Minha é a miséria e inutilidade
Vivo a eternidade que não principiei e que nunca
acabarei. Eternidade, eternidade, como tu me fazes sofrer! Tu não principiaste
nem acabarás para mim. Eu vivo-te, odeio-te e contra ti me revolto e contra
Deus. Ó eternidade, ó vida que me fizeste perder o meu Deus, o meu Jesus, a
minha querida Mãezinha! Não posso consentir em tal perda. Não posso sentir nem
recordar que foi por toda a eternidade que perdi estes tão queridos Amores! Que
saudades dos primeiros sábados, do meu colóquio com a Mãezinha! E tudo o mais,
meu Deus, tudo o mais! Que tormento para a minha alma! Quero afirmar-me, quero
agarrar-me ao Céu e não tenho nada a que possa segurar-me. Que abandono, que
tormento! Perder todas as coisas divinas depois de ter perdido as humanas.
Perder todo o conforto e apoio do Céu, depois de ter perdido todo o conforto e
auxílio da terra. Lá vou indo na minha cavação tão profunda, tão profunda que
apavora. São tão raras, tão raras as cavadelas. Parece-me que levam mais de um
século a dar cada uma, mas cansam-me tanto, tanto a alma. Ela está sempre
banhada em suores. Só o sustentar nas mãos tal instrumento fatiga-me o corpo e
a alma, leva-me a maior abatimento. O corpo desfeito pela dor ressente-se com o
sofrimento da alma. É para ele maior tormento. Vejo o túmulo, aquele túmulo que
me escondeu, aquele túmulo que a morte exigiu e as trevas e a mesma morte
continuam a exigir. À volta dele é um prado e jardim florido. Por dentro morte
e trevas. Por fora verduras, lírios, açucenas que verdejam, vida que vive e faz
sobreviver sempre. Nada disto é meu. Minha é a miséria e inutilidade. A
inutilidade rouba-me os meus sofrimentos, os meus sacrifícios, as minhas ânsias
de me dar ao Senhor e às almas. Como o livro do meu coração quer falar,
expandir-se!... Como são infinitas as minhas ânsias de amar a Jesus e de O
fazer amar e de Lhe entregar a humanidade inteira! A inutilidade tudo abafa e
até este livro me rouba. O meu calvário, o meu horto tão cheio de agonia é por
mim espezinhado e esquecido. Nada disto vivo, porque parece que nada disto foi
para mim.
Ó meu Deus, ó meu Deus, em Vós confio. Creio,
Jesus, creio. Valei-me com a Mãezinha. (Alexandrina Maria da Costa: S. 4 de
Junho de 1954)
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