentos. Queria abraçar o mundo,
trazer num molho todas as almas para Jesus e ao mesmo tempo quero fugir delas;
queria esconder-me num ermo, num lugar solitário onde não pudesse ser vista nem
falar a ninguém. Ai o meu calvário, ai o meu calvário! Que pavor ver-me assim
visitada! Jesus me perdoe o grande número das minhas faltas. Nem sempre tenho
paciência nem caridade. A vontade está pronta para abraçar a cruz do Senhor,
mas a natureza é tão fraca! Eu sem a dor não saberia viver, sou louca por ela.
Ou sofrer, ou morrer, meu Jesus! Bem sabeis que não sei sofrer, mas que anseio
toda a perfeição para Vos consolar. Não sei que sinto que não me deixa
sossegar. Parece que tudo vem contra mim. Que revolta, meu Deus, que revolta,
que humilhações que me esmagam. Será algum sofrimento de novo que vai surgir,
ou é mais uma parcela da Vossa cruz? Seja feita a Vossa divina vontade. Jesus,
sou a Vossa vítima.
Ontem a visão do Calvário
levou-me ao Horto. Eu era uma bola a ser esmagada por um e outro. Ali agonizava
e dava a vida. Ali tinha a vida da terra, de todo o pecado, de toda a podridão.
E, como por um canal, estava ligada ao Céu e tinha a mesma vida do Pai. Passei
a noite unida a Jesus nos sacrários, unida a Jesus na prisão. Sofri em silêncio
com Ele. Segui hoje para o Calvário, triste, mais triste que a noite e a morte.
Eu caminhei porque alguém caminhava em mim. Fui arrastada e barbaramente
chicoteada, porque Jesus todos estes sofrimentos sofria. Ele, em tamanho
natural, com a cruz aos ombros, cabia e caminhava dentro do meu peito. Como
sangrava a Sua sacrossanta cabeça! Meu Deus, como caíam a meus pés as Suas
carnes santíssimas retalhadas! E eu, em impulsos raivosos, cega e louca,
esmagava-as aos pés sem dó nem piedade. Jesus ia expirando alagado em suores
frios, ao terminar da montanha. Ai quanto sofreu Jesus com os meus pecados!
Quanto Ele sofreu por nosso amor. Se eu pudesse e soubesse fazer compreender
isto! No alto do Calvário continuo o meu sofrimento, a minha agonia indizível,
acompanhada duma esmagadora humilhação. Acompanhavam-me numerosas pessoas que
sem querer aumentavam o martírio do meu calvário. Se não fosse Jesus, se não
fossem as almas, recusava-me a tudo. Sentia como se o meu coração estivesse
preso por fortes argolas e cadeias a um mundo de rochedo. Estas argolas e
cadeias não eram de ferro, mas sim de amor. Vinham do Coração divino de Jesus.
Ele não podia desligar-se de nós. Que amor, que loucura de amor, que amor
infinito! Ele expirou e eu com Ele. Prolongou-se por bastante tempo este
silêncio mortal. Jesus demorou-se a dar-me novamente a vida. Quando me fez
ressuscitar, falou-me assim:
— Ouvi a voz de
Jesus sumida e quebrantada com o peso dos crimes da pobre humanidade! Jesus
sofre através das suas vítimas. Jesus imola, noite e dia, a vítima deste
calvário. É o amor, só o amor que leva Jesus a esta imolação. Quero salvar o
mundo, quero salvar os filhos meus. Vê, minha filha, repara bem: um mar imenso
de sangue que sai do meu divino Coração!...
— Ó Jesus, ó Jesus,
parece que me afogo. Queria aparar o Vosso Sangue divino. Eu não queria que ele
caísse e não o posso nem sei aparar. Que fazer, meu Jesus? Eu nada posso!
Aceitai o meu pobre coração, pobrezinho como é. Vós tudo podeis. Nada Vos é
impossível. Fazei que este mar de sangue possa ser encerrado todo dentro do
meu. Se assim for, Jesus, e eu for calcada por toda a humanidade, é o meu
coração que sofre e não é pisado o Vosso Sangue divino. Sofrer, Jesus, eu
sempre, eu, mas que o Vosso Sangue divino esteja resguardado, Jesus, para não
ser calcado por pés imundos, por pés criminosos, meu Amor.
— Desapareceu o
Sangue, minha filha; foram os teus desejos, foram as tuas ânsias. Não é calcado
o Sangue que o meu divino Coração derramou. Tudo em ti me consola. Toda a tua
vida me desagrava. Sabes bem, minha filha, já te tenho dito, mostro-me sofredor
para ser por ti consolado. Mostro-me sofredor para ser por ti reparado.
Mostro-me sofredor para te levar mais e mais à compaixão por Mim. Sofre, sofre!
Dá-me a tua dor. É Jesus, é o Mendigo do amor e da dor a pedir-te, a pedir-te
sempre. Sofre, sofre, para aplacar a justiça do meu Pai. Ama-me, ama-me e faz
que eu seja amado. Não duvides, minha filha, não duvides. A tua vida, toda a
tua vida é a cópia mais fiel, mais exacta de Jesus crucificado. A tua missão é
árdua, a mais árdua, mas a mais sublime. As almas, as almas custaram e custam
dor e sangue. Os pecadores não querem converter-se. O mundo corre para um
abismo de perdição. Eu, que tudo vi e vejo, lancei e lanço mãos à obra.
Coragem, coragem! Continua a mesma obra de salvação. Que mar de crimes, que mar
de crimes!... As ondas dos vícios tocam no Céu a desafiar a justiça do meu Pai.
Coragem, escora firme, coragem, farol de luz luminosa. Coragem, florinha
eucarística, coragem na tua missão. Fala de Mim às almas. Diz-lhes as minhas
queixas. Fala de Mim ao mundo, diz-lhe que o quero salvar.
— Ó Jesus, Jesus, eu
não sei dizer nada e nada sei sofrer. Queria ir para o Céu. Jesus, parece-me
que não posso mais. Só a vontade está louca por mais e mais sofrer, mas a minha
pobre natureza sente-se sucumbida. As humilhações esmagam-me. Só vejo em mim
miséria e sou a causa de tantas misérias. Se Vós ao menos, meu Jesus, me
repreendêsseis na Vossa sabedoria, esclarecêsseis as minhas faltas, não sentia
tanto a humilhação.
— Confia, minha
filha, tudo é por Mim, é para Mim. Jesus não mente, Jesus não mente. Não posso
dizer aquilo que tu não fazes. As tuas faltas são próprias dos justos, dos meus
eleitos. O teu céu está perto. Conservo-te neste calvário só por amor à
humanidade. Anseias por Mim: Eu anseio por ti. O Céu está perto. Vem receber a
gota do meu divino Sangue. Uniram-se os nossos corações e a gotinha do Sangue
passou. Levou a vida necessária ao teu corpo e à tua alma. Nova vida para mais
e mais sofreres, para mais e mais amares. Vai em paz! Fica na cruz! Dá a minha
paz! Distribui o meu amor, distribui as minhas graças. Felizes, ditosos os que
as recebem!
— Jesus, agora não
queria deixar-Vos. Tenho mais força e tenho mais luz. Obedeço, mas antes disso
lembro-Vos como sempre todos os que me são queridos, com as minhas primeiras
intenções, todas as minhas intenções, com a humanidade inteira. Salvai a todos,
meu Jesus! Perdoai a todos!
— Vai em paz! Vai em
paz! Vai em paz e confia!
— Obrigada, Jesus,
obrigada, Jesus. O meu eterno obrigada!