Não posso estar aqui; não vivo, não sei viver. Tenho medo do mundo; que horror ele me causa; não sei se é ele que me crava tantos punhais; não digo bem, sinto-me a ser o mundo e sou eu própria a cravá-los, a assassinar-me a mim mesma!
Por vezes, a minha alma vê Jesus, feito enfermeiro, a querer entrar a este mundo, que sou eu mesma. Rodeia, rodeia uma e outra vez este monstro mundial, para curar-lhe as chagas de entro e de fora. Jesus anda cheio de amor e doçura, mas não tem estrada. Esta rocha dura não quer ouvir o Seu convite de ternura, não quer deixar-se curar. Que pena eu tenho não consentir que Jesus seja o meu enfermeiro! Ele quer acariciar-me, e eu não deixo, revolto-me contra Ele, obrigo-O a afastar-se de mim. Apesar de ser eu que O não quero, nem quero a Suas bondades, ternuras e carinhos, a alma chora por não O querer, por não lhe dar entrada, por não O amar. Que pena eu tenho de Jesus! Sofro ao mesmo tempo com Ele. Sou o mundo e sou Jesus; peco e quero pecar; amo e quero amar; e este amor é louco, não tem limites, ama e não olha a quem; o que quer é ser aceite. Se este amor fosse eu, e minhas não fossem as maldades! Mas ai pobre de mim! O amor é de Jesus, as maldades são minhas. Abracei-me à minha cegueira com tal afecto, com tal amor, que não mais a largarei; ela só me causa sofrimento, só me mostra que sou lodo e lama, mas eu quero e neste estreito abraço mais me vou mergulhando nela. O que é bom, o que é de Jesus, não aparece nas minhas medonhas trevas. Mas o que posso eu esperar, o que posso eu ver, se nada há em mim de bom, nada tenho de encantador que a mim pertença. Sou miséria, só miséria; ó Jesus, compadecei-Vos de mim! Tenho recebido, nestes dias algumas, algumas graças, alguns mimos do Céu, que eu não mereço. Agradeço-as a Jesus e à querida Mãezinha, mas este meu agradecimento não chega.
Por não chegar o meu agradecimento e por temer ao máximo estes mimos, não chego a gozar da alegria e consolação que eles me possam dar. Bendito seja o Senhor. Tudo para Vós, meu Jesus. Estou a recordar, passo por passo, tudo o que se passou, dias antes da minha partida para a Foz. A coragem que pedia a Jesus e à Mãezinha, a confiança que neles depositei no meio de tanta amargura. Quatro anos são passados; nada esqueci, todos esses sofrimentos parecem ser de hoje. Meu Jesus, sou a Vossa vítima.
Sinto em mim o ódio do demónio; ele quer matar-me, a fogo e a espada. Ele vê-se agora forçado a deixar o trono do meu coração; teima, faz violência para não sair. Ao ver que não tem remédio senão retirar-se, odeia-me, uiva desesperado. Sinto os seus rancores, ouço o seu uivar.
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(Beata Alexandrina: “Sentimentos da alma”, 6 de Junho de 1947 - Sexta-feira)
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