3 de Janeiro de 1947 – (sexta-feira)
Onde estais, meu Jesus? Para onde fugistes de mim? Eu não posso passar sem Vós, meu Jesus. Vede que estou sozinha; vede quanto sofre a minha alma. Ela está cega e muda, não vê nem sabe dizer o que tem. Tremo de pavor e temo vacilar. Não posso dar um passo que não caia num poço sem fundo; este poço dá-me a morte. Mais um ano é passado, meu Jesus, e eu não posso olhar para trás, não vejo outra coisa senão treva atrás e à frente de mim. Como passei o meu tempo? Como o empreguei ao vosso serviço? Que mal, que mal, meu Jesus! Ó vida, ó vida que eu não soube nem sei viver! Que pobre, que miserável, e nada sou! Ah, se eu visse, mesmo muito ao longe, uma luz que me guiasse para vós! Se eu tivesse no meu pobre coração um pouquinho do vosso amor! Nada, nada, meu querido Jesus. São as trevas a luz que eu tenho; é o gelo o meu amor; é a morte que fala, é o silêncio da morte a voz, o brado da minha alma. E o Céu, o Céu, morro de saudades, morro, morro, Jesus. Nada faço para o merecer, nada sofro por vosso amor. A minha oferta, Jesus, a minha entrega a Jesus na noite de Natal foi para mim mais um fogo de vistas e não um amor sincero a Jesus, nem o fim de O consolar. Não sei o que me levou a fazer tal entrega; nem compreendo o que Jesus quer com estes sentimentos da minha alma. Seja o que for, lancei-me nos seus braços divinos como a criancinha sem olhos, sem pernas, sem vontade, sem entendimento. É em espírito, nos seus santíssimos braços que me conservo, com o coração, a cabeça e todo o corpo em sangue, dilacerado pelos espinhos. É nele e com Ele que a alma, momento a momento, vai agonizando. Que me importa não ter luz se a razão e a fé me afirmam que ela existe? Por vosso amor, meu Jesus, deixo passar sobre mim toda a tempestade. Ao terminar os últimos momentos do ano com as luzes acesas rezei o “Te Deum”. Foi o meu acto de acção de graças a Jesus por tudo o que Se dignou enviar-me que me causasse dor ou alegria; por tudo O bendisse pela grande prova do seu amor. Que ignorância a minha! Não soube dizer-Lhe mais nada. Principiei o novo ano tirando à sorte os meus protectores. Calhou-me S. José e Santa Teresinha. Fiquei contente pela sorte que me caiu. Que eles sejam os meus guias por entre as trevas que tanto pavor causam à minha alma. Convidei todo o Céu a interceder por mim e a ensinar-me a amar a Jesus e à Mãezinha. Queria só viver a vida do amor.
Passou no dia 2 o quinto aniversário em que Jesus me disse: «Prepara-te para a luta, que tens que combater aparentemente sozinha». E que luta foi esta, meu Deus! Oh, como esta data me mostrou, por entre as trevas, os caminhos espinhosos que pisei! Ao principiar o ano, principiei a sentir cair sobre mim uma chuva torrencial; esta chuva para desfazer e queimar o meu corpo, sinto-o mesmo como se ele ardesse em chamas, parece que me deixa toda em cinzas de fogo. Estou cansada de tanto sofrer. Mas a alma está como de braços abertos para receber tudo o que Jesus quiser dar-lhe.
Tive um combate tão grande, tão grande com o demónio! O coração, de aflito, bateu tanto e tão fortemente que por último acabou por não viver; fiquei quase morta no pecado. E na morte que me senti não tinha força para sair do pecado nem tinha coração que me levasse ao arrependimento. Mergulhei-me no lodo e nele tinha que morrer. O demónio continuava com as suas feias palavras e indecentes lições. Senti dentro de mim alguém que com todo o rigor lhe fez sinal para se retirar. Retirou-se, ou retiraram-se, porque eram mais que um; fugiram espavoridos. Eu fiquei abismada na minha dor. Não há sofrimento que me lembre tanto de dizer a Jesus que não como os combates do demónio, quando sinto ele a aproximar-se.
Ontem já de noite, quanto mais me esforçava por desviar do Horto o meu pensamento, mais o coração dele se aproximava. O solo do Horto e a justiça de Deus eram para mim as pedras dum moinho. O meu corpo era o grazino de trigo que entre elas era esmagado e moído. O coração, à semelhança duma nuvem que se abre para descarregar a água, abriu-se para descarregar amor e receber toda a dor. Aquela dor fez-me sentir como se o meu corpo suasse água, suasse sangue. Prostrada por terra numa gruta retirada, senti e a minha alma viu um anjo levantar-se. Fiquei mais forte para o que me esperava. Hoje, logo de manhã, estava Jesus no meu coração com a sua santa cabeça cercada de tão agudos espinhos que me feriam também a mim toda quando Jesus Se inclinava sobre mim. E as carnes divinas de Jesus caíam dentro do meu corpo aos pedaços. Ele era açoitado dentro em mim; eu era a coluna, eu fui a cruz. E assim passei o Calvário e cravada nele senti bater brandamente, mesmo a agonizar, o Coração divino de Jesus. E senti que Ele no alto da cruz, no meio da mais dolorosa agonia, nos últimos momentos da sua vida espalhava amor, só amor. o amor estendia-se a todo o mundo como o perfume se espalha. E eu com Ele, por seu amor e pelas almas, agonizava. Fiquei como morta um bom pedaço. Sentia uma vida vinda muito do alto como que a contemplar a morte do meu corpo, mas não era a vida que a ele pertencia. Veio o meu Jesus.
― Minha filha, aos corações que se amam com o amor puro e santo nada há que os separe. Os nossos corações estão unidos: o meu e o teu, no maior amor, no amor divino, no amor de Deus. Não há nada, querida filha, não há nada que nos separe. Mas Eu quero, ao principiar do ano, na primeira sexta-feira, dedicada ao meu divino Coração, uni-los e enleá-los novamente. Quem vem deitar-lhes esses novos enleios é a tua e minha bendita Mãe.
Jesus tomou em suas mãos divinas o seu divino Coração e o meu; uniu-os tanto, tanto! Veio a Mãezinha, enfaixou-os, enleou-os bem com fios finíssimos doirados e conservou-se ao nosso lado. Jesus continuou:
― É um só coração, é um só amor nos nossos corações. É como uma sala com dois compartimentos com a entrada livre. Ambos têm o mesmo poder, o mesmo encanto, o mesmo Céu. Passei para o teu toda a riqueza que o meu contém. Queres saber, filha querida, o significado disto? Entreguei-te o mundo e hoje mesmo renovo a entrega. É por ti, pelo poder e missão que te confiei que este mundo vem a Mim. Passa livre do teu coração para o meu. Tui não podes ver, minha filha, nem sentir com consolação as graças e maravilhas com que te enriqueci; não convém à tua alma e é mais proveitoso para as almas dos pecadores. Enriqueci-te, elevei-te tanto as alturas como é alta a missão que te dei. Enchi-te do eu divino amor e da minha vida divina, para venceres e suportares todos os espinhos que ainda hão-de ferir-te. Não esperes consolações e alegrias: és a minha vítima. Não esperes luz, mas sim conforto e toda a abundância de amor, com a certeza de Eu sempre estar contigo e sempre em ti vencer. Sou o teu Jesus, confia em Mim. Tem coragem, que depressa vai acabar na terra a tua missão. Estou contentíssimo, minha filha, afirmo-te: foi grande a consolação que Me deste, foi grande o número de almas que salvaste com o amor com que suportaste todo o sofrimento que te dei no ano que terminou. Aqui não podes sabê-lo, no Céu o verás.
― Meu Jesus, tudo isso me humilha, mas ainda quero ser por Vós mais humilhada; falai-me dos meus pecados, porque até aqui só falastes do que é vosso. O que tenho eu de bom que não fosse vindo de Vós?
― Eu não quero falar dos teus pecados, porque nas tuas faltas escondo a grandeza e a riqueza que só no Céu será conhecida e verdadeiramente compreendida. E não falta na terra quem te humilhe. Mas coragem, essa humilhação exalta-te e também Eu fui humilhado. Não quero, minha filha, terminar este colóquio sem te prevenir, sem dar ao mundo este aviso: a chuva de fogo que sentes sair sobre ti é por seres a minha vítima; é a chuva que depressa cairá sobre o mundo, se ele não se converter; é o castigo que apenas deixará um pequeno número dos seus habitantes.
― Ó meu Jesus, e não haverá remédio? Que posso eu fazer por ele, para o salvar?
― Sofre, sofre, não é as almas que queres salvar? Os corpos nada vale. Eu te prometo: com os teus sofrimentos e o poder da minha bendita Mãe, as almas serão salvas; os corpos, a sua emenda de vida o fará. Se a vida for pura, se fizerem penitência, são poupados ao castigo. Diz, diz, minha filha, que é Jesus que chama, que é Jesus que pede, que é Jesus que convida: é o Pai que quer salvar os seus filhos. Vem, minha bendita Mãe, cingir os espinhos e a cabeça da vossa vítima.
Vi a Mãezinha com uma coroa de espinhos em suas santíssimas mãos; não sei de onde pegou nela. Em todo o tempo que esteve com Jesus não A vi com ela. Colocou sobre a minha cabeça, senti-me quase morrer.
― Coragem, minha filha, sou Mãe de Jesus, sou tua Mãe também. É com estes espinhos que ainda falta ferir-te que vais acudir às almas. Eu quero estar unida ao Coração do meu Jesus e ao teu, quero comunicar-te o meu amor, a minha ternura e doçura, para melhor poderes atrair as almas a Jesus.
― Vai em paz, disse Jesus. Leva contigo toda a confiança: nada temas: Eu não te falto. Leva a minha riqueza, leva o meu amor, leva as riquezas da tua Mãezinha querida e vai salvar o mundo. Coragem! Avizinha-se o Céu.
― Obrigada, meu Jesus; obrigada, Mãezinha. Vinde comigo, sede a força da minha alma.
Beata Alexandrina Maria da Costa
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