terça-feira, novembro 26, 2019

ESTADOS DA ALMA


A beata Alexandrina, como em geral todos os santos — e muitos de nós! — viveu vários estados da alma e todos eles dolorosos e que parecem à primeira vista impossíveis, quando se singra o caminho de Deus.
Estes estados têm nomes diversos: Aridez, trevas, secura, frieza, noite escura da alma e deserto espiritual.
Para melhor compreendermos estes estados, nada melhor do que deixar a própria Alexandrina falar-nos deles.
No dia 12 de Maio de 1942, ela escreveu no seu Diário, falando de dois destes estados: a aridez e as trevas:
«Meu Jesus, Mãezinha, vede a aridez da minha alma, vede o abandono que ela sente do Céu e da terra. Lançai sobre mim vossos divinos olhares de compaixão. Acudi-me, acudi-me, não me deixeis morrer de susto no meio das trevas
A aridez parece privar a alma do amor de Deus que parece ter-se escondido quando mais precisamos d’Ele, o que obrigatoriamente causa à alma uma sensação de densas trevas e de abandono total.
Mas, apesar desta aridez e destas trevas, a alma deseja o seu Senhor e Esposo celeste e este desejo se transforma em secura e numa sede ardente de O amar mais e mais.
É isso mesmo que ela explica em 28 de Maio de 1942:
«Pobre de mim! Digo que amo e não tenho coração para amar, não tenho corpo senão para a dor, sou como uma bola de espuma que depressa se desfaz. Que trevas, meu Jesus, que securas, que amarguras, que agonias as da minha alma.»
Estas trevas e esta secura levam a alma a julgar-se como que abandonada e a pensar que sua alma está morta, que mais nada se pode passar nela.
Eis como que uma queixa da Alexandrina a esse respeito, ditada para o seu Diário em 28 de Dezembro de 1944:
«O cadáver não ama nem sente o amor com que é amado. Ó morte, ó morte, que tremenda és. Que tristeza ! Morte do corpo e morte da alma.»
Nem mesmo quando o Senhor, pela Comunhão, vem visitá-la:
«Ao receber o meu Jesus, fiquei na mesma secura, nas mesmas trevas.» (S. 08-09-1944)
Daí a pergunta angustiosa a Jesus:
«Meu Jesus, que delícias podeis Vós encontrar neste pobre coração? Que conforto podeis tirar em tanta miséria? Que sede podeis saciar em tanta secura e frieza?» (S. 15-06-1945)
E depois esta constatação motivada pelo seu estado da alma:
«E eu não sei consolá-Lo, não tenho para Ele uma palavra amiga, a não ser: “sou Vossa, amo-Vos, sou a Vossa vítima”. Mas isto com frieza, com secura, com cegueira mortal.» (S. 30-07-1945)
Mas Jesus não a deixa sem explicação e diz-lhe para a resserenar:
«Minha filha, bebo na tua secura, sacio-Me na fonte do teu coração. A tua sede de amor é amor. Quero beber, deixa-Me beber, mata-Me a sede, que tenho de ser amado.» (S. 18-07-1947)
Outro estado da alma e não dos menores é o “deserto espiritual” que perturba a alma e a deixa como desamparada, como podemos ler no seu Diário de 18 de Janeiro de 1952, tempo em que ela viveu intensamente este sofrimento:
«Quando, no meio do deserto imenso, o meu coração e a minha alma bradam ao céu a pedir socorro, sem o receber de Deus nem dos homens, fico como que desorientada e perdida.»
Menos de um mês mais tarde, ela volta a falar deste estado tão doloroso:
«São tremendos os meus dias. É pavorosa a minha existência neste exílio. O corpo, a pobre natureza, não tem força para mais. A alma está na maior das agonias. Brada num deserto imenso, não há quem se compadeça dela. O que será de mim, meu Deus? Como vencer, se me abandonais? Vejo perdida toda a minha vida. Sinto como se nada adiantassem tantos anos de sofrimentos.» (S. 01-02-1952)
Mas, para melhor compreendermos, tentemos explicá-lo, o melhor que possa ser:
O deserto espiritual é algo que se assemelha ao deserto, no verdadeiro sentido da palavra: uma imensidão de nada onde vivem apenas o vazio, a secura e a aridez.
Quando vivemos este estado de espírito, perdemos o gosto a tudo, para não dizer que tudo nos causa repugnância.
Queremos amar, mas não encontramos amor em nós; queremos acreditar, mas parece-nos não acreditar em nada; queremos rezar, mas temos a impressão de dizer palavras que perderam todo o sentido; queremos oferecer, mas não encontramos nada para oferecer; queremos reagir, mas não encontramos a força de reacção; queremos pedir ajuda, mas não temos ninguém ao nosso redor para ouvir os nossos gritos, então temos a impressão de que tudo se está desmoronando ao nosso redor, que ninguém nos ama, que somos vítimas de todo o tipo de maquinações, inclusive daqueles que nos amam...
Estado terrível onde até mesmo Deus parece surdo, onde até Deus parece não estar interessado em nós e nos deixa lutar sozinhos, se é que tentamos lutar...
Que fazer quanto a este estado da alma? Desanimar? Desistir de tudo?
Não, não e não! Deus não deixou de estar presente; Deus não deixou de nos amar, Deus não deixou de cuidar de nós, porque este é certamente o momento em que Ele mais trabalha em nós e para nós, por isso confiemos n’Ele e ajudemo-lo a ajudar-nos, através da nossa oração – mesmo que nos pareça inútil – através do nosso amor – mesmo que não sintamos nenhum sentimento no nosso coração – através da nossa fé – mesmo que pensemos que a perdemos: Deus está em nós e nos ama; Deus está em nós e cultiva o jardim das nossas almas; Deus está em nós e, com ele, venceremos.
Imaginai apenas quando o deserto das nossas almas se tornar o mais belo jardim, o nosso “Jardim do Paraíso!”
Esperemos, esperemos sempre, porque Deus é fiel no amor.
Assim fez a beata Alexandrina. Imitemo-la.
Afonso Rocha

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