Parecia-me que tinha as mãos atadas
O demónio rodeava-me... |
Na noite de dois para três ainda longe de aparecer o dia, ao recordar-me que era o primeiro sábado, senti em mim uma alegria indizível, até a mim me causou espanto; eu, que tenho tanto medo e tanta repugnância aos êxtases, como podia ansiar e alegrar-me com a lembrança de que Jesus ia falar-me? Numas ânsias loucas do céu, esperava com alegria o colóquio com Jesus. Enganei-me: nesse dia ainda não comungara, e Jesus não me falara como de costume. Esperei uma hora, esperei outra, sem O ouvir. Oh! quanto eu sofri! Como não Lhe falei, sofri por não Lhe falar. Se Ele tivesse vindo, sofria talvez com receio de me ter enganado. Bendito seja o sofrimento de cada dia. Estava tão triste! Parecia-me que o mundo tinha coalhado de gelo. Queria possuir o mundo e aborrecia-me dele. Estava cansada de viver, sem sentir a vida.
— Ó Jesus, seja tudo para Vossa maior honra e glória. Servi-Vos de tudo para eu Vos amar e fazer amado. Aceitai tudo, para que as almas sejam salvas. Valei-me, Jesus, valei-me, só o céu pode dar remédio a tantos males.
Esperei todo o sábado, todo o domingo, sem que Jesus viesse, sem que me falasse.
— Ó meu Deus, não pode ser maior o meu abandono.
O demónio rodeava-me em forma de feras; sempre gestos pecaminosos e porcos. Arreliava-me por Jesus não me ter falado; dizia-me que Ele não voltava a falar-me. Veio a noite. Quando rezávamos o nosso terço, já ele me ameaçava e dançava à minha frente de contentamento. Depois que fiquei sozinha, ele principiou a chamar os camaradas dos infernos para virem pecar comigo. Que ia ser uma noite de pecados, prazer e gozo.
— Agora já descansaste, já queres voltar à mesma vida de vícios.
Parecia-me que tinha as mãos atadas; não tinha o terço nem a Mãezinha e não podia bradar ao céu. O coração custa-lhe muito a resistir às suas manhas infernais, parecia-me morrer. Pude então dizer a Jesus:
— Morrer não me importa e morrer da forma que Vos agradar mais, mas pecar não, isso nunca; valei-me, Jesus.
A Sua divina voz fez-se ouvir. Ele falou em meu coração:
— Anjo bendito, obedece à voz do teu Senhor; levanta a minha vítima inocente, livra-a das garras de Satanás.
Nestes momentos, eu estava sobre uns abismos medonhos traçados a sangue. Fiquei de repente nas minhas almofadas, já de mãos soltas e libertada do demónio. Não sei dizer a dor que sentia, desfazia-me o coração. Que pena eu tinha de Jesus! Que receio de O ter ofendido! Não fiquei assim por muito tempo. Voltou Jesus a falar-me:
— Não te entristeças, minha filha, tu não pecaste. Não queres dar-me consolação? Não queres dar-me reparação? Necessito tanto dela nesta hora! Olha, vim ao teu coração buscar alegria, vim ao teu coração buscar amor, consolação e a reparação que desejo. Alegra-te, confia, em ti encontro tudo. Não queres alegrar-me? Alegra-te comigo.
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 5 de Fevereiro de 1945)
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