— Valei-me, valei-me, ó querida Mãezinha.
O demónio odeia-me, atormenta-me. Apresentou-se na minha frente na figura dum monstro aterrador; era grande como uma casa. Saíam dele tantas serpentes da grossura de pessoas, de bocas abertas e as línguas de fora alguns palmos; estendiam-se até perto de mim. Passado algum tempo, caiu sobre o meu corpo a manha maliciosa desse maldito. Arrumou de mim o terço: não o queria. Ele dizia-me: “vamos ao prazer”, acrescentando palavras do que há de pior.
— Vale mais um momento de prazer – dizia ele – do que milhões e milhões de céus.
Só quando me pareceu ele ter conseguido o que desejava é que eu, de olhos fitos no céu, clamei muitas vezes:
— Valei-me, valei-me, ó querida Mãezinha.
Senti a dor que já expliquei ao reverendíssimo Padre. Não era dor de tirar só uma vida, era dor de tirar todas as vidas, eu parecia-me perder a minha. Quando esta dor caiu tão fortemente sobre mim, o maldito mais se enfureceu, não gostou que eu a sentisse. A raiva dele ainda mais consumiu o meu corpo. A Mãezinha veio a socorrer-me, tomou-me nos seus santíssimos braços e disse-me:
— Aqui estou, minha filha, a defender-te. Vem para os meus braços, vem descansar. É a Mãe a defender a sua filhinha, é a Mãe a defender e a consolar a esposa mais amada de Jesus. Não pecaste, filhinha. São momentos de tanta reparação, de tanto amor para Jesus! Coragem, sofre contente!
Tenho vergonha de estar na vossa presença e na de Jesus.
— Oferece-nos tudo isto, sossega, não pecas. Recebe graça, pureza e amor.
Estreitou-me ao seu santíssimo coração com tanto carinho, cobriu-me de beijos e mimos e retirou-se. Apesar da vida e conforto que recebi, fiquei por muito tempo a sentir a dor de que acima falei. Custou-me a resistir. Contudo, confiei na Mãezinha, Ela não vinha enganar-me. O que teria sido de mim e o que será ainda sem este conforto do céu. Ó vida triste e amargurada. Sofro com tudo. Continuo a sofrer os remorsos, essa traça que vai roendo nas almas de alguém. Quero-lhes tanto em Jesus e receio tanto a presença delas. Sofro com as infelicidades de alguém que me tem ferido tanto. É tão grande a dor que sinto por saber que sofrem, entristeço-me por eles. Lá vem a morte para mim. O que vejo em mim. O que sinto na minha alma. Que tristes recordações. Sinto e vejo os tormentos que me esperam. Sinto que sou apedrejada, as pedradas batem em meu coração. Sinto que me retiro do convívio das pessoas, fujo para a solidão para em silêncio poder chorar. Oh! quantas lágrimas de perda, oh! quantas lágrimas de vergonha por me ver revestida de todas as maldades e estar assim na presença do Eterno Pai. O amor obriga-me à dor. De lábios mudos, olhos cerrados, entrego-me a tudo, lá vou para a morte. Uma chuva de espinhos cai sobre mim, o meu corpo vai ser um leproso. Mas estou de braços abertos com um terno sorriso e uma mansidão sem igual, escondendo o disfarce de tudo.
— Ai, meu Jesus, eu só queria para maior honra e glória Vossa saber dizer o que vai dentro em mim, o que sofrestes por nós. Ó que ternura, ó que bondade. O inocente, o inocente Jesus.
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 8 de Fevereiro de 1945)
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