Tenho medo de mim mesma!
Existirá alegria no mundo? Em algum dia da minha vida, por acaso conheceria eu o que era alegria? Se alguma vez a experimentei, morreu para mim de tal forma como se nunca a conhecesse. O pensamento de aceitar e cumprir do coração e da alma a vontade de Jesus dá-me um pouco de alento. Mas logo este pensamento me aflige: estou eu a cumprir a vontade do Senhor? E daqui grandes agonias e tristezas para a minha alma. Estou esmagada entre o céu e a terra, toda transformada e embebida em trevas. Tremendo horror, meu Jesus! Tenho medo de mim mesma.
— Jesus, bem
vedes o que o meu coração quer. Só por Vós e aceito a cruz.
Que alívio para a
minha alma, que conforto para o meu coração, se eu pudesse dizer a minha dor,
não para que saibam quanto sofro e vejam as ânsias do meu coração, mas para
glória do meu Deus e bem de toda a humanidade. Não sou eu quem sofre, não sou
eu quem resiste à dor, mas sim Jesus, só Jesus, que sofre pelos filhos Seus.
Para mim era impossível suportar tão grande martírio. E o demónio aumenta-mo.
Que fúria a sua, que maldade sem igual! Que tristeza não poder fazer que todas
as almas a conheçam, para não se deixarem guiar por ele. Dizia-me hoje num
penoso combate, quando eu clamava pelo meu Jesus.
— Não
pronuncies esse nome, somos inimigos odiosos. Ele odeia-me a mim e eu a Ele.
Diz comigo que O odeias e que O não queres. Comigo tens o gozo e o prazer nesta
vida e uma eternidade feliz. Com Ele sofres aqui e lá. Estou a pecar contigo,
levo-te ao prazer para O ofenderes gravemente. Diz comigo que queres pecar, que
queres ofendê-Lo.
Como eu, sempre
que podia, chamava por Jesus e Lhe renovava a oferta de vítima e Lhe dizia não
querer pecar, ele, enraivecido, insultava-me, tentava escarrar-me até dentro da
boca e procurava novos meios maliciosos. Que tristeza, meu Deus, que aflição a
minha! Ao terminar da luta, o meu coração parecia rebentar, o meu corpo estava
banhado em suor, e os meus olhos tentavam desfazer-se em copiosas lágrimas.
Triste e mais do que envergonhada, fitei Jesus na cruz sem poder dizer palavra.
Ele veio a confortar a minha alma.
— Não
pecaste, não, minha filha, pomba branca, arminho puro. A tua pureza não se
manchou nem manchará. A tua alma é bela, é encantadora. Criei-te para mim com
encantos atraentes. Dá-me toda esta reparação. Não chores com o receio de me
teres ofendido, porque não pecaste. Oferece-me as tuas lágrimas por aqueles que
me ofendem. Os desejos de pecar, as ânsias insaciáveis do prazer não são teus,
é a reparação daqueles que, depois do gozo, do gozo passageiro, enganador e
traiçoeiro, querem novo gozo, nova satisfação, atraiçoando assim o meu Coração
divino. Coragem! Estou satisfeito com o teu amor e com tudo o que me dás.
— Ai, meu
Jesus, se eu pudesse convencer-me sempre que não Vos tinha ofendido! Mas
depressa caio nas minhas dúvidas. Tende dó de mim.
— Vive em
paz, filhinha amada, pois estou contigo mesmo nas tuas trevas.
— Obrigada,
meu Jesus.
Ai de mim! Perdi amigos, perdi Jesus, não posso mais encontrá-Lo nesta escuridão. Perdi a vida, perdi tudo, tudo. A morte rodeia-me, avizinha-se de mim; traz consigo os maiores horrores, a maior escuridão. E eu sem conforto do céu e da terra. Os que me são queridos, por mais que se esforcem, não me dão um momento de alegria. As mais pequeninas coisas abismam-se cada vez mais na profundeza da minha dor. Perdi o meu Jesus, ou sinto que O perdi e não O queria perder. Queria possuí-Lo, mas sem colóquios com Ele. Triste noite da quinta-feira! Oh! como Jesus me associa às Suas dores, à Sua paixão divina! Sinto ânsias de atravessar por cima de todos os espinhos, de ir ao encontro da cruz, abraçá-la e com ela seguir para a morte. Sobre o meu peito sinto o discípulo querido, sinto o seu sono de paz, a tranquilidade do seu coração e da sua alma, e sobre ele o amor terno de Jesus. Sinto em mim a braseira e os que a ela se aqueciam. Sinto, retirado um pouco, que está alguém aterrado e tímido, mas vai-se aproximando e vai negar Jesus. Sinto as suas lágrimas de arrependimento. Sinto o cantar do galo e o abrir do bico em meu coração. Sinto sobretudo a dor infinita de Jesus e o Seu amor e mansidão para com todos. Quanta amargura, quantas mágoas em Seu Coração, naquele Cordeirinho inocente! Não posso ir ao fim da dor de Jesus, não resisto a mais. Sentimentos da alma: 26 de Abril de 1945).
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