domingo, janeiro 29, 2012

OFEREÇO A JESUS O MEU SACRIFICIO

Fugir dos colóquios…

Continuo a sentir na minha alma e mais forte ainda uma grande traição, negra, cruel traição.
– Serão, meu Jesus, ciladas armadas para mim, ou será a traição que para Vós foi preparada e por amor dos filhos Vossos Vós tudo sofreste? Ó meu Deus, valei-me, tende dó de mim; mal posso respirar com a minha dor. Será por hoje ser quinta-feira?
Será a traição que traz a morte. Sinto o martírio que me espera, sinto que o brado dos que se compadecem da minha dor é abafado pela multidão contrária e revoltosa contra mim.
– Eis aqui a escrava do Senhor. Sim, Jesus, sou a Vossa escrava. Se eu pudesse passar de hoje para amanhã no inferno, não para fugir à dor, mas sim aos colóquios que tenho convosco… Perdoai-me, por quem sois, ó Jesus. Perdoai-me pelas dores da querida Mãezinha. Tenho tanto medo desta vida, vida que sinto não ser minha. Passa o tempo, vem a eternidade e eu sem dar um passo para o céu, sem aumentar no Vosso divino amor. Jesus, Jesus, o dia não raiou, mergulhei-me nas trevas para sempre, para sempre. Vem um espinho, vem outro espinho, eu tudo aceito, tudo sofro com o fim de Vos consolar e dar almas e sou sempre a mesma; sempre a mesma frieza, sempre a mesma miséria, sempre a mesma morte.
É dor que destrói o coração. Eu, sem dar a conhecer o que sinto, ofereço a Jesus o meu sacrifício e vou murmurando sozinha:
– Comprai com ele, Jesus, comprai com ele as almas. Poderá esta minha dor servir de utilidade para elas? Vede, Jesus, é dor que só o Vosso divino amor pode vencer. Ai, meu Jesus, tenho tanta vergonha de Vós! É tão grande a minha miséria! Quero viver na Vossa divina presença e não posso, tenho vergonha, tenho medo, medo das criaturas que me são mais queridas, a quem mais amo. Tenho medo de todas e de todas vivo separada.
É a guerra do demónio. Ó tormento, tormento aterrador. Que raiva infernal. Se lhe fosse possível tirar-me a vida, quantas ele já me tinha tirado, se eu mais do que uma possuísse. Depois de principiar com as suas manhas, diz-me:
– Queres escrever e não tens quê. Fazes isto quando queres e dizes que sou eu para teres que escrever. Mil demónios num só pecam contigo. Dá-te a mim como te deste a Deus, beija-me com amor como beijas o crucifixo. Olha que eu não te faço como Ele, não te dou que sofrer. Olha que Deus não tem céu para te dar. Goza, goza comigo, goza os prazeres do mundo.
E não me deixa bradar ao céu. Mete-se entre mim e Jesus, para Ele não me ouvir, e dança à minha frente. Dá-me as suas ordens criminosas e, quando não cedo prontamente, enraivece-se e sinto como se ele estrancinhasse e patanhasse toda. O meu corpo parece ficar todo esmigalhado por ele. São só os efeitos, porque ele não se aproxima de mim a ponto de me tocar. As palpitações do coração não dão vez umas às outras, as pancadas fazem grande barulho. Depois das lutas, umas vezes sinto que passa uma aragem que me levanta e põe na minha posição. Nesta noite não foi assim; estava caída ao lado das almofadas e sem poder levantar-me nem ao menos mover-me para nada, já não podia mais estar naquela posição. Muito triste, só repetia:
– Valei-me, valei-me, Jesus.
Senti-O a meu lado.
– Minha filha, esposa querida, amor do Amor, esposa que conhece nem quer outro amor, outro amado. O meu sopro divino basta para levantar-te às alturas, transportar-te ao teu lugar.
Senti o sopro de Jesus e, no mesmo instante, estava nas minhas almofadas. Continuou Jesus:
– Diz, minha filha, o que queres de mim?
Respondi:
– O Vosso amor.
– Que queres que eu faça?
– A Vossa divina vontade.
Jesus estreitou-me ao seu Divino Coração docemente e acrescentou:
– A minha vontade é que tenhas coragem nos sofrimentos que te peço, é que me desagraves assim desta forma. Repara, repara, minha virgem pura, minha virgem louca de amor por mim.
Pouco depois, adormeci num leve sono e ligeiro. Vi S. José, vi a Mãezinha com uma criancinha ao colo agarrada ao seu pescoço santíssimo. Ela sorria alegremente para mim. Por detrás dela e acima um bocadinho estava um quadro riquíssimo cheio de luz. Continha duas pessoas no meio e em cima uma pomba branca. Aos lados, umas cabecinhas pareciam-me anjos. Com esta visão não me parecia viver na terra. O que será a vida do céu sempre, sempre a ver a Deus!
(Sentimentos da alma, 11 de Janeiro de 1945)

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