Na última conferência prometi falar-vos do Dr. Henrique Gomes de Araújo,
Director do Refúgio da Paralisia Infantil da Foz do Douro, sob a
responsabilidade do qual a Alexandrina esteve internada durante 40 dias e 40
noites.
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O Dr. Henrique Gomes de Araújo |
Para melhor compreendermos o porquê deste isolamento, é necessário lembrar
que o Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, médico assistente da Alexandrina,
queria provar, tanto às entidades eclesiásticas da diocese de Braga, como aos
especialistas em medicina, que o caso da sua paciente não era um caso clínico
ordinário, bem pelo contrário, um caso muito particular sobre os dois pontos de
vista que ele visou: a doença e a espiritualidade.
Como já foi dito, o Dr. Azevedo, antes de ser médico, frequentou o Seminário
de Braga onde obteve com sucesso o seu diploma em teologia, o que muito o
ajudou, especialmente no caso da Alexandrina: saber separar o que era físico do
que era espiritual.
Para estes dois estados da Alexandrina, e de acordo com o Arcebispo de
Braga e outros médicos seus conhecidos, pensou que a melhor maneira de resolver
o problema seria de internar a sua paciente num hospital especializado: para
isso escolheu o Dr. Gomas de Araújo, mas antes de tomar a decisão, confiou à
Alexandrina a sua intenção. Ela escreveu na sua Autobiografia:
«Fui prevenida pelo Sr. Dr. Dias
de Azevedo que seria melhor voltar ao Porto, consultar o Sr. Dr. Gomes de
Araújo, se fosse essa a vontade de Nosso Senhor. Pediu-me que pedisse luz
divina sobre o caso, porque em nada queria contrariar Nosso Senhor.»
A resposta do Senhor veio um mês depois, na sequência de muitas orações,
como ela explica:
«Pedi durante um mês. Mas, quanta
mais luz pedia, mais em trevas ficava, tornando-se assim a dor da minha alma
cada vez mais profunda, não sabendo o que havia de fazer, até que Nosso Senhor
me disse que era da Sua divina vontade que fosse ao Porto.»
E assim aconteceu. No dia marcado, saiu de casa em automaca e pelo caminho
parou na Trofa, onde algo de extraordinário aconteceu: Ela que não podia
mover-se, passeou pelo jardim da família Sampaio, seus amigos, onde a automaca
parou. Este facto foi presenciado e testemunhado pelos que a acompanhavam, mas
também pelo pároco da Trofa que ali se encontrava.
A viagem foi torturante para a jovem doente, porque as estradas não sendo o
que hoje são, a Alexandrina sofreu muito com os balanços causados pelo mau
estado dos caminhos percorridos, como ela mesma o diz:
«A ida de carro para o
consultório foi o que há de mais doloroso. No corpo, sentia o maior martírio, e
na alma a maior agonia, parecendo que morria.»
Mas chegou enfim à Foz do Douro onde foi recebida pelo Dr. Gomes de Araújo
e algumas enfermeiras.
Ali foi instalada, sozinha, num quarto cujo acesso era estritamente
reservado ao Médico e à enfermeira designada para se ocupar dela e vigiar os
mínimos feitos e gestos da doente.
É bom saber que o Dr. Gomes de Araújo era ateu, mas respeitoso para com os
seus doentes, quaisquer que fossem as crenças destes.
Para com a Alexandrina assim foi, salvo que ele ter-se-á fixado uma meta
que para ele era importante: destabilizar a Doente e provar que o que nela se
passava nada mais era do que uma simples ilusão.
O diálogo que se instalará entre eles, em diversas ocasiões, parece
simplesmente sobrerrealista.
Uma das primeiras setas atiradas pelo médico foi esta:
— «Menina, não pense que vem aqui
para jejuar!»
A Alexandrina compreendeu onde ele queria chegar e sentiu-se profundamente
ferida.
Durante quatro ou cinco dias a Alexandrina sofreu crises, o que levou o
médico a querer medicá-la, mas logo o Dr. Azevedo interveio. A sua Doente devia
ser observada simplesmente e não medicada. Não quis dizer ao colega que Jesus
tinha pedido que ela nunca tomasse qualquer medicamento, porque o médico e o
medicamento dela era Ele mesmo.
Passados os cinco dias, tudo voltou ao normal ao ponto que a “vigia” se
sentiu como que obrigada a dizer ao Dr. Azevedo quando este veio visitar a sua
doente:
— «Veja, Senhor Doutor! Olhe essa cara!»
O médico assistente que tinha muito humor respondeu, sorrindo:
— «Foi com os bifes que comeu e com as injecções que levou.»
A enfermeira não insistiu.
Num desses dias de internamento o Dr. Araújo parecia ter recebido a
inspiração de Satanás. Ouçamo-lo:
«Convença-se, a menina — dizia
ele — que Deus não quer que sofra. Se quer salvar os outros, que os salve Ele,
se é verdade que tem poder para isso! Se é verdade que Deus recompensa aqueles
que sofrem, para si já não tem recompensa para lhe dar, pelo que tem sofrido».
Na sua simplicidade habitual a Alexandrina retorquiu:
«São tão grandes, tão grandes as
coisas de Nosso Senhor, e nós somos tão pequeninos, tão pequeninos, ao menos
eu!»
O Dr. Araújo ficou surpreendido e depois, indignado, disse:
«Tem razão; mas eu sou pessoa
maior um bocado!» – e saiu.
A Alexandrina tinha uma grande devoção pela agora Santa Jacinta Marto e, no
auge do sofrimento recorreu a ela:
«Querida Jacinta, tu, tão
pequenina, soubeste o que isto custa! Ajuda-me, lá do Céu onde estás.»
O grande médico não desarma, como contra a Alexandrina:
«Um dia, sentado ao meu lado direito, procurou todos os meios
para convencer-me de que tudo isto que se passava eram ilusões minhas…»
A inocente vítima, inspirada por Deus, que também não desarma, ao ouvir o
médico dizer que tudo aquilo iria cair por terra, disse-lhe:
«Não cai, Senhor Doutor. Tenho à
minha frente um Director muito santo e muito sábio e estudou o caso por alguns
anos. E, se a obra é de Deus, não há nada que a deite por terra».
O Doutor saiu irritado.
Depois de diversas outras peripécias, chegou o dia da partida. Mas o caso
da Alexandrina já tinha “saído” do Refúgio e na véspera, muitas pessoas — cerca
de 1500 — vieram visitar a Doentinha de Balasar, o que obrigou a polícia a
intervir para canalizar todas aquelas pessoas.
Quanto ao Dr. Gomes de Araújo, ele tivera tempo de reflectir e, ao
despedir-se das duas irmãs, disse-lhes:
«No mês do Outubro terão lá, em
Balasar, a minha visita, não como médico espião, mas como amigo que as estima.»
E foi a Balasar, como prometera… a sua conversão estava começada…
É dever de justiça dizer aqui que o documento elaborado pelo Dr. Henrique
Gomes de Araújo, foi certamente aquele que mais contribuiu, 59 anos mais tarde
à beatificação da Alexandrina Maria da Costa, em 25 de Abril de 2004.
Afonso Rocha
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