O meu pão de cada dia
Estou no meu martírio a redobrá-lo ainda mais por ter de falar de mim, ou melhor, da minha dor. Custa-me imenso. Não queria dizer nada. Tenho vergonha, escandalizo-me a mim mesma. Não escandalizarei mais alguém? Sempre a falar da dor, deste sofrimento inexplicável! Mas como modificá-lo, se outra coisa não tenho?! O meu sofrimento é tão grande, tão grande, tão infinito!... Só Jesus o conhece, só Ele o pode vencer. Eu sei que não sou eu.
O dia da festa da
Santíssima Trindade e da Mãezinha no Sameiro foi para mim uma agonia mortal.
Tinha morrido, se Jesus não fizesse a graça de me conservar a vida. O meu
Paizinho espiritual estava na minha mente ligado com a Mãezinha do Céu. Era uma
festa em que não devíamos nem podíamos estar separados. Daqui nasciam as mais
dolorosas e tristes recordações. Deus e o homem! Como este veio ao contrário
dos desígnios do Senhor! Na terra nunca, nunca poderei dizer o que sofri e
sofro. Só à luz da eternidade haverá tal visão. Com tão variadas e tristes
recordações, com tão tremenda e dolorosa agonia fixei no Céu os olhos da minha
alma. Não podia movê-los. Tinham que estar sempre firmes para não cair no
desespero.
Estou a passar a
data da minha estadia na Foz, 11 anos; martírio sobre martírio. Quanto mais dor
e humilhação, mais ódio e incompreensão. Por tudo o Senhor seja bendito!
O meu pão de cada
dia, o meu pavor são as almas que se abeiram de mim. Causa-me pavor, e o
coração não pode separar-se delas. Por elas quero dar o sangue e a vida.
Quero-as todas para Jesus, com todos os corações numa só chama de amor. Não
posso falar das almas nem desta ânsias. Não resisto. Estou sempre à espera das
consolações e alegrias.
— Senhor,
quem poderá dar-mas?! Que angústia, que angústia!
O meu túmulo, a
minha escavação, a minha inutilidade e eternidade não param. Tenho que viver
tudo isto, mesmo sem vida. Tenho que sentir toda a dor e sempre estar de mãos
vazias. Nesta manhã, depois de receber o meu Jesus, foi tão dolorosa a minha
morte e inutilidade, um abismo se abriu a engolir tudo. Repeti tanto o meu
“creio” a Jesus…
— Meu
Senhor, parece-me mentir-Vos a Vós e mentir-me a mim mesma. Dai-me coragem para
que eu repita o meu “creio” sem crer, sem acreditar e Vos diga que Vos amo, sem
ter vida, sem viver para Vós, sem sentir o Vosso amor.
Apunhalava-me a
mim mesma. Fazia-o com toda a crueldade. Subi para o Calvário, sempre num desprezo
e ódio infernal contra ele. Estendi-me no mundo. Nele bebi todo o veneno. Em
seguida, apertei o coração, enleei nele grossas e negras cadeias para que
nenhum veneno saísse dele. Fiz o mesmo à língua para a não deixar mover, nem
deitar fora o veneno apanhado.
— Creio,
Jesus, creio! (Alexandrina Maria da Costa: S. 18 de
Junho de 1954).
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