Pobre coração, penetrado de espinhos tão penetrantes!
Nem vida para viver, nem coração para amar.
Não vivo, não vivo, não; de mim, do meu pobre corpo ficou a dor, a dor que me tritura, a dor que, dia e noite, me consome; consome-me, e não é no meu corpo que ela vive; sim, não é em mim que ela existe, ela trespassa em todo o meu ser, como vento que em todo o lugar penetra. Onde estou eu? Onde é que eu vivo? Ó Jesus, ó Jesus, eu sou como uma aragem, que passa nos ares, nos ares vive e em todo o lugar existe, tudo observa, vê penetra. Sou eu e não sou, vivo eu e não vivo, penetro tudo e nada sei. Mas, ó meu Deus, se eu não vivo nem tenho coração para amar, como posso ter ânsias de amor, mas de um amor que se perde e enlouquece, e sentir que um coração dentro de mim é tão mal tratado, tão ofendido e calcado aos pés; é todo um mundo contra ele. Pobre coração, penetrado de espinhos tão penetrantes! Se eu pudesse mostrar, se pudesse copiar todos os ferimentos deste coração para ver se conseguia evitá-los, para, em vez de sofrimentos e ingratidões, fazê-lo receber consolação e amor! Ai de mim, meu Deus; eu pertenço ao número destes ingratos e para vergonha e confusão minha sou a pior de todas, sou a que mais mal trato este terno e doce coração. Meu Deus, como os dias passam e a vida foge e eu sem nada para Vos dar, pobre de tudo, sem amor e pureza para me apresentar diante de Vós. Valei-me, valei-me meu Jesus; ouvi o meu brado aflitivo e contínuo. Vede que o meu espírito anda como a abelhinha de flor em flor à procura de néctar que a satisfaça. Ele voa, voa, poisa aqui, poisa ali, e, mais das vezes, não tem onde poisar, não encontra satisfação, não encontra onde possa descansar. Estou cansada, meu Jesus, de Vos procurar sem Vos encontrar; parece que errei o caminho. Morro sem Vos ver, sem Vos possuir. Vinde socorrer-me; apressai-Vos, eu Jesus. Oh! que desalento e trevas as minhas! Tenho medo, tenho medo! Eu quero luz, meu Jesus; dai-me alguém que me ilumine, dai-me quem me ajude a formar o meu voo para o Céu, para Vós, só para Vós. O mundo, oh como eu aborreço o mundo com o que é dele; aborreço-o e dele tenho compaixão; aborreço as suas maldades, mas amo-o a ele; abracei-o e quero-o todo dentro do Coração do divino Jesus.
Ontem, logo de manhã, vi Jesus pregado na cruz e pregado na cruz do meu corpo; gravou-se em mim. Como fiquei a senti-Lo tanto ao vivo! Como na cruz, Ele inclinou para o meu peito a Sua Santíssima Cabeça; senti todo o Seu Santíssimo Corpo gelar e expirar.
Esta visão com o sentimento preparou-me um Horto dolorosíssimo; tinha-o sempre diante de mim, sentia a dor angustiosa de Jesus. A minha alma via-O caminhar para um lado e para o outro, a olhar o mundo, a chorar; na sua angústia levantava os olhos para o Céu e o Seu divino rosto cobria-se de suor. Eu tinha o rosto de Jesus e o Seu suor no meu coração e na minha alma. Estive bem unida aos sofrimentos do meu Jesus. Passei pelas cerimónias da ceia, o adeus à Mãezinha e por fim o Horto real com todas as cenas; o suor de sangue, a prisão.
(Beata Alexandrina: Sentimentos da alma, 3 de Outubro de 1947 - Sexta-feira)
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