sexta-feira, abril 23, 2021

CRAVADA NA CRUZ CONVOSCO

Balasar, 19 de Fevereiro de 1942

Meu bom Jesus :

Sinto o meu coração retalhado pela dor. Terei ainda mais golpes para ferir-me? Faça-se a vossa vontade. Cravada na cruz convosco, escorrendo sangue e na maior agonia, vejo-me e sinto-me de todos abandonada. Não posso viver no mundo, tenho medo. Jesus vinde depressa, vinde, levai-me para o Céu. Os homens tentam desviar de mim, arrancaram-me para sempre aquilo que me servia de alívio, que podia dar-me conforto. Tiraram-me o meu pai espiritual, proíbem-no de me escrever a mim e de eu lhe escrever a ele. Permiti-me Vós, ao menos, meu Amado, desabafar convosco. Estou sozinha no meio da tempestade e ela não serena. Abro-vos o meu pobre coração, só vós sabeis ler o que nele está escrito com dor e sangue, só vós compreendeis e podeis avaliar o meu sofrer. O mundo desconhece-o, os homens nada compreendem. Deixai-me dizer a Vós o que Vós dissestes ao vosso Eterno Pai: Perdoai-lhes, meu Jesus, porque eles não sabem o que fazem, estão ceguinhos, falta-lhes a vossa luz divina: iluminai-os a todos e a todos dai o vosso amor. O Jesus, todos os meus pressentimentos me tem saído certos. Poderão eles ainda proibirem que vos receba sacramentalmente? Ai de mim, seria como o golpe que me tiraria a vida se vós com o vosso divino poder me não conservásseis. Digam o que disserem, façam eles o que fizerem, o que nunca conseguirão é tirar-me desta união íntima com vós. Roubarem-me Jesus Sacramentado, sim, não duvido que o façam; tirarem-me do meu coração o tesouro riquíssimo que eu adoro, que eu amo acima de todas as coisas, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, nunca, nunca os homens o conseguirão: teriam para isso fazer-me viver sem coração e sem alma. Impossível! Venha a força do mundo inteiro, seja ela toda contra mim: separar-me desta grandeza infinita, deste amor infindo, nunca, só o pecado, só esse me pode separar. Mas eu confio plenamente em vós, é de vós, meu Jesus, que eu tudo espero, embora que o sentir da minha alma me chegue quase a persuadir que me engano a mim mesma. Sinto que não vos amo, sinto que nada de vós posso esperar por tão grande ser a minha miséria. Que confusão a minha! Que grande é o meu desfalecimento! Levantai-me, meu Jesus, ajudai-me, assim pregada na cruz, a subir todo o caminho doloroso do calvário. Em cada degrau que passo quero deixar escrito com o sangue que das minhas feridas corre: Jesus, Jesus, não vejo o Céu, retirou-se de mim todo aquele azul do firmamento, perdi, roubaram-me tudo o que era vida. Só sinto dor, só sinto e vejo a morte. Não tenho a quem recorrer: só por vós e pela Mãezinha posso chamar. Pobre de mim! Quantas vezes com a minha dor não me atrevo a olhar-vos! Ouvi-me sempre, mesmo que eu não vos chame; dizei à Mãezinha que me ampare, dai-me toda a força do Céu. Todos os ruídos que oiço recordo o meu Paizinho espiritual. Será ele que vem? Que vida de ilusão. Cada pensamento que me vem à ideia deste tão duro penar são setas que se espetam no meu coração, são açoites que me despedaçam o corpo e a alma. Que mal fiz eu, que crime pratiquei? Ó meu Jesus, se não fosse por vosso amor, se não fosse o desejo ardentíssimo de vos dar as almas, recusava-me a tudo. Queria amar-vos muito, nunca ofender-vos para ganhar o Céu, mas não queria a crucifixão, não queria ouvir na terra a vossa doce e meiga voz, não queria ver a vossa Divina Imagem nem dolorosa nem gloriosa; tinha uma eternidade inteira para contemplar-vos e para ouvir-vos falar. Perdoai-me os meus desabafos, Jesus, bem vêdes que só convosco posso desabafar. Já que me escolhestes para a dor, ja que me destinastes para tão grandes martírios, eis a tua vítima, eis a tua escrava, Jesus; fazei de mim o que quiserdes, a tua benção, meu Amado. Diz à Mãezinha que me abençoe e proteja. Sou tua mais indigna filhinha, pobre Alexandrina.

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