A visão das lágrimas da Mãezinha
Ontem de tarde, no mar do meu sofrimento, parecia-me ter vindo ao mundo, mas não ser do mundo, vivia nele não para cuidar de mim, mas sim das coisas de Deus. De vez em quando, o meu coração ia para o Horto, mas logo fugia, ou fingia fugir para tratar das mesmas coisas.
Logo à noitinha, para concluir esses trabalhos, passei à ceia. Mas oh! que amargura tão cheia de amor e disfarçada! Senti a consolação, que Jesus sentiu, quando tão carinhosamente ao Seu lado se encostou o discípulo amado. Logo a seguir, foi grande a dor do Seu divino Coração com a visão das lágrimas da Mãezinha, lágrimas que para Jesus foram antecipadas, assim como a lança que, num rápido momento, Lhe abriu o peito e o divino Coração, deixando-o a sangrar. Depois, segui, passo por passo, as cenas dolorosas e tristíssimas do Horto e da agonia de Jesus. Eu em mim sentia ter que morrer e queria morrer; sem a morte não poderia terminar os trabalhos, a que tinha vindo à terra. E, nesta altura, sentia Jesus a fitar o mundo e com profunda tristeza dizia o seu divino Coração: tanta ingratidão para tanto amor. Não eram bem aceites os Seus padecimentos, o Seu divino Sangue, a Sua morte.
Hoje, longe de aparecer o dia, muito desfalecida, no mesmo desfalecimento, fui encontrar Jesus na prisão; estava sozinho sem ter quem O confortasse e fizesse um carinho e Lhe provasse amor. Quase não era Jesus; era um moribundo. Compadecia-me Dele, disse-Lhe muitas coisas, mal, porque melhor não sabia, para O consolar. Disse-Lhe muito, e muito Lhe pedi. Entre esses pedidos, o principal foi que não me deixava iludir nem enganar os outros. A verdade, a verdade, só a verdade, meu Jesus. O que dizia e pedia na minha dor, nas minhas ânsias ardentes de consolar Jesus e Lhe provar amor sem por sombra pensar numa resposta; mas logo do íntimo do coração uma vez muito terna e doce me disse:
― É esta a verdade pura, minha filha, pura, mais pura que a água cristalina! Confia, confia, em Mim.
Senti e vi que Jesus se sentia e via Ele mesmo preso à coluna e depois na cruz, mas isto ainda na prisão. Não pude saborear nada as palavras doces de Jesus; tive que sofrer com Ele.
Mais tarde, vi-O então meio despido, já solto da coluna, mas todo banhado em sangue, e, depois, tomar a cruz, seguir o Calvário. No meio dos espinhos do meu viver, no Calvário das minhas dores, segui com Ele. Na viagem não me foram poupados os maus-tratos e na cruz fui com Ele crucificada, sempre a sentir que estava a cuidar as coisas de Deus, muito unidinha a Ele com Ele compartilhava da mesma agonia. Como Ele eu queria enxugar as lágrimas da Mãezinha, consolá-La na Sua dor, tirar as setas do Seu Santíssimo Coração, tomá-La para o regaço, abraçá-La, fazer-Lhe o que Ela bem depressa ia fazer a Jesus, mas com Ele já morto. O coração ia morrendo lentamente e aquela vida que me tinha trazido à terra ia-se avizinhando novamente do Céu. Jesus expirou. Toda a vida me fugiu, e expirei com Ele.
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 14 de Novembro de 1947 - Sexta-feira)
Sem comentários:
Enviar um comentário