sábado, junho 19, 2021

QUE HORROR, MEU SENHOR !

Jesus fez-me ressuscitar

 

São indizíveis as amarguras e torturas da minha alma. Custa-me imenso falar. A cada movimento, parece que é fora de mim arrancado com toda a violência o coração e, em seguida, as entranhas. Digo pouco, por não poder e por a minha ignorância nada saber dizer, mas sofro e sofro muito por não poder e não saber. Pois sinto uma fome, uma necessidade, posso dizer infinita, de desabafar. Eu não quero de forma alguma queixar-me, não quero entristecer o meu Jesus. O esforço que faço, o nada que digo, é para obedecer. É Jesus, é a glória do meu Senhor e o bem das almas que me levam ao máximo do sacrifício. Vi-me, senti-me nas garras do demónio; ouvi os uivos do inferno, o desespero das almas. Meu Deus! Como é desesperador! Se eu pudesse dizer a forma provocadora, descarada e maldosa, com que são praticados tantos e tantos crimes. Meu Deus, meu Deus, compadecei-Vos de mim. Que maldade infernal! Parecia-me que era em mim, e era eu a praticar crimes tão hediondos. Era eu a cair no inferno, era eu a entregar-me toda à devassidão e prazer, sem nada me satisfazer, mas sem poder naqueles momentos pecar mais; não tive um momento de arrependimento, não tive um olhar para Jesus a pedir-Lhe compaixão. Corri logo à busca de novos instrumentos, de novos lugares e ocasiões, para poder continuar a minha obra infernal. Que horror, meu Senhor, que horror! Disse que não tive um momento de arrependimento, nem um olhar para Jesus, mas tive. Pedi-Lhe bem que não queria pecar. Mas isto foi como se não fosse eu. Foi tudo e tudo é inútil para mim. Não sei como encontrar Jesus, não sei como dar-Lhe as minhas lágrimas, os meus suspiros, os meus sofrimentos, tristezas e amarguras. Tudo morre, tudo é inutilidade, tudo é perdido para mim. Passam-se os dias grandes, os dias festivos da Santa Igreja, e a minha alma não encontra um favozinho de doçura; tudo é perdido, tudo é morte. Estou a comemorar o aniversário da minha estadia na Foz. Sem querer recordar, surge-me de repente uma e outra cena. Fica-me o coração cercado de espinhos, e a cruz atravessa-o dum lado ao outro. Tudo sofro por amor de Jesus, sem sentir que O amo, sem saber que Ele se consola em mim. O abandono é o meu lema. Confio que sou conduzida ao porto de salvação. Nesta imensidade tempestuosa, em que só prevalece a inutilidade, a minha alma conserva-se em paz, a não ser de longe a longe uns momentos de agitação, dúvidas de toda minha vida, tentações contra a Fé, que me levam quase que a cair no desespero. Para que vim ao mundo? Para que serve tanto sofrer e uma vida presa no leito? Isto é sem eu querer, sinto mesmo serem tentações do demónio, ser ele a querer roubar-me a paz. O meu Horto, tão diferente do já foi, não teve outra coisa senão a inutilidade. Eu fui morte para ele, e ele morte para mim. Foi assim, porque eu não quis aproveitar da vida que ele me oferecia. E Jesus, que via infinitamente, aos Seus olhares tudo era presente, sofria, sofria dor infinita, e fez-me sentir a mesma dor, ao mesmo tempo que se mostrou e fez sentir o quanto me amava, o quanto amava as almas. Neste momento afoguei-me n’Ele, perdi-me n’Ele, desapareci como gotinha de água perdida no universo. Hoje, na Sagrada Comunhão, não digo que tive consolação; perdi-me novamente neste Oceano, como gota de orvalho, que com o sol desaparece. A alma ficou mais forte. Foi com esta fortaleza que venceu a inutilidade do Calvário. Na viagem para lá, ao sentir-me desfalecer com tão pavorosa inutilidade, espontaneamente o coração bradou: valei-me, Jesus, ai de mim se não vindes em meu auxílio. Pude chegar ao cimo; mesmo assim, inútil, fiquei na cruz crucificada. O coração continuou a bradar constantemente; eu sou inútil, Jesus, mas sois Vós útil para todos nós. Meu Pai, meu Pai, vinde em meu auxílio.

E foi neste brado que eu caí no sono da morte. Senti como se a alma morresse na maior escuridão. Passou-se algum tempo, e Jesus fez-me ressuscitar. Rasgou no meu peito o véu preto da morte e fez aparecer um véu de luz. (Alexandrina Maria da Costa: S. 20 de Junho de 1952)

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