sexta-feira, junho 04, 2021

EM VÓS CONFIO

Minha é a miséria e inutilidade


Vivo a eternidade que não principiei e que nunca acabarei. Eternidade, eternidade, como tu me fazes sofrer! Tu não principiaste nem acabarás para mim. Eu vivo-te, odeio-te e contra ti me revolto e contra Deus. Ó eternidade, ó vida que me fizeste perder o meu Deus, o meu Jesus, a minha querida Mãezinha! Não posso consentir em tal perda. Não posso sentir nem recordar que foi por toda a eternidade que perdi estes tão queridos Amores! Que saudades dos primeiros sábados, do meu colóquio com a Mãezinha! E tudo o mais, meu Deus, tudo o mais! Que tormento para a minha alma! Quero afirmar-me, quero agarrar-me ao Céu e não tenho nada a que possa segurar-me. Que abandono, que tormento! Perder todas as coisas divinas depois de ter perdido as humanas. Perder todo o conforto e apoio do Céu, depois de ter perdido todo o conforto e auxílio da terra. Lá vou indo na minha cavação tão profunda, tão profunda que apavora. São tão raras, tão raras as cavadelas. Parece-me que levam mais de um século a dar cada uma, mas cansam-me tanto, tanto a alma. Ela está sempre banhada em suores. Só o sustentar nas mãos tal instrumento fatiga-me o corpo e a alma, leva-me a maior abatimento. O corpo desfeito pela dor ressente-se com o sofrimento da alma. É para ele maior tormento. Vejo o túmulo, aquele túmulo que me escondeu, aquele túmulo que a morte exigiu e as trevas e a mesma morte continuam a exigir. À volta dele é um prado e jardim florido. Por dentro morte e trevas. Por fora verduras, lírios, açucenas que verdejam, vida que vive e faz sobreviver sempre. Nada disto é meu. Minha é a miséria e inutilidade. A inutilidade rouba-me os meus sofrimentos, os meus sacrifícios, as minhas ânsias de me dar ao Senhor e às almas. Como o livro do meu coração quer falar, expandir-se!... Como são infinitas as minhas ânsias de amar a Jesus e de O fazer amar e de Lhe entregar a humanidade inteira! A inutilidade tudo abafa e até este livro me rouba. O meu calvário, o meu horto tão cheio de agonia é por mim espezinhado e esquecido. Nada disto vivo, porque parece que nada disto foi para mim.

Ó meu Deus, ó meu Deus, em Vós confio. Creio, Jesus, creio. Valei-me com a Mãezinha. (Alexandrina Maria da Costa: S. 4 de Junho de 1954)

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