sexta-feira, fevereiro 27, 2009

MEU BOM PAI ESPIRITUAL

Carta ao Padre Mariano Pino, SJ

« Viva Jesus !
Balasar, 7 de Abril de 1934
Meu bom
pai espiritual :
Agradeço do íntimo da minha alma mais uma cartinha que me enviou e um lindo santinho e umas estampazinhas, assim como tudo que fez por mim no dia dos meus anos. Queria-lhe agradecer por minhas mãos. Com grande sacrifício o faço, escrevendo estas poucas linhas ; com certeza serão as últimas. Peço desculpa ; não posso mais. A Deolinda lhe dirá o resto.
Senhor Padre Pinho, o meu sofrimento tem aumentado muito, mas muito. É por essa razão que eu digo que serão as últimas linhas que lhe escrevo. Está-me quase a ser impossível segurar a pena no mão por alguns minutos. São tantas, tantas as dores, que me fazem sentir essa impressão. Mas no meio de todos os meus sofrimentos, eu sinto grande
consolação espiritual, porque vejo que de todos os pedidos que faço a Nosso Senhor conheço que neste sou bem atendida. Oxalá o meu querido Jesus se digne conceder-me todos os mais que Lhe peço e que O não ofenda pedindo-lhe graças tão grandes, sendo eu a maior de todas as pecadoras.
Senhor Padre Pinho, estimo que tenha passado umas festas da Páscoa muito alegres, mais do que foram as minhas. O que tive que mais me consolou foi um bom folar com que o meu Jesus me presenteou nesse dia com uma oferta de grandes sofrimentos. Tudo o mais se me apresentava triste, porque além dos sofrimentos do corpo, tenho também sofrido muito espiritualmente. Essa doença da alma só me será curada se Nosso Senhor me conceder a graça de o tornar a ver ao pé de mim, porque então desabafarei à minha vontade.
Senhor Padre Pinho, sabe uma coisa que me tem esquecido de lhe falar ? É que todos os dias tenho ouvido Missa de Vossa Reverência aí em Lisboa. Desde que me mandou dizer, me tenho unido em espírito, e peço a Nosso Senhor que me faça participar dos frutos da Santa Missa. Nem a Quinta-feira Santa me escapou ; estavam para dar oito horas, quando me recordei que não havia Missa nesse dia.
Agora peço-lhe que me perdoe todas as minhas faltas, e que por caridade não me esqueça junto de Nosso Senhor, que muito preciso das orações de Vossa Reverência, que eu da minha parte nunca o poderei esquecer nem na terra nem no Céu.
Muitas lembranças de minha mãe e da Deolinda.
Peço-lhe, por amor de Nosso Senhor, que me abençoe.
Sou a pobre
Alexandrina Maria da Costa »

* * * * *
O começo desta carta é original : é a primeira ver que ela chama “meu bom Pai espiritual” ao Padre Mariano Pinho, o que está mais em harmonia com a conivência entre estas duas almas de elite do que aquele pomposo “Reverendíssimo Senhor Doutor”, que encontrámos em duas das cartas.
Alexandrina tendo recebido uma carta do seu “bom Pai espiritual”, começa por agradecer esta “e um lindo santinho e umas estampazinhas” que este lhe enviara, como muitas vezes o fez e fará ainda.
Como Alexandrina, também o bom sacerdote não esqueceu o aniversario da sua dirigida ― 30 de Março ― e por ela deve ter orada e certamente celebrado uma missa, porque na carta que hoje escreve ela agradece igualmente por “tudo que fez por mim no dia dos meus anos”. Em forma de agradecimento, ela escreve, ela mesma, as primeiras linhas desta carta, como a seguir explica :
“Queria-lhe agradecer por minhas mãos. Com grande sacrifício o faço, escrevendo estas poucas linhas ; com certeza serão as últimas”.
Mas escrever tornou-se para ela um suplício indizível... “Peço desculpa ; não posso mais. A Deolinda lhe dirá o resto”, acrescenta ela, deixando depois a irmã escrever o resto, que lhe vai ditar.
E começa por lhe dar notícias da sua saúde que é precária :
“Senhor Padre Pinho, o meu sofrimento tem aumentado muito, mas muito. É por essa razão que eu digo que serão as últimas linhas que lhe escrevo. Está-me quase a ser impossível segurar a pena no mão por alguns minutos”.
Apesar desta impossibilidade de “segurar a pena no mão por alguns minutos”, porque “são tantas, tantas as dores, que me fazem sentir essa impressão”, ela escreverá, por intermédio da sua “secretária” centenas, milhares de páginas de grande beleza espiritual : são mais de cinco mil !...
Mas a submissão ― diríamos automática ― à vontade divina, supera todos esses males, todos esses problemas que continuamente “povoam” a vida da Alexandrina.
“Mas no meio de todos os meus sofrimentos ― diz ela humildemente ―, eu sinto grande consolação espiritual, porque vejo que de todos os pedidos que faço a Nosso Senhor conheço que neste sou bem atendida”.
Não esqueçamos o que ela escreveu na sua Autobiografia : “Vinha, desde há muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento”, e porque o pediu, e porque Jesus lho concedeu, sente neste “grande consolação espiritual”.
Na mesma Autobiografia, ela diz ainda : “Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo”, explicação que melhor nos ajudará a compreender o que nesta carta diz a seguir : “Oxalá o meu querido Jesus se digne conceder-me todos os mais que Lhe peço e que O não ofenda pedindo-lhe graças tão grandes, sendo eu a maior de todas as pecadoras”.
Passara a Semana Santa e as festas de Páscoa. A solicitude da Alexandrina para com o seu “bom Pai espiritual” não diminui, mesmo se a distância entre eles aumentou e, esta “obriga-a” a querer saber notícias, saber como passou justamente aquela festa da Ressurreição do Senhor :
“Senhor Padre Pinho, estimo que tenha passado umas festas da Páscoa muito alegres”.
No que lhe diz respeito, elas foram como sempre são os outros dias : sofrimento contínuo, o que a leva a dizer ao seu Director e a desejar-lhe que as dele fossem “mais felizes do que foram as minhas”.
E, como na Páscoa era hábito oferecer o folar, ela emprega essa expressão para explicar como a Páscoa dela se passou : “O que tive que mais me consolou foi um bom folar com que o meu Jesus me presenteou nesse dia com uma oferta de grandes sofrimentos”.
Mas ela não se queixa, apenas explica como se sente, para que o seu Paizinho esteja ao corrente : “Tudo o mais se me apresentava triste, porque além dos sofrimentos do corpo, tenho também sofrido muito espiritualmente”.
Sofrer espiritualmente e não tendo a quem se confiar, com quem desabafar ou de quem receber conselhos, não é tarefa fácil, mesmo se o correio pode levar certas notícias ao longe, certas coisas há que não podem ser explicadas por carta, mesmo se aquele ou aquela que escreve é culta e tem a arte de desenvolver e detalhar os assuntos que deseja tratar.
A Alexandrina, assim como sua irmã Deolinda, nada mais tinham, do ponto de vista escolar, que os rudimentos da língua, as primeiras bases da instrução primária, o que pode em parte explicar esta dificuldade, mas ela não explica tudo, visto que, como dizíamos acima, certas coisas há que só de viva voz podem ser bem explicadas e detalhadas.
Disso quer a Alexandrina falar quando diz ao seu Director espiritual que “essa doença da alma só me será curada se Nosso Senhor me conceder a graça de o tornar a ver ao pé de mim, porque então desabafarei à minha vontade”.
Mas a vinda do homem de Deus a Balasar só está programada “para o verão”...
Alexandrina lembra-se então de algo que ainda não dissera ao Padre Pinho, mas o que lhe vai dizer tem qualquer coisa de vago, que não conseguiremos bem explicar, certamente. Vejamos o que ela diz :
“Senhor Padre Pinho, sabe uma coisa que me tem esquecido de lhe falar ? É que todos os dias tenho ouvido Missa de Vossa Reverência aí em Lisboa”.
Poderíamos pensar que através da rádio ouvisse a missa celebrada pelo seu “bom Pai espiritual”, mas parece que não, porque logo a seguir diz ainda :
“Desde que me mandou dizer, me tenho unido em espírito, e peço a Nosso Senhor que me faça participar dos frutos da Santa Missa”.
Perguntamos agora, como tem ela “todos os dias tenho ouvido Missa de Vossa Reverência aí em Lisboa”, se logo a seguir afirma que se tem “unido em espírito”. Ainda que não parece incompatível ouvir a Missa e unir-se em espírito a esta, ficamos mesmo assim com esta dúvida, porque em 1934, a rádio não estava, em Portugal, tão desenvolvida que permitisse, como agora, transmissões directas...
Outra hipótese ainda nos surge ― e sabendo dos carismas de que beneficiou a Alexandrina, nada nos admiraria que assim pudesse ser ― ela assistia a essa Missa como se nesse momento estivesse em estado de bilocação[1], o que também lhe aconteceu algumas vezes.
Frisamos bem que aqui se trata de uma hipótese e não duma afirmação !...
Esta outra frase da mesma carta, poderia quase dar razão ao que acabamos de dizer e de expor como sendo uma hipótese de interpretação do texto :
“Nem a Quinta-feira Santa me escapou ; estavam para dar oito horas, quando me recordei que não havia Missa nesse dia”.
Vai despedir-se agora do seu “bom Pai espiritual” e pedir-lhe, como sempre “que lhe perdoe todas as suas faltas, e que por caridade não a esqueça junto de Nosso Senhor, que muito precisa das orações de Sua Reverência”.
Como sempre também, assegura o seu Director “que ela da sua parte nunca o poderá esquecer nem na terra nem no Céu”.
Seguem, como sempre também as civilidades habituais e o habitual também pedido de benção, e assina...
“Muitas lembranças de minha mãe e da Deolinda.
Peço-lhe, por amor de Nosso Senhor, que me abençoe.
Sou a pobre
Alexandrina Maria da Costa”
Simples carta, mas grande em profundidade espiritual !
—*—
[1] A bilocação é o estado de um corpo que pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. A bilocação foi frequente na vida de alguns Santos, como por exemplo S. Pio de Pietrelcina (Padre Pio) que nunca saindo do seu convento de San Giovanni Rotondo em Itália, chegou a estar no Brasil para salvar alguém que se encontrava em grande perigo de perder a vida e de se perder eternamente. O mesmo Santo capuchinho impediu igualmente um general italiano de se suicidar durante a Segunda Guerra Mundial, aparecendo-lhe na frente quando este se preparava par utilizar a pistola para essa acto irreparável. Poderíamos multiplicar estes exemplos, porque são numerosos na vida de muitos Santos.

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