26 de Março de 1954 – Sexta-feira
A minha eternidade, a minha eternidade, uma eternidade sem Deus, uma eternidade sem a Mãezinha. Que saudades, que pena desta perda.
– Jesus, não vos perdi! Mãezinha, não Vos perdi! Creio, creio, creio sempre que hei-de ser Vossa no tempo e na eternidade.
Tenho de repetir isto muitas vezes, mas custa-me imenso a repetir. Eu que odeio tanto a mentira parece-me mentir a mim mesma, mentir ao mundo, mentir a Deus constantemente. Sinto que perdi a minha união com Deus. Gostava tanto de viver unida a Ele. Cheguei a ter consolação na minha união constante. Cheguei a ter conforto e hoje não tenho nada. Que Jesus se console e tire para Ele todo o conforto. Os meus males tão agravados continuam a não me deixar ditar. Faltam-me as forças, apesar das minhas trevas, ignorância, inutilidade, morte e eternidade, eu sinto uma necessidade mais que imensa, infinita de abrir à humanidade o meu peito e o coração para que ela leia o que está lá dentro, para que ela veja o amor com que é amada. Não é minha esta leitura, não é meu este amor.
– Ai, meu Deus! Ai, meu Jesus! Como eu queria falar disto, como eu queria falar de Vós!
Parece que estou louca por Jesus e pelas almas. Que tormento para a minha alma não poder rezar por falta de forças e sentir que não vivo unida ao meu Senhor, que tudo perdi para sempre. O meu túmulo existe sempre, os suores do corpo e da alma e aquele ofício que nunca mais poderei deixar, ofício de cavador, no abismo profundo, indizível, vou continuando com a minha velhice, velhice eterna. A morte vai indo, vai-se aproximando. Já sinto bem a lança que me há-de trespassar o coração, e o sangue corre pela montanha do calvário, sem eu querer saber dele, nem do Horto, sem me aproveitar dos seus frutos. Recebo sofrimentos, espinhos de toda a espécie. Só Jesus pode levar a minha cruz. Eu não sou capaz. Chamei por Ele no desprezo do meu calvário, fiz actos de fé, arrastei-me a todo o custo à Sua procura. Ele apareceu-me, veio ao meu encontro. Pegou-me em ambas as mãos, levantou-me do meu desfalecimento; de mãos dadas fiquei de joelhos junto d’Ele ao ouvir a Sua voz divina que assim me falava:
– “Minha filha, e esposa querida, sou teu Pai e Esposo da tua alma. Sou o teu conforto, o teu amparo e a tua vida. Não me perdeste, nem jamais perderás. Repete-me com frequência, mesmo em espírito, muitos actos de fé. Tu não perdeste a união comigo. Tu viés só de mim, em mim, unida a mim. Confia! Confia! Vem descansar nos meus braços.”
– É de joelhos, Jesus, que eu quero estar unida a Vós e chorar as minhas lágrimas. Sou nada, sou pobrezinha, só Vos tenho ofendido. Não sei viver para Vós.
De nada adiantou eu querer ficar de joelhos. Jesus sentou-se. Eu não fui para os seus braços. Fiquei sentada junto d’Ele; tive por travesseira os Seus joelhos, amparada pelas Suas divinas mãos. De pois de um pouco de silêncio, Ele continuou:
– “A tua missão sublime, a mais difícil, a mais árdua, mas a maior de todas as missões da terra. Tem-la desempenhado bem conforme a minha divina vontade. Se Eu tivesse no mundo mais duas vítimas como tu!... Mas não tenho, não tenho!... Sofre, sofre!...”
Falharam-me os joelhos de Jesus, falhou-me a Sua presença. Fiquei caída nas trevas mais pavorosas. Não fui capaz de me levantar mais. Fui-me arrastando, repetindo os meus actos de fé. Depois de muito lutar e caminhar de rasto, encontrei-O novamente:
– “Estou aqui, minha filha. Dor e sangue, dor e sangue! Só assim as almas são salvas. Enriqueci-te, dei-Me todo a ti com todas as minhas graças e tesouros, com toda a minha vida para por ti Me dar a elas. Deixa-as aproveitar. Dá-lhes tudo quanto elas quiserem receber. Pus-te no mundo para as almas. Tu és a sua luz e farol. Todos os meus prodígios em ti são meios de salvação. Pobres daqueles que não querem ver! O teu Céu está próximo! A minha causa há-de triunfar com todo o brilho e pompa. Uno ao teu o meu coração. Vou dar-te a gota do meu Sangue. Vou dar-te nova vida para tudo o que a dor consome. Confia em Mim! Acode ao mundo! Canso-Me de sustentar a justiça do meu Pai.”
– Vós não Vos cansais, Jesus. Perdoai a todos. Lembro-Vos as minhas intenções
Quando assim falava, já Jesus tinha fugido.
– Creio, creio, apesar de sentir que nada passou por mim.
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 1954)
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