sexta-feira, fevereiro 20, 2015

HEI-DE VOS ESMIGALHAR

Balasar, 3 de Fevereiro de 1939

Viva Jesus!
Meu Paizinho,
Cá estou eu a agradecer a boa cartinha que o meu Paizinho teve a caridade de me escrever. São momentozinhos de alívio para logo voltar ao mesmo estado. Bendito seja Nosso Senhor! É por Ele tudo. Está um dia tão lindo! Quanto mais o sol resplandece contra as janelas e estende os seus raios para dentro, mais sofro ainda. Mais me faz sobressair a dor e a tristeza que sinto em minha alma. Hoje, antes de comungar, ai meu Jesus, como era medonho o meu estado. E logo que recebi a Jesus, parecia-me que Ele se abraçava ao meu coração, parecia arrancar-mo. E com tanta mágoa dizia-me:
— Tem pena, tem dó de Jesus: compadece-te de Mim, minha crucificada. Que ingratidão, que maldade a do Universo. Que dor pungente, que tristeza infinda. Sofro tanto! Não posso sair da dor, da tristeza e da amargura. Como há-de sair a minha esposa mais querida que está crucificada comigo?


E o meu Jesus soluçava dentro de mim e dizia-me:
— Só depois de uma libertação completa Eu darei suspiros como quem está desafogado e livre de tanto peso.
Eu sentia então também, por momentos, o alívio que certamente virá Nosso Senhor a ter. Agora não digo mais nada. Daqui por três quartos de hora devo estar na crucifixão.
Meu Paizinho, ontem mais nada ditei: fiquei muito cansadinha, não podia mais.
Nosso Senhor, antes de principiar a paixão veio, como de costume, infundir-me coragem. Falou-me assim:
— Ó minha querida crucificada, cá está o mendigo que, de oito em oito dias, te vem pedir a esmolinha da crucifixão. Serás capaz de negar alguma coisa ao teu Jesus?
— Não, mil vezes não.
— Bem, Eu o sei. Coragem pois. Eu sou a tua força: o teu Cireneu te acompanhará à imitação de Jesus.
Durante a paixão senti-me sempre muito abandonada: mas o meu Jesus deu-me força. Não faltou ao que prometeu e fez com que o Cireneu me ajudasse também. Custam tanto! Têm sido tão violentos! Mas ai, meu Paizinho, mais me custam ainda as dúvidas. Que medo, meu Jesus, ai que medo eu tenho de enganar e de tudo ser feito e dito por mim. Ai, ai, meu Paizinho, as dúvidas estão a poder mais que eu: estou a ficar em grande abatimento, muito, muito desfalecida.
O demónio diz-me que sou tão excomungada que nem o inferno me quer; nem o meu Paizinho, nem o Senhor Cónego Vilar. São todos da mesma comanda:
— Acredita-me! Ai deles e ai de ti, minha f., se a consagração do mundo vai ser feita. Hei-de vos esmigalhar.
Que bufada, que rangido de dentes, e isto com muitos nomes feios.
Adeus, meu Paizinho. Estou faminta de amor. Nada me mata a fome. Rogue por mim a Jesus e à Mãezinha.
Lembranças da minha mãe, de Deolinda e da Çãozinha.
Fará o favor de dar lembranças minhas aos Senhores Padres.

A bênção e perdão para a pobre, Alexandrina.

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