quinta-feira, abril 12, 2012

HEI-DE LEVAR-TE AO PRAZER !

Já que eu não basto, chamo a minha tropa

— Ó meu Deus, como são variados os Vossos sofrimentos.
Ia alta a noite, eu estava sozinha, veio o demónio, insultou-me, convidou-me ao mal, à carne, ao prazer. Lutei tanto, tanto, estava num banho de suor. O coração de momento para momento parecia perder a vida. O maldito, sem conseguir de mim o que desejava, disse-me:
— Hei-de levar-te ao prazer. Já que eu não basto, chamo a minha tropa. Vêm já, eu sou chefe de comando.
Chamou pelos camaradas: principiaram a subir dum profundo abismo por entre chamas muitos demónios em forma de esqueletos. A minha aflição era grande, temia que fossem ouvidos os meus gemidos. O maldito dizia-me:
— Caladinha, que não venha aqui aquele fulano - e chamou um nome feio ao santo sacerdote – Desde que me satisfizer em ti, vou matá-lo, vai morrer debaixo do meu pé, ao fio da minha espada.
Eu estava sobre abismos assustadores. Meu Jesus, que escuridão! Só de longe a longe caíam sobre eles umas folhas brancas que mais faziam mostrar os seus horrores, as suas negras trevas. Ou porque os demónios se satisfizessem de me atormentar, ou porque Nosso Senhor assim o permitisse, deixaram-me. Já não podia mais; era tão violenta a minha posição! O que fazer, se eu não podia mover-me? Triste, muito triste, na dúvida de ter pecado, clamei, clamei por Jesus. Enquanto isto fazia, corriam os demónios, virados ao quarto do bondoso sacerdote, dizendo-me, já de longe, que o iam matar. Levavam nas mãos espadas, ou não sei o quê. Ainda com esta visão, ouvi Jesus dizer:
— Anda, meu anjo, desempenhar a tua missão.
Fiquei logo direitinha nas minhas almofadas. Jesus disse-me então:
— Não pecaste, minha filha, coragem. Viste as pétalas brancas que sobre os abismos caíam? São pétalas da tua reparação. Com a sua alvura, iluminam as almas que neles estão, atraem-nas a si e vêm ao meu Divino Coração.
Mais confortada com Jesus, o ferimento de todo aquele passado continuou a causar-me imensa dor. Não tinha susto que os demónios tivessem feito a morte que tinham dito. Só de manhã, como achava que ele estava muito em silêncio, veio-me o temor que ele estivesse morto. Nosso Senhor nada disso tinha permitido. Recebi o meu Jesus, desprendida d’Ele, despreocupada, só de momentos a momentos é que Lhe dizia:
— Ó meu Jesus, como eu estou, não Vos amo, não Vos dei graças. Perdoai-me, tende dó de mim.
Veio o sacerdote para falarmos das coisas da minha alma, e eu continuei a sentir-me longe, sempre longe, mergulhada num mar de dores na alma e no corpo. De vez em quando, sentia dentro de mim estremeções, horrores, grande repugnância por ter de dizer o que se passava em mim, por me sentir pequenina e miserável, tímida e envergonhada diante das pessoas queridas, por não compreender a minha vida e não amar Jesus, e atormentada a mais não poder com a lembrança de ser quinta-feira. Oh! se desaparecessem estes dias – dizia eu. Sinto que se aproximam de mim todos, todos os sofrimentos e que estão a armarem-se laços para me prenderem. Era já noite, e eu sentia na minha alma a intimidade dos que me eram tão queridos, dos que junto a mim estavam reunidos. Tinha de deixá-los, tinha de partir para o céu, mas de alguma forma ficar entre eles, não me separar deles. Ó sofrimento amado, quem te compreenderá?!

(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 22 de Fevereiro de 1945)

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