sexta-feira, abril 30, 2021

FILHINHA, ESTOU A DELICIAR-ME NA TUA DOR

— Ó meu Jesus, é bem doce sofrer por Vós


Como hei-de caminhar! Como hei-de vencer tão grande dor! Como hei-de suportar tão aterradoras trevas! Só Jesus poderá valer-me, só Ele pode aguentar o peso da minha cruz. Passo horas e horas num brado de socorro. Apavorada de horrores e trevas e sem conseguir um momento de conforto e a sentir a alma rasgar-se, despedaçar-se em dor. De longe a longe, Jesus vai dando à minha alma um pouquinho de suavidade, dizendo-me do íntimo do coração:

— Coragem, filhinha, cá estou eu a deliciar-me na tua dor. O teu Jesus não te falta com a sua graça e o seu conforto.

— Ó meu Jesus, é bem doce sofrer por Vós; é bem doce o Vosso conforto, mas tudo desaparece nas trevas, tudo passa como se não fosse para mim. Parece-me que Vós existis só para me condenares e não para me salvares. Não há para mim mimos do céu nem da terra; para mim tudo morreu, tudo desapareceu na negra escuridão da noite. É sempre noite, em todo o mundo noite. Sinto todo o mundo a tremer apavorado; lá se vai ele a mergulhar no abismo da perdição. Eu quero acudir-lhe, quero salvá-lo e não posso. Sinto a sua perda, mas não o vejo para o agarrar, não vejo as almas, não vejo as prisões, as trevas não me deixam. Meu Deus, perdi a luz, perdi a vida. Pobre do meu coração em dor e em ânsias: dor por Jesus ser ofendido, dor por as almas se perderem; ânsias de amar a Jesus, ânsias de O ver amado, ânsias de salvar as almas. Que fogo consumidor! Sinto o estalar do rochedo por onde o fogo vai penetrando. Mas ah! é impossível estas chamas incendiarem tudo. E eu só enrolada, mergulhada sempre na negrura mais aterradora. Quando mais não posso, levanto os olhos ao céu e digo:

— Meu Jesus, sei, acredito, confio que estais em mim e sabeis que só a Vós quero amar e não Vos quero ofender.

E, descendo para baixo, imagino ver toda a humanidade e digo-lhe:

— Ó mundo, quero salvar-te, por ti, pela tua entrega a Jesus, quero sofrer tudo.

Dito isto, fico de braços caídos, como se no meu corpo não existisse gota de sangue. Nada feito, do mundo nada consigo. A minha prece não chegou ao céu, Jesus não a ouviu. Mas ah! tenho aqui um coração que palpita por Ele e Ele bem o sabe. Confio, confio; é Jesus e a Mãezinha que vão vencer as minhas trevas. São Eles que vivem, são Eles que sofrem em mim. Os ceguinhos que não têm olhos no corpo também se salvam. Eu perdi a luz da minha alma, maior será a compaixão de Jesus. Hei-de salvar-me e com Jesus hei-de salvar muitas almas. O demónio rodeou-me tanto durante a noite! Não foi um, foram muitos. Assustava-me tanto pelas formas com que se apresentavam! Um deles tinha uma tão grande e tão feia, quase me tocava com ela. O meu corpo ficou como se fosse uma casa com janelas por todos os lados; estas todas fechadas, mas todas rodeadas por eles. São como feras que querem lançar-se à presa, são ladrões que querem assaltar a casa, assassinos que querem matar quem nela habita. Que olhares tão maliciosos! Que gestos de tanta maldade!

— Não pecarei eu, meu Jesus? Tirais disto alguma consolação para Vós, algum proveito para as almas? Sou a Vossa vítima, guardai para Vós o meu coração, o meu corpo e a minha alma. Tende dó de mim, meu Jesus.

Parece-me que em nada falei verdade. (Sentimentos da alma: 30 de Abril de 1945)


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