Os Seus olhos divinos estavam nos meus...
Passam os dias, passam as noites e eu num martírio de alma e corpo, mas sem aumento de graça e amor, sem dar um passo por Jesus, cheio das maiores misérias. Não posso ver-me; que nojo ao ver-me assim! A eternidade aproxima-se, corre para mim, em marcha apressada, vem colher-me a morte e só colhe maldades, não encontra nada que satisfaça a Jesus. Meu Deus, que horror!
Na tarde de ontem, senti mais o esmagamento e a justiça do Céu; não podia aguentá-la. Debaixo deste esmagamento, senti os olhos vendados e o rosto esbofeteado; o que sentia o rosto sentia o coração. A seguir, ficou ao alto, junto de mim, uma cruz; senti-me de pé, abraçada a ela; nunca mais a deixei. Via os caminhos, que atravessava, ficaram marcados com o sangue que do coração me saía. Este sangue luz, levava amor, mas não era meu, era de Jesus. Era uma grande atracção e convite que Ele fazia para todos O seguirmos com a cruz até ao Calvário. Caminhei para o Horto; lá cheguei, de lá vi a querida Mãezinha em cuidados, em amargura, em ânsias. Onde estava o Seu Jesus? Que sofria Ele àquelas horas? Estava a suar sangue; de todas as Suas veias ele corria a ensopar a terra. Senti que todo o solo estremecia e toda a terra se movia para mais se ensopar no sangue inocente de Jesus. Toda a justiça divina desceu, a todo o descer; envolveu-se o divino com o humano, o amor com a ingratidão. Eu fiquei ali naquele esmagamento, entre a terra e o Céu, a dar o meu sangue, a beber o cálice amargo, até à última gota. Jesus é que a bebia, é que derramava o Seu divino sangue, é que era esmagado, mas utilizou-se do meu corpo. Se eu soubesse acompanhá-Lo em toda a Sua Paixão! Mas oh! pobre de mim, nada sei.
Hoje, de manhãzinha, muito cansada, quase sem vida, muito ferida, tomei a cruz; caminhei pelas ruas estreitas que davam para o Calvário. Oh! que tristeza, que escuridão! Sentia que Jesus com os olhos colados pelo sangue não via para caminhar. Os Seus olhos divinos estavam nos meus e neles senti como que o sangue de Jesus a coalhar. Cheguei ao Calvário, ali passei pelos demais sofrimentos.
Uma onda mundial, toda criminosa, levantou-se contra mim e contra o Céu; era uma revolta, uma tremenda batalha. Jesus, todo misericordioso, com todos os meios lançou-se a essa onda para a acalmar; queria o mundo que Lhe pertencia; deu-lhe todos os meios de salvação. Logo a seguir a isto, senti, dentro de mim, um suspiro de Jesus e do alto da cruz, de dentro do Seu peito Santíssimo, como se fosse uma pomba branca a esvoaçar, pareceu-me voar o Seu divino Coração; voava, voava, mas sem se poder poisar. Queria abraçar, não só os que com graça e amor rodeavam a cruz, mas sim todos os que com crueldade e ingratidão Lhe formavam o Calvário; sim, nesses é que Ele queria poisar, é que Ele queria abraçar. Repelido, sem poder consegui-lo, suspirava e a Sua agonia chegou ao auge. Senti dois abandonos, um, como sempre de costume o tenho, que me pertencia a mim e outro que pertencia a outro; eu, que não era eu, parecia sê-lo, mas era Jesus. E neste abandono completo, Ele expirou e eu também, ou pareceu-me que expirei. Depois de um bom espaço de tempo, veio Jesus, veio sem luz, deu-me vida, mas em dor.
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 10 de Outubro de 1947 - Sexta-feira)
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